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Chapecoense na mídia.

Chapecoense na mídia.

| Desfavor | | 9 comentários em Chapecoense na mídia.

A Chapecoense ganhou a simpatia do mundo todo nessa semana, por um péssimo motivo. Mas tragédia nunca é demais para a mídia, então, desfavor do desfavor da semana.

Toda tragédia tem um lado positivo

Toda tragédia tem oportunistas

Toda tragédia tem humor reprovado

Toda tragédia tem sadismo

Toda tragédia tem gente se fodendo muito que “tem que agradecer por estar viva”

Toda tragédia tem boataria

Toda tragédia tem uma pessoa que quase morre mas se salva por golpe de sorte

Toda tragédia tem videntes do já ocorrido

Toda tragédia tem alguém que piora a situação

Toda tragédia tem uma canalhice envolvida

SALLY

Não se falou em outra coisa a semana toda: o acidente aéreo que matou mais de 70 pessoas e praticamente dizimou o time da Chapecoense. O acidente comoveu não apenas o Brasil, mas também o mundo, por mexer com algo que desperta a empatia de todos: um “genocídio” acidental, a erradicação de um grupo, com o plus de ser um grupo que veio de baixo, batalhou e morreu no seu melhor momento.

Diante dessa tragédia o mundo todo prestou algum tipo de homenagem, desde o show de solidariedade e eficiência dos colombianos até postagens da banda Guns n’Roses, desde o estádio de Wembley verde escrito Força Chape até a AFA disponibilizando jogadores para reestruturar a Chapecoense. Todo mundo menos o país que mais deveria: o Brasil. Como de costume, o tratamento dado a uma tragédia deixa a desejar.

Não foi apenas a cobertura sensacionalista da mídia, que coloca o microfone no nariz dos parentes das vítimas e pergunta como elas estão se sentindo. Foi além. Toda sorte de oportunismo e exploração teve lugar. Preço da camisa do Chapecoense disparando (oi, Netshoes!), por exemplo. O Catraca Livre, sempre patrulhando o pensamento alheio e apontando dedos usou a tragédia de forma oportunista para obter cliques, a ponto de levar uma chamada do Danilo Gentili. Estes dias foram um verdadeiro show de horrores.

A Chapecoense jogaria contra o Atlético Nacional no estádio Atanasio Girardot, em Medellín. No dia e hora do jogo, não apenas os torcedores, mas o povo lotou o estádio e as ruas em seu entorno, vestidos branco, levando flores, cantando o grito da torcida da Chapecoense, prestando uma linda homenagem. Além do afeto, a competência: o resgate foi realizado com rapidez, passaram informações precisas, identificaram e escoltaram os corpos com um cortejo fúnebre com todas as honras e com apoio e carinho da população. O colombiano, povo civilizado e afetuoso que é, que até então era referência apenas em tráfico de drogas, deu uma lição de solidariedade aos brasileiros.

Não apenas o Governo. Taxistas colombianos não cobraram a corrida para brasileiros que iam ao IML e ainda ofereciam uma volta gratuita. Vários hotéis não cobraram hospedagem. Médicos de toda a cidade, público ou particular, se uniram em um mutirão para ajudar. Uma cidade inteira (belíssima, por sinal, se você não conhece Medellín, conheça) unida para acolher um país vizinho que sofreu uma tragédia. Eu te pergunto: e se fosse no Brasil? Olha, eu duvido muito que o brasileiro teria esse gentileza de volta. Fico com vergonha só de pensar, mas dependendo da cidade, acho que ainda rolaria uma esperteza para faturar em cima da tragédia.

Infelizmente aqui as coisas não foram tão bonitas. O presidente da CBF quis obrigar a Chapecoense a jogar a última rodada do campeonato brasileiro, nem que para isso tivessem que entrar em campo com juniores. Não se fez nenhuma menção concreta sobre como ajudar o time. Times de todo o mundo pedem que a Chapecoense fique impossibilitada de ser rebaixada por alguns anos e tenha ajuda para se reconstruir, mas o apoio, se vier, provavelmente virá de fora.

A imprensa mostra fotos de péssimo gosto do acidente e do resgate, pois acreditam que basta colocar um aviso de “imagens fortes” e pronto, pode colocar qualquer foto pois o leitor está avisado e só clica se quiser. A ética passou longe dessa cobertura. A mídia explora detalhes sádicos e dá voz a esses canalhas profetas do ocorrido, os videntes que aparecem depois que a desgraça aconteceu para dizer que sabiam que ia acontecer.

Conclusões precipitadas, caças às bruxas e, como sempre, muitos dedos apontados sem fundamentos. Sobrou até para a ANAC e para o infeliz que não autorizou o voo fretado que levaria o time direto a Medellín. A recusa ocorreu com base em um acordo internacional que quando há fretamento de equipes brasileiras só podem ser feito por aviões dos países de origem e destino. É uma regra idiota? Provavelmente, parece uma reserva de mercado babaca, mas quem está lá está obrigado a cumpri-la. Se querem bater, batam em quem criou a regra.

E o povo, que deveria se unir diante de uma tragédia como essa, ainda se deu ao trabalho de brigar. Gente fazendo piada com o assunto e gente puta com gente fazendo piada com o assunto, o que só deu mais voz a quem estava fazendo piada com o assunto! Qual é a dificuldade? Se alguém escreveu algo e você não gostou, não leia, despreze, ignore. Não. Não pode. Tem que fazer um escândalo e tentar silenciar a pessoa, canalizando uma energia que seria, a princípio, para uma causa nobre, para solidariedade e homenagem, em direção a algo ruim, como uma briga, ameaça, xingamentos. Sério mesmo, o brasileiro tem muito a evoluir.

Nossos políticos se aproveitaram da comoção nacional e de todos os olhares voltados para a tragédia e votaram, na calada da noite, uma versão muito da cagada, deturpada e deformada do pacote anticorrupção. Não há limites. O brasileiro não tem o direito de voltar sua atenção para outra coisa que eles se aproveitam e fazem uma baixaria dessas. E não se trata de um ou de outro, foram 450 votos contra um, eu disse UM voto. É todo mundo filho da puta, tá tudo errado.

Nosso presidentão, decidiu que não vai à Arena Condá, para o velório coletivo das vítimas, por medo das vaias. Não tá fácil este país não, gente. Temer disse que receberá os corpos no aeroporto. Sem querer ser rude, estão mortos, não faz diferença para os corpos a presença dele. Poderia fazer para os familiares que estarão na Arena, em um momento de dor. Mas o medo de ser vaiado parece mais forte. Pelo visto, nenhuma medida protetiva será destinada ao clube, nem por políticos, nem por instituições do futebol. Homenagem vinda dos colombianos emociona e surpreende, já que é afeto puro, não tinham qualquer obrigação. Apenas homenagem vinda de brasileiro decepciona, pois aqui sim existe a obrigação de acolher o clube e as famílias.

Mais um desfavor: naquele avião não estava apenas um time de futebol. Havia jornalistas, equipe técnica e outras pessoas que não eram necessariamente vinculadas à Chapecoense. Fica meio feio fazer de um acidente que matou mais de 70 pessoas como um acidente que matou um time de futebol. Um morto não vale mais do que o outro, vamos dar a todos a mesma homenagem e respeito, pois o sofrimento dos parentes das vítimas é igual.

Uma pena que cada tragédia tenha sempre esse combo: sensacionalismo, desamparo às vítimas, exploração, covardia oportunista. Vergonhoso ver como Medellín, uma cidade que não faz muito tempo era tomada pelo tráfico, deu um show de afeto, competência e civilidade, enquanto o Brasil lidou de forma vergonhosa com a tragédia. Que bosta, Brasil!

Para dizer que Pablo Escobar era gente boa comparado com político brasileiro, para aceitar a dura realidade de que a Colômbia é um país muito melhor do que o Brasil ou ainda para fazer piada sem medo: deixe seu comentário.

SOMIR

Fiquei pensando aqui: como seria uma cobertura digna de uma tragédia dessas? Crítica é uma forma de expressão válida, evidente, mas quando possível, que venha com alternativas. Então, vamos pensar aqui no que deveria ter acontecido.

Em primeiro lugar, um desconto para a mídia: formou-se uma das histórias tristes mais exploráveis da história recente. Acidentes aéreos com muitas vítimas sempre geram notícia, mas o que vitimou quase todo o time da Chapecoense veio diversos agravantes de atenção e comoção da sociedade. Primeiro, era um time de futebol. O brasileiro, o sul-americano e basicamente todo o resto do mundo tem um ponto fraco no coração para tudo relacionado ao esporte. Se fosse um time de basquete ou vôlei, todos sabemos que a coisa teria proporções bem menores.

Além disso, a Chapecoense não era rival de ninguém. Um time pequeno que veio subindo de divisões ano a ano e estava prestes a disputar uma final de torneio sul-americano! As características modestas do clube criaram uma situação única de carinho das pessoas pela tragédia: fosse um clube grande, teria em sua torcida viúvas o suficiente para seguir com a vida. Claro que as homenagens também aconteceriam, mas não seria tão “adotável” quanto a Chapecoense. De uma certa forma, do dia para a noite, a Chape virou o segundo time do mundo do futebol.

E nada como isso de morrer no auge. Indo jogar uma final! A conclusão aqui é que juntaram-se vários fatores que tornariam essa história gigantesca mesmo. E quando morre gente da imprensa junto, nem preciso dizer que cobrem com mais afinco ainda, não? Não é uma análise cínica, são constatações do que aconteceu. E o grau de dificuldade colocado no exercício proposto no começo do texto: como fazer uma cobertura digna de um evento assim?

Bom, em primeiro lugar: informar corretamente. Jogadores da Chape morreram e voltaram à vida umas vinte vezes durante a cobertura. Tudo isso com as famílias assistindo a cobertura. A sanha de ser o primeiro a noticiar algo não pode passar por cima do comprometimento com a informação precisa. Imagina só ouvir que um parente ou amigo seu morreu, depois que está vivo… só pra descobrir depois que morreu mesmo? Ninguém merece essa tortura. O público acompanhando não tem nada investido ali, não precisa ser informado de cada mínimo detalhe num momento de confusão como os primeiros após o acidente. Inventamos essa necessidade de atualizações em tempo real e acreditamos piamente nela.

Depois disso: respeito. Assim que o primeiro puto tirou uma foto dos destroços, eles estavam estampados em todos os lugares. Novamente, alguém precisa ver metal retorcido e corpos para lidar com a notícia? Dá pra ilustrar as matérias facilmente com qualquer outro tipo de material, que ninguém vai ficar confuso. Que a parte da exploração da desgraça alheia fique contida nas fotos horríveis que fatalmente vazam para grupos de Whatsapp e páginas de mau-gosto na internet. Que pelo menos a mídia “tradicional” se dê a esse respeito, ao invés de querer disputar clique a clique com aventureiros e cretinos em geral. É nivelar por baixo.

Respeito também é dar espaço para a dor alheia. Enfiar microfone na cara de quem acaba de perder um ente querido é um crime. Pegar alguém vulnerável por um momento de choque e tristeza para ordenhar lágrimas do grande público é tão baixaria quanto tentar capitalizar em cima da tragédia. Por uma cobertura com menos depoimentos e mais fatos. Todos somos capazes de imaginar que ninguém lá tem algo diferente para mostrar nessa hora, então que possam fazê-lo com dignidade.

Penso em trabalhar mídia e redes sociais com notícias fatuais, sobriedade na escolha das imagens e espaço para a dor alheia. Não é pedir demais, é? O problema é que quer subir nesse pedestal vai ficar isolado e perder cliques, porque se alguém não fizer, vai ficar afogado no mar de aves de rapina que nos transformamos como sociedade num caso do tipo. Podíamos ter entrado com um plantão sobre o tema logo no dia, mas não precisávamos. Nem mesmo entrar no concurso de quem faz a homenagem mais bonita, até porque os colombianos ganharam de goleada nesse aspecto.

E ao invés de lançar 30 notícias por minuto sobre cada micro-detalhe da tragédia, que tal só atualizar os fatos e fazer compilações de tantas em tantas horas? O triste é que todos sabemos que logo logo surge um novo assunto da vez e a Chape começa a ficar esquecida. Alguém lembra do time do Brasil de Pelotas que sofreu destino parecido num ônibus não faz muito tempo? Não? Se estiverem todos vendidos à necessidade de capitalizar logo sobre a notícia, vamos criando mais condições ideais para enfraquecer essa memória com o tempo. Podiam muito bem ter soltado as matérias com calma, bem pesquisadas, com o passar dos dias. Mas, como o clique vale mais que qualquer integridade jornalística, já estão esgotando o material.

Pensando bem, não é tão complicado assim. Parece só questão de bom-senso. Mas, pena que bom-senso não vende se o que as pessoas querem mesmo é uma boa tragédia para “curtir” alguns dias e partir para a próxima. Culpa de quem produz, culpa de quem lê.

Para dizer que acha estranho morrerem depois de ganharem do time do Papa, para dizer que “Estilo Colômbia” virou elogio pra você agora, ou mesmo para dizer que não acredita muito nessa comoção toda: somir@desfavor.com


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