Aquela do Satanás II…

Em um primeiro momento, quando vi o vulto se aproximando, pensei se tratar de um equino ou qualquer outro animal de grande porte. Mas não, era um cão, enorme, gigante, monstruoso:

TOMIR: Este é Satanás II
SALLY: Você perdeu o juízo?
TOMIR: Eu gostei da raça, eu gostava do Satanás
SALLY: Ele tentou te matar várias vezes!
TOMIR: Você também e… aqui estamos
SALLY: Eu não sei se eu consigo, eu não sei… tudo novamente…
TOMIR: Relaxa, eu aprendi com os erros do primeiro Satanás
SALLY: Não estou muito certa disso
TOMIR: O que foi que conversamos sobre um voto de confiança?
SALLY: *olhando desconfiada para Satanás II
TOMIR: Pode se aproximar, deixa ele te cheirar
SALLY: O bicho é do tamanho e um tigre, e foi educado por você. Não estou muito certa se eu quero me aproximar.
TOMIR: Satanás, senta!
SATANÁS II: *sentando
TOMIR: Satanás, deita!
SATANÁS II: *deitando
TOMIR: Satanás, fica!
SATANÁS II: *imóvel
SALLY: VOCÊ FEZ ISSO?
TOMIR: Não, assumi minha incompetência e paguei um adestrador
SALLY: Não deixa de ser um progresso *dando um tapinha no ombro de Tomir
SATANÁS II: *rosnando
SALLY: *tirando a mão
TOMIR: SATANÁS!
SALLY: *colocando a mão em Tomir
SATANÁS II: *rosnando
SALLY: *tirando a mão
TOMIR: PORRA, SATANÁS!
SALLY: Você sabe que se ele me atacar, eu vou morrer, né?
TOMIR: Ele não vai te atacar
SALLY: Você ACHA que não, mas olha o tamanho do risco que eu estou correndo
TOMIR: Ele não está acostumado, eu passei por um período de isolamento, ele não está acostumado com outras pessoas
SALLY: Por mais que eu não entenda como, você conseguiu dar afeto e criar um vínculo com ele, não sei se ele vai aceitar minha presença
TOMIR: Ele que tente te atacar que eu viro ele do avesso pelo cu
SALLY: Não é assim, isso não deu muito certo com o primeiro Satanás
TOMIR: Ele vai se acostumar com você

Aos poucos, fui fazendo amizade com Satanás II, que parecia ser bem mais dócil que o primeiro, provavelmente devido à ausência de surras na infância. Alguns subornos alimentares, brincadeiras diárias e carinho aos poucos me fizeram ganhar a sua confiança. Satanás II tinha um lado muito carente que todo mundo que convive com Siago Tomir acaba desenvolvendo.

TOMIR: Olha só, quem diria! Ele está dormindo no seu colo!
SALLY: Ele está cansado, brincamos por horas no quintal. Encostou a cabeça na minha barriga e dormiu
TOMIR: Parabéns, você foi aceita na matilha
SALLY: Foi mais fácil do que imaginei, esse Satanás é mais tranquilo que o outro
SATANÁS II: *abrindo um dos olhos ao ouvir seu nome
TOMIR: Merece uma foto! *se aproximando para tirar uma foto
SATANÁS II: *rosnando
TOMIR: *recuando
SATANÁS II: *voltando a fechar os olhos
TOMIR: *se aproximando
SATANÁS II: *rosnando
TOMIR: O QUE? O QUEEEEEE?
SALLY: Espera, deixa eu levantar, vamos fazer um teste
TOMIR: Sim, vamos testar como se vira um cachorro do avesso pelo cu!
SALLY: Se aproxima de mim
TOMIR: *abraçando
SATANÁS II: *rosnando alto
TOMIR: SATANÁS FILHO DA PUTA!
SALLY: Lá vamos nós…
TOMIR: SATANÁS QUER ME ENFRENTAR!
SALLY: Você pode não gritar?
TOMIR: SATANÁS ESTÁ ME DESAFIANDO!
VIZINHOS CRENTES: Derrama Senhooooor derraaaaaama…
SALLY: Não, não! Tudo de novo não! Isso é um deja vu infernal!

Algo se inverteu e agora Satanás rosnava para Tomir quando ele encostava em mim. Aconteceu repetidas vezes e Siago Tomir ficava cada vez mais irritado.

TOMIR: VOCÊ QUEBROU O CACHORRO, SALLY!
SALLY: Não, Tomir. Você que deu tão pouco afeto para o animal que em poucos dias ele se apegou a mim
TOMIR: ELE NÃO PODE ROSNAR PARA MIM! NÃO PODE!
SALLY: Também acho que não pode, mas você há de convir que você deve ter sua parcela de culpa, todo bicho que você cria fica maluco
TOMIR: Eu… EU sou o problema? Estava tudo ótimo até você chegar
SALLY: Não estava nada ótimo, ninguém podia chegar perto de você
TOMIR: Ninguém chegava perto de mim! Estava tudo ótimo!
SALLY: Minha paciência não é a mesma de dez anos atrás, seja inteligente
TOMIR: Eu vou resolver isso, pode deixar. O problema dele é carência? Eu vou resolver isso
SALLY: Podemos discutir o assunto?
TOMIR: Não! Eu vou resolver o problema sozinho para você não ficar dizendo que tem que limpar a minha bunda a cada merda que eu faço
SALLY: No final das contas, eu sempre tenho
TOMIR: *pegando o carro e saindo de casa chateado
SALLY: É, cachorro… você deu o azar de cair em um lar disfuncional…
SATANÁS II: *abanando o rabo

Continuei brincando com Satanás II, até que uma sequência de mensagens chegaram no whatsapp. Tender, um amigo de Siago Tomir que teve um ataque de covardia e não quer mais ser identificado porque não segura o rojão de ter verdades sobre si divulgadas, havia me adicionado a um grupo de Whatsapp onde estavam todos os amigos de Siago. O nome do grupo: “Os Comedores”. A foto eu prefiro nem descrever. Tender começou a bater papo até que Siago Tomir percebeu que eu havia sido adicionada. A conversa já estava desagradável o suficiente quando, para completar, Alicate se manifesta dizendo que seu pai morreu.

Alicate é, sempre foi e sempre será um merda sem caráter e sem responsabilidade, mas seu pai era uma boa pessoa e me tratava como uma filha. Além disso, por mais filho da puta que Alicate fosse, a morte do pai seria um baque enorme para ele. Sem saber o que falar ou o que fazer, saí do grupo, pois não seria de bom tom tripudiar. Tender me ligou logo depois.

TENDER: Foi mal, não sabia que ele ainda estava no grupo, nem lembrava
SALLY: Explique-se com o Tomir
TENDER: Tomir tá bravo comigo
SALLY: Eu também, se isso te interessa
TENDER: Onde ele está?
SALLY: Não sei, saiu para resolver um problema e não sei onde ele foi
TENDER: Ok, avisa para ele que o velório do Pai do Alicate vai ser hoje à tarde
SALLY: Avisa você, ele está tentando te ligar
TENDER: Eu sei, nem fodendo que atendo o telefone agora

Siago Tomir voltou pouco depois, com uma cara muito transtornada:

TOMIR: Ok, vamos por partes. Temos que conversar sobre três coisas
SALLY:
TOMIR: Primeiro, sobre o grupo. Esse nome não é o que parece, deixa eu te explicar…
SALLY: Não quero
TOMIR: Mas…
SALLY: Tá tranquilo, eu não sou santa, fiz um belo estrago quando estávamos separados. Solteira no Rio de Janeiro *assoprando o dedo como uma pistola
TOMIR: *vermelho
SALLY: Certamente eu fiz pior do que você, sabe como é, Rio de Janeiro. Tá tranquilo, não precisa explicar
TOMIR: COMO É QUE É?
SALLY: Algum problema?
TOMIR: SE TEM ALGUM PROBLEMA?
SALLY: Sim, quero saber qual é o problema. E pensa bem antes de responder, para não repetir velhos erros
TOMIR: *cabeça baixa, mão nas têmporas, murmurando algo
SALLY: Eu quero ouvir o que você está murmurando ou é algo que merece ser entubado?
TOMIR: Segunda opção
SALLY: Ok, toma seu tempo para se acalmar e depois a gente conversa
TOMIR: Não dá, precisamos conversar rápido
SALLY: Por qual motivo?
TOMIR: Calma, primeiro o Pai do Alicate
SALLY: Fiquei triste, eu gostava dele
TOMIR: Ele também gostava muito de você…
SALLY: Eu sei
TOMIR: e por isso eu acho que você deveria ir ao velório dele
SALLY: Ahh não… encontrar o Alicate? Não, obrigada
TOMIR: O velho gostaria que você fosse, você sabe disso
SALLY: Sim, quando eu precisei ele me ajudou muito, sou grata a ele
TOMIR: Então que tal ir se despedir?
SALLY: Não acho bom a gente ir
TOMIR: A gente? Como assim? Eu vou!
SALLY: Vai? Vai dar apoio para o Alicate?
TOMIR: Uma pessoa que eu gostava morreu, vou me despedir
SALLY: Ele está morto, nem vai saber que você esteve lá
TOMIR: Não interessa, eu vou por mim, eu quero me despedir. E gostaria que você viesse comigo
SALLY: O que foi que a gente combinou? Que eu não veria mais o Alicate!
TOMIR: Não é possível que você não perceba que é uma situação extrema! Não estamos indo encontrar o Alicate, estamos indo enterrar uma pessoa querida
SALLY: Desculpa interromper, mas você esqueceu o carro ligado…
TOMIR: Não, a chave está aqui, comigo
SALLY: Não, você esqueceu o carro ligado, ele está balançando
TOMIR: Ahhh…
SALLY: O que está acontecendo?
TOMIR: Vem comigo

Siago Tomir foi me levando em direção ao carro e fazendo um discurso sobre como não deixaria mais a responsabilidade de tudo nas minhas costas e como havia aprendido com seus erros.

TOMIR: Eu disse que ia resolver, eu resolvi
SALLY: *olhando apreensiva
TOMIR: Sally, eu te apresento o Desfavor

Siago Tomir abre a porta do carro e do banco traseiro e de lá sai um filhote de Satanás, hiperativo, que começa a correr em círculos pelo jardim.

SALLY: O que… o que…
TOMIR: É simples. Satanás estava carente e se sentindo sozinho e isso gerava problemas. Agora ele tem alguém para canalizar isso.
SALLY: Dois… DOIS!
TOMIR: Você está brava?
SALLY: Acho que eu vou desmaiar…
TOMIR: Ei! É uma boa ideia!
SALLY: *cabeça baixa, apontando para dentro do carro

Desfavor roeu todo o estofamento de couro do carro de SiagoTomir no pouco tempo que ficou lá dentro.

TOMIR: DESFAVOR! DESFAVOR FILHO DA PUTA!
SALLY: Ainda dá tempo de voltar para o Rio, facada deve ser melhor do que isso

Desfavor se escondeu atrás de Satanás II.

TOMIR: DESFAVOR! SATANÁS!
SALLY: Eu devo gostar muito pouco de mim mesma, só isso explica…

Desfavor e Satanás II corriam em círculos pelo quintal

TOMIR: Calma, vai dar certo
SALLY: *olhando com cara de ódio
TOMIR: Anda, se arruma para a gente ir no enterro

Para dizer que todo castigo para mim é pouco, para dizer que nada melhor do que Desfavor para acompanhar Satanás ou ainda para nem comentar por estar rindo muito da minha cara: sally@desfavor.com

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