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De casa para o trabalho.

De casa para o trabalho.

| Desfavor | | 70 comentários em De casa para o trabalho.

A maioria de nós tem que se deslocar até o local de trabalho. Sally e Somir ainda não se podem dar ao luxo de trabalhar de casa, então resta-lhes decidir sobre o quanto pretendem sacrificar para encontrar o melhor equilíbrio entre morar e trabalhar. Os impopulares tem faixa exclusiva para dar suas opiniões.

Tema de hoje: Morar com conforto longe do trabalho ou sem conforto perto?

SOMIR

Tema complicado, muitas variáveis. Eu prezo conforto acima de praticidade, portanto escolho morar bem ao invés de morar perto. Evidente que morar num lugar confortável e agradável perto de onde se trabalha é o caso ideal, mas estamos limitando sua escolha aqui: ou mora bem, ou mora perto.

Como Sally vai defender o lado mais imediatista, provavelmente vai ganhar, mas não desperdicemos este texto: tenha menos pressa. Nem tudo vale a pena em nome de chegar mais rápido. E aposto que vocês já sabem muito bem disso. Se estivéssemos discutindo entre a opção de dirigir feito um maníaco ou dirigir de forma segura para chegar no trabalho, a parcela dotada de cérebro de vocês concordaria que ganhar poucos minutos arriscando a vida é recompensa de menos por risco demais.

Argumento aqui que qualidade de vida também funciona dessa forma: vale a pena passar um pouco mais de tempo no caminho para o trabalho se a SUA CASA for melhor. Tudo bem que passamos muito dos nossos dias na rua, mas o lugar para onde você volta quando a correria acaba é muito importante. A sua casa é sua responsabilidade, o lugar onde você se protege das intempéries do mundo.

Se você trata sua casa apenas como um lugar para dormir, o efeito dela como refúgio se desfaz. Tem um elemento psicológico aqui, descansar não é uma tarefa apenas do corpo, mas da mente. Morar mal para ganhar uma ou duas horas por dia a mais numa casa que não te acolhe de verdade também é pouca recompensa.

Mas o povo acha o máximo economizar alguns minutos! Nada melhor do que a gratificação instantânea, não é? Otário é quem tem SUA CASA num bom lugar e bem confortável. Quem troca um pouco mais de encheção de saco no caminho por um prêmio maior no final das contas é historicamente visto como burro pela massa. Tem que ser tudo agora! Agora é o refúgio dos espertos.

Há muita concorrência pelo morar perto, e isso já deveria ligar pelo menos um sinal amarelo na mente das pessoas. Morar perto significa pagar mais pelo metro quadrado, pela hora de serviço, pelo risco maior… paga-se até para estacionar a porcaria do seu carro perto da sua casa! Isso é tudo resultado da quantidade de gente com a mesma ideia. Tenham muitas dúvidas de ideias populares.

É muito negócio enfiar essa cultura de eficiência e economia de tempo na cabeça das pessoas. Pode até fingir que está morando mais perto para ter mais tempo para si, mas na verdade está ganhando tempo para o empregador: quem mora perto já se condicionou a viver em função do seu trabalho. Quem mora perto não atrasa, está sempre disponível para horas extras… Muita inocência cair nessa.

Se sua prioridade é você, a sua casa segue o padrão. Normalmente você só consegue viver num lugar térreo e espaçoso se estiver longe dos grandes centros. Você só vai ter um vista limpa se morar longe (A não ser, é claro, que você seja podre de rico). Sua casa só vai ser seu refúgio da loucura do dia-a-dia se você se afastar um pouco dele mesmo.

Morar perto significa ficar grudado com seus vizinhos, significa viver em lugares mais perigosos. E significa lidar com mais BM no cotidiano. Morar com conforto sugere que seus vizinhos não vão escutar funk no último volume. O Brasil é muito menos BM longe dos grandes centros. Gente demais em qualquer lugar estraga as coisas.

O conforto de ter uma casa maior e mais bem equipada com o dinheiro economizado por não pagar por estar mais perto do trabalho é dinheiro investido em você mesmo. Sim, você vai perder tempo da sua vida no trânsito, mas… precisa estar numa cama todas as horas que não estiver trabalhando?

É possível aguentar um pouco mais de tempo de transporte se você tiver com o que se distrair, ou pelo menos se você for uma companhia agradável. Essa coisa de querer passar o mínimo de tempo possível sem algo para fazer além de ‘chegar’ soa como se a pessoa tivesse pânico de ficar sozinha com seus pensamentos por mais que cinco minutos.

Eu aguento duas horas num carro sem rádio numa boa. Minha mente é muito interessante, oras. E quase sempre tem uma tonelada de informações para processar no caminho, tem que fazer algo com a informação que se recebe todos os dias, oras. Mas não precisa nem seguir meu exemplo: vai escutando música, vai ouvindo notícias, vai lendo um livro ou jogando um jogo se estiver em transporte público. Tem muita coisa que você faria num sofá ou numa cama que dá para fazer no caminho.

E quando estiver em casa, curta-a. Uma casa confortável faz muito bem para o corpo e a cabeça. Incrível que a prioridade das pessoas seja facilitar a vida do empregador ao invés da própria! Deixe de ser tão vítima do capitalismo, você pode fazer melhor do que morar num lugar de merda se der menos atenção para esses ganhos inúteis de tempo.

Menos pressa.

Só um adendo: se você mora numa cidade onde andar de carro por uma hora ainda configura morar perto e tem congestionamento para sair da garagem do prédio (olá, paulistanos), ou se mora numa cidade onde sempre se mora mal porque resolveram amontoar a cidade toda numa pequena clareira na mata (olá, cariocas), entenda que vocês precisam adaptar um pouco sua realidade para a do resto do país. E, não é por nada não, mas… saiam daí o mais cedo possível. Cidades desse tamanho não são compatíveis com vida humana decente.

Entre gastar mais tempo para chegar e morar mal, sério que morar mal vence? Não é possível.

Para dizer que é fácil dizer isso morando na roça, para dizer morar bem é morar perto, ou mesmo para dizer que para ficar longe de BM a solução é morar fora: somir@desfavor.com

SALLY

O que é melhor: morar com conforto longe do trabalho ou morar sem conforto perto do trabalho? Entenda-se o conceito de “perto” como sendo um local que te permita ir a pé para o trabalho, coisa de um ou dois quarteirões. Entenda-se como longe um local que implique em um deslocamento de mais de uma hora.

Eu já passei por experiências extremas: trabalhei com deslocamento de quatro horas a ida, quatro horas a volta da minha casa e trabalhei a meio quarteirão da minha casa. Acho que posso afirmar com muita certeza que prefiro morar em uma caixa de geladeira debaixo da ponte se for perto do meu trabalho do que passar por um longo deslocamento (seja em função de trânsito, seja em função da distância) novamente.

Sim, morar sem conforto é uma merda, mas perder metade do seu dia útil em deslocamento é pior. A menos que você more em uma cidade sem trânsito e guarnecida por um bom transporte público (ou seja, fora do Brasil), o que se perde de qualidade de vida não compensa as poucas horas de conforto em casa.

Porque se você é uma pessoa comum, você volta para casa para jantar e dormir. Hoje em dia gente que trabalha poucas horas e passa metade do seu dia em casa é exceção. Dentro dessa realidade, que é a minha, de alguém que trabalha o dia todo e volta para casa para jantar e dormir, pouca diferença faz se a casa é um pouco menos confortável. Compra uma cama muito boa e é tudo que se precisa.

Banheira? Um quarto extra? Piscina? Sauna? Olha, francamente, morando longe do trabalho dificilmente você vai ter tempo para usufruir destas regalias ou de benfeitorias que geram conforto. Na minha opinião, NADA no universo é melhor do que poder ter mais duas horas de sono todos os dias, porque você sabe exatamente o tempo que vai demorar para chegar ao trabalho: dez minutos, a pé. Nada é melhor do que se poupar do desgaste e estresse de um longo deslocamento.

Talvez eu esteja ficando velha: nada acresce mais à minha existência digna e rendimento profissional do que algumas horas de sono a mais. Sem contar que poder dormir mais também implica em ter mais tempo para mim, pois não preciso ir dormir tão cedo. Permite chegar do trabalho, jantar com calma, assistir a um filme ou usar o “me time” da forma como eu quiser. Não tem conforto que me faça abrir mão de horas de sono ou de um deslocamento demorado.

Deslocamentos acabam comigo. Passar horas em um ônibus ou em um carro me fazem sentir como se tivesse levado uma surra e chegar cansada ao trabalho. É como um celular esquecido com a tela acesa: a bateria vai toda embora sem que ele desempenhe qualquer função. E, sinceramente, acredito que muita gente funcione como eu, apenas não parou para se observar e perceber isso.

Adianta um conforto maior se você não vai ter tempo para usufruí-lo? Pra que? Só para dizer que tem esse conforto? Francamente, prefiro morar em um bairro socialmente considerado “pior”, em um apartamento menor, em um apartamento não tão bonito, mas ter uma qualidade de vida maior. Eu me coloco em primeiro lugar, minha saúde, meu sono, meu bem estar físico. Coloco bens materiais, que são os que geram conforto, em segundo plano.

Essa ambição, essa ânsia das pessoas por ter, ter, ter, as faz esquecer de olhar para dentro. Quer ter X telefone, quer ter X eletrônico dentro de casa, quer ter X carro ou querer morar em X bairro. Eu quero ter SAÚDE e BEM ESTAR, em primeiro lugar, e se o preço para isso for não ter X bem material, que seja. Eu me amo, eu me cuido e essa é a minha prioridade: tempo para mim e para minhas necessidades fisiológicas, psicológicas e sociais.

Não vejo tanta diferença assim de um bairro para o outro, afinal de contas, você não mora no bairro, você mora dentro da sua casa. Qualquer casa pode ser, ao poucos, melhorada e transformada em um ambiente que te dê bem estar. Se o bairro é feio, faço da minha casa um lugar aconchegante e me entoco ali. Vantagens de ser antissocial.

Esta escolha reflete inclusive a longo prazo: ter qualidade de vida hoje (horas de sono, menos estresse, etc) pode ser determinante para não ter um infarto ou um AVC dentro de dez ou vinte anos. O corpo e a saúde que você tem hoje é genética, mas o que você terá dentro de vinte anos é mais fruto das suas escolhas do que dos seus genes. E isso vale em especial para as Madames e os Madamos que tem filhos, no caso de vocês, nem escolha é, é obrigação, é dever moral se cuidar para não deixar uma criança sem pais no mundo.

Não dá para ter tudo que a gente quer na vida. Aceita que dói menos. Simplesmente NÃO DÁ. Você tem que priorizar e deixar ir o que for menos importante. Em vez de nadar feito um louco contra a maré se convencendo que vai conseguir dar conta de tudo, aceita o conselho da Tia Sally e faz escolhas. De algumas coisas você VAI TER QUE abrir mão. Qual é a sua prioridade? A minha sou eu, minha saúde e meu bem estar.

Dificilmente uma pessoa que já vivenciou as duas experiência vai discordar de mim. Morar a dois passos do seu trabalho é um luxo que dobra sua qualidade de vida. Talvez por nunca ter experimentado essa realidade (em algumas cidades é simplesmente impossível) você nem tenha ideia do ganho que isso gera. Morar a dois passos do trabalho só perde para poder trabalhar dentro da sua própria casa, meu sonho dourado ainda não realizado.

Em última instância, acho que o que quero dizer é que nenhum conforto que um bairro, imóvel ou infraestrutura possa oferecer suplanta o benefício de mais horas de sono e de me poupar do desgaste de um longo deslocamento. No cômputo geral, prefiro um conjugado ao lado do trabalho do que um castelo a horas de distância. Ter um castelo não me é importante. Ter mais horas de sono e me poupar da sangria que um longo deslocamento faz no meu organismo sim.

Um beijo na alma de quem, assim como eu, sofre do “mal do viajante”, fica enjoado, passa mal, vomita, tem dor de cabeça e desmaia quando se sujeita a longos deslocamentos. Procurem imóveis perto de seus trabalhos, isso não é vida.

Para dizer que bom mesmo é não precisar trabalhar, para dizer que no meu caso evitar deslocamento de carro é questão de segurança pública ou ainda para divagar sobre assuntos correlatos ao tema sem se posicionar: sally@desfavor.com


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