Porrada anônima.

Quem conhece o desfavor sabe que tanto Sally quanto Somir mantém-se anônimos convictos há mais de sete anos por aqui. Mas os dois não concordam quando falamos do potencial destrutivo de discussões entre pessoas sem nome ou foto. Os impopulares, anonimamente se quiserem, ajudam a definir uma opinião.

Tema de hoje: Agressões virtuais entre anônimos são inofensivas?

SOMIR

Sim. E vamos deixar algo claro logo de cara: estamos falando de duas pessoas anônimas brigando entre si, se uma delas fica reconhecível em qualquer etapa do processo, sai completamente do objetivo da discussão de hoje. É a boa e velha baixaria anônima, baseada apenas nas informações que as pessoas escolhem compartilhar. Nenhuma dessas pessoas pode ser identificada por nome ou foto.

E nesse contexto, ninguém tem mais fraquezas das que escolher colocar na mesa. O anônimo é um ser maleável, que não precisa manter nenhuma coerência com sua “vida real”, qualidades ou defeitos. O anônimo é uma projeção, e quem sabe trabalhar com isso não vai ficar sofrendo pelos cantos por uma suposta maldade dita para ele na internet. Ele só acusa o golpe que quiser acusar, só se dói se escolher se representar dessa forma.

Pancadaria anônima é uma grande pescaria, os dois lados vão jogando as iscas e esperando pra ver se alguma delas é puxada. Claro que na vida todos temos nossos pontos fracos, inseguranças e problemas, mas muito se engana quem acha que o ponto do anonimato é só se esconder: na verdade é mostrar um lado seu que por algum motivo não combina com seu cotidiano “identificável”. Eu mantenho que o anônimo é justamente quem tirou a máscara.

E sem a máscara, qual a importância dos seus problemas “reais”? E se eu fosse um tetraplégico que escreve os textos com a boca? O que isso impactaria no resultado das palavras que escrevo? O anonimato serve justamente para descolar a ideia do corpo que a produziu. Uma discussão agressiva entre dois anônimos é uma batalha virtual, nenhum golpe pega de verdade, a vítima tem que avisar isso para o agressor para sequer ser registrado.

Se você é gordo, que obrigação tem de se sentir diminuído sem alguém que nem imagina como você é te chamou de gordo? É escolha. Você só é o que te faz sentir mal se você disser que é. A verdade é que nenhum ataque é pessoal enquanto não tiver uma pessoa ali. Palavras machucam? Claro que sim. Mas existe um mundo de diferença entre ser alvo de algo feito para te machucar e um tiro no escuro.

Numa troca de ofensas entre pessoas que não se conhecem, no fundo não passam de críticas genéricas que as pessoas imaginam que doam no outro. E, muito comum também irem bater no “inimigo” da vez com o que dói nelas mesmas. A discussão entre anônimos é inofensiva se você escolher assim. E, quando se doer é opção, essa opção serve para qualquer outro momento da vida. Não é a pancadaria entre desconhecidos que gera o grau de ofensa, é a decisão pessoal de acusar um golpe “no ar” e dar mais munição para o adversário.

E isso cidadão ou cidadã pode fazer quando bem entender. É o mesmo mecanismo dos chiliquentos de redes sociais: fica esperando uma chance de se doer e quando ela aparece, agarra com todas as forças. Para vocês entenderem direito o que eu quero falar aqui, vamos dar um exemplo: se estivéssemos discutindo se colheres são inofensivas, Sally estaria defendendo que não são porque a pessoa pode resolver afiar o cabo e enfiar no próprio pescoço; e eu defendendo que por si só o talher não causa problema algum. O que parece mais razoável?

Nunca tive dó de bater em anônimos, desde que eles estejam efetivamente protegidos em suas identidades. Eu não vou atrás pra descobrir quem a pessoa é porque não gostaria que fizessem comigo. A ideia é colocar dois cérebros para discutir da forma mais pura possível, sem adaptar o discurso a quem está ouvindo. Já aconteceu algumas vezes de chegar até a mim a informação de quem era a pessoa na realidade, mas isso não me interessa. Prefiro parar a discussão do que usar essas informações. Pra discutir com gente na defensiva cujo único argumento é falácia ad-hominem eu já tenho o resto da sociedade.

E existe sim uma sabedoria em quem diz que agressão virtual é só questão de desligar o computador (mesmo que hoje em dia isso seja mais discutível). Porque muitas vezes é. Se você está protegido pelo anonimato, pode simplesmente sumir. Se um dia eu ficar muito puto/chateado e me sentir mal de continuar no desfavor, eu sumo e só umas duas pessoas além da Sally saberiam me achar depois. O anônimo não precisa ficar amarrado em quem o ataca.

Eu vivo dizendo que o segredo para não sofrer com perseguição na internet é parar de cavar. Se você conseguir se controlar o suficiente para parar de municiar o outro, quase sempre acaba. Acredito no anonimato como ferramenta de liberdade de sair quando bem entender. Se a pessoa tem na mão a ferramenta que a permite escapar quando bem entender do que a incomoda, ficar significa uma escolha. Seja ela por coragem ou masoquismo. Mas é escolha.

Discussões entre anônimos na internet são tão inofensivas quanto você quiser.

Para me xingar muito, para dizer que vai mostrar nome e foto pra evitar que eu te encha no futuro, ou mesmo para dizer que não confia em nada escrito por um anônimo: somir@desfavor.com

SALLY

Agressão virtual de uma pessoa anônima contra outra pessoa anônima é sempre inofensiva? Não.

Novamente vou bater na tecla que bato desde que o Desfavor começou, em 2009: anonimato não se mede por uma foto ou um nome. Para vocês, eu sou tecnicamente uma anônima, mas garanto que muitos de vocês me conhecem melhor do que muito colega meu de trabalho que me vê todo santo dia. Então, se um dia quiserem me bater, provavelmente o farão com mais assertividade do que um colega de trabalho que sabe meu nome e rosto.

Bater em alguém anônimo pode não provocar efeito algum, mas pode sim causar um impacto negativo. O anonimato de protege do vexame social, de que as pessoas do seu convívio sejam cientificadas que você está sendo esculhambado, mas não te protege de abalar a visão que você tem de você mesmo, a sua autoestima. Se aquilo que a pessoa falou mexer em uma insegurança ou em um ponto sensível, mesmo sem rosto, sem nome ou sem ninguém olhando, pode doer. Então, desculpa, não é sempre inofensivo.

Não é a personificação de quem bate nem de quem apanha que mede o sofrimento. Talvez meça o grau de humilhação, mas não o sofrimento. O que mede o sofrimento é aquilo que é dito. E é possível acertar em cheio mesmo sem saber o nome e o rosto da pessoa. Basta observar suas reações, quando ela se irrita, a forma como ela escolhe te atacar. Uma pessoa um pouco mais esperta bate com precisão sem nome nem rosto em outra pessoa sem nome nem rosto. Salvo engano, Somir até fez um texto com estratégias sobre como fazê-lo com eficiência máxima.

E digo isso por experiência própria. Já vi muita gente faniquitar feio nos comentários comigo, e até deixar comentários dizendo que por minha causa pensou em se matar (coisa que, infelizmente não aconteceu). Pessoas que não conhecem meu rosto e meu nome, pessoas que eu não conheço o rosto e o nome, entretanto, o que eu disse foi impactante o suficiente para a pessoa cogitar suicídio. Então, não venham me dizer que por não ter nome ou rosto qualquer coisa pode ser dita impunemente sem causar mal estar, pois não é verdade.

Mesmo nunca tendo trocado uma palavra com a pessoa, mesmo sem nunca ter contato com ela antes, se tiver sorte, pode pegar na veia e doer. É o que essas histéricas tentam fazer comigo no texto sobre lado negro da gestação. Aparecem as teorias mais mirabolantes, desde eu ser estéril até ser gorda, para ver se alguma ofensa emplaca e dói. Então, até mesmo por um golpe de sorte, é possível causar um sofrimento ou mal estar a alguém de forma anônima.

Todos nós estamos sujeitos a sentir desconforto ao ser confrontados com um atributo negativo imputado à nossa pessoa, por quem quer que seja. Então, menos arrogância de achar que o que os outros pensam não interfere em nada. Nem 8, nem 80. Não vou me matar porque alguém aponta algo ruim a meu respeito, mas dizer que vai ser totalmente inofensivo? Menos, bem menos.

Na verdade, se vocês pararem para pensar, hoje em dia parece que opinião de anônimo ofende até mais. Vejo casais e famílias se esculhambando e, ato contínuo, estão bem, como se nada tivesse acontecido. Mas vai você falar algo anonimamente que irrite e é uma reação desproporcional. Isso é sinal de que? Que doeu! Tenho certeza que metade das pessoas que já vieram aqui me xingar nesses oito anos não se irritaria nem se doeria tanto se os irmãos tivessem a mesma opinião que eu. Provavelmente os achariam uns idiotas e fim. Aqui não, aqui as pessoas se doem, as pessoas agridem, sentem raiva. E tem uma via para dar vazão impunemente.

O fato de não ter rosto nos faz esquecer que estamos falando com seres humanos. Nos faz ser mais cruéis do que normalmente seríamos, nos faz ter menos cuidado. Então, natural que nesse estado de ânimo descuidado e agressivo, possamos causar danos a alguém. É ainda mais provável que o causemos anonimamente do que quando temos que olhar nos olhos da pessoa e reconhecer ali outro ser humanos como nós.

O que ofende não é o interlocutor e sim a mensagem. E a mensagem pode ser dita de forma anônima sem problemas. No máximo o interlocutor é um plus para deixar a ofensa ainda pior. Mas defender que precisa de nome e rosto para causar um mal a alguém? Ainda mais o Somir, que já causou muitos danos em terceiros de forma anônima. Ele deveria saber muito bem o quanto isso é possível.

Faça um teste. Observe um anônimo e tente provoca-lo, irritá-lo ou ofendê-lo. Você vai conseguir. Nem precisa ir muito longe, quantas vezes não tiramos do sério pessoas aqui no Desfavor, nos comentários? Pessoas que não usavam seus nomes reais e, ainda assim saíram do sério, ficaram chateada, xingaram ou de alguma outra forma deixaram bem claro que aquilo que lhes foi dito não foi inofensivo.

Por sinal, o próprio Somir já expulsou gente que nem conhecia, apenas por terem me xingado (bobagem, já falei para ele que não precisa, mas ele não gosta). Então, se uma pessoa anônima lhe causou um mal estar suficiente para fazê-lo expulsar esta pessoa da sua audiência, é sinal que nem sempre é tão inofensivo, né?

Não somos tão superiores como nos achamos. Somos mais vulneráveis do que gostamos de acreditar. Qualquer contato social pode sim causar algum tipo de mal estar. Aceita que dói menos.

Para me xingar e testar essa teoria, para tomar o lado do Somir por ser mais digno ou ainda para pensar em uma forma de encaixar as manifestações de ontem no tema do texto por estar morrendo de vontade de falar nisso: sally@desfavor.com

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Comments (7)

  • São inofensivas, sim, talvez ae piores. É isto ai Somir! Ofendeu a Sally…RUA. Não quero te ensinar, mas apenas deixar meu apoio. Existem milhares de formas de resolver um problema. Entrar na sua casa e te ofender é o cúmulo. Ou melhor, é o rumo…

    Da rua

  • Claro que não são inofensivas. Prova disso são todos os leitores que já foram banidos, outras situações que já vi aqui de impopulares colocando limites em outros… Que mania que algumas pessoas têm de pagar de descoladas e bem resolvida, gente!

  • Uma noite dessas, sonhei que estava conversando com o Somir. De algum modo, o cérebro não se conforma com o anonimato.

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