Senhoras e senhores, hoje os convido a pensar e discutir a seguinte premissa: a dualidade está acabando.

O mundo está mudando, de forma cada vez mais rápida. Por um lado isso é bom, pois nos permite evoluir com mais celeridade, mas, por outro, nos impõe uma obrigação que até então, gerações anteriores não tinham: temos que perceber e nos adaptar em tempo real às mudanças. Uma das grandes qualidades do futuro é ter a capacidade de aprender, desaprender e reaprender uma nova realidade. Então, se você ainda está no apego ideológico, comece a fazer as pazes com a ideia de deixar ir. Assim como construiu seus pensamentos de hoje, certamente você conseguirá construir outros, provavelmente ainda melhores, já que o fará com mais experiência.

Estamos todos assistindo o fim da dualidade debaixo dos nossos narizes. Comecem a se despedir de formas duais de pensar: ou uma coisa, ou outra. Ou preto, ou branco. Certo e errado. Opostos, reversos, dois lados de uma moeda. A moeda do futuro terá muito mais do que dois lados. Quem continuar preso a pensamentos duais, vai ficar para trás.

Em alguns aspectos fica claro e fácil de perceber como a dualidade está ruindo, como por exemplo, no modelo familiar. Se poucas décadas atrás, família era homem + mulher e filhos, hoje família pode ser muito diferente disso: homem + homem, mulher + mulher, dois homens e uma mulher, todo mundo com filho, todo mundo sem filho ou até com um pet registrado em cartório com seu sobrenome. O leque de opções abriu em uma década de forma significativa. Quem diz que família é só homem e mulher passa atestado de obsolência hoje em dia.

“Mas Sally, então por qual motivo tem tanta gente disposta a votar no babaca do Bolsonaro?”. O ser humano, sobretudo o brasileiro, não é conhecido exatamente por sua coragem. Um povo medíocre, sem muito estudo, sem muita cultura, com a cabecinha do tamanho de um caroço de uva, apequenada em um combo de religião e batuque… o que esperar se não o medo de mudanças?

Já conversamos sobre isso em diversos textos, as pessoas tem pavor de mudança, gostam do previsível, do controlável, da zona de conforto. Uma pena, só torna a transição (que é inevitável) mais dolorosa. Na tentativa desesperada de manter o apego ao conhecido, por mais obsoleto que ele seja, as pessoas fazem loucuras, como por exemplo, votar no Bolsonaro.

Mas, não se enganem, todos nós temos, em algum grau, um apego à dualidade. É inevitável, foram muitas décadas funcionando assim. Não se muda por completo, não ao menos sem entender muito bem o mecanismo – e este é o objetivo do texto.

Quando você sente que “alguma coisa” ou “tudo” está mudando, fica mais difícil se adaptar, refletir, reformular crenças ou opiniões. Só quem entender com precisão o que realmente está acontecendo, que de fato a dualidade está acabando, é que vai poder desconstruir isso dentro de si e reconstruir um pensamento mais alinhado com a nova realidade. Então, o primeiro passo é entender, no qual, espero pode ajudar. Mas daqui em diante, está nas mãos de vocês.

O grande expoente da dualidade na nossa cultura é o bom x mau, ou, se preferirem, o certo x errado. Ou é de um jeito, ou é de outro, e só um deles está correto. Culpa da escola, que com suas provas burras nos condicionou que apenas um ponto de vista é válido: “a resposta correta”. Digam adeus à resposta correta, ok? Ela está agonizando, em seu leito de morte. Digam adeus à luz e à escuridão, ao bem e ao mal, ao certo e ao errado.

No dia a dia, sentimos essa prisão da dualidade em discussões, em impasses e ao interagir com outras pessoas. Pode ser em um relacionamento, pode ser entre amigos ou entre familiares: eu estou certo e você está errado ou você está certo e eu estou errado são conceitos que muito em breve não vão mais fazer sentido. Será mesmo que você tem que ser muito bom? Será que tem que fazer apenas o bem? Não acho, apesar de religiões viverem basicamente disso, uma pessoa que só faz coisas boas não está em um bom caminho.

A dualidade está enraizada em todos nós. Vai demorar um pouco para que ouvidinhos toscos consigam escutar uma discordância sem depreender que disso implica uma acusação de “estar errado”, mas esse dia vai chegar. Comecem a exercitar pegar o que cada argumento tem de melhor e criar um híbrido, uma solução partindo dos pontos mais produtivos de cada lado. Obviamente, isto só é possível se a pessoa com a qual você discute não está presa na dualidade, caso contrário ela insistirá em competir por razão, e não em resolver o problema.

A dualidade, para solução de conflitos, é um fracasso, como podemos ver pelo mundo atual. E não me refiro apenas a argumentos radicais, como “meu botão é maior do que o seu”, falo também de todo o posicionamento dual: se gays foram discriminados por anos, então agora que ganharam voz eles vão sambar na cara da sociedade e chocar a família tradicional brasileira. Olha que bonito, a sementinha que isso planta: gerar desconforto no outro, o que fatalmente, vai gerar uma resposta que não vai ser nada agradável. Mulheres foram oprimidas e sacaneadas por anos então vamos todas sacanear de volta os homens, para dar o troco. Que beleza, esta dualidade vai gerar uma guerra sem fim onde todos perdem.

É que fomos criados com a premissa que se você não se defende, você é um babaca e todos vão abusar de você e a melhor forma de defesa é o ataque. Na verdade, para muitos, a única forma de defesa é o ataque. Para quem só conheceu o martelo, tudo é prego. Em uma sociedade torpe, onde filhos cresceram nas mãos de pais emocionalmente despreparados, muitas vezes tendo como principal fonte de convivência a empregada ou a professora, as pessoas crescem achando que quem não bate de volta é otário, babaca, capacho. Você sai por cima se devolver na mesma moeda.

Aí temos estes seres humanos fascinantes que se relacionam batendo de volta quando alguém faz algo que não gostam: “ah é, ele vai fazer isso comigo? Então olha só o que eu vou fazer com ele…”. Nesse ciclo nada saudável de vingancinha, planinho e sentimentos ruins, relacionamentos doentios vão se construindo e nessa brincadeira chegam os filhos, criados nesse ambiente contaminado. Quando se gera uma reação igual em sentido oposto se alimenta a dualidade e todos perdem. Mas ninguém quer sair por baixo, não é mesmo? Quem dá o troco sai por cima, foda-se se com isso alimenta uma resposta ainda pior.

Não é karma ou algum tipo de punição divina, é quase que matemática: quando você age dentro da dualidade, gera um desequilíbrio e a reação que virá a isso é um puxão para o outro lado. Assim, a dualidade é um eterno cabo de guerra. Alguém aí tem tempo ou paciência para isso?

A verdade é que o ser humano, o universo, o planeta, o destino, Deus ou o que quer que você queira chamar, não se dá bem com a dualidade. Só há paz no equilíbrio. A grande piada é que temos uma sociedade toda baseada na dualidade e vai dar um trabalho do cão para desprogramar e reprogramar a nossa mente. Agora que você viu, não tem como desver. Arregace as mangas e comece.

Para dizer que não, obrigada, não vai mudar porra nenhuma, para dizer que nem sequer entendeu direito o que é dualidade ou ainda para dizer que como seu lado está ganhando, vai continuar puxando: sally@desfavor.com

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Comments (11)

  • “Será mesmo que você tem que ser muito bom? Será que tem que fazer apenas o bem?”
    Indo além: o que é ‘bom’? O que é ‘ruim’?
    A polarização de hoje (ou você toma partido ou você é ‘isentão’, como foi dito antes) talvez seja um reflexo dessa mudança de paradigma, uma resistência a esse processo de transformação… Uma tentativa de manter tudo como está. É mais fácil viver uma rotina que é ruim, já que se está acostumado a isso. A incerteza gera ansiedade e desconforto.
    O fato é que é bem mais fácil entender o mundo através de uma escala de cinza em vez do preto e branco, mas convencer o BM disso é outra história…

    • Todos os conceitos rígidos serão muito discutíveis daqui para frente. Isso enerva aqueles que precisam de certezas e, como mecanismo de defesa, eles se enrijecem ainda mais. A consequência é um sentimento cada vez maior de não-pertinência, que causa mais e mais dano em pessoas que já estão inseguras, levando-as a uma agressividade crescente. Não vai ser fácil esse processo…

  • Eu já tentei falar mais ou menos o que você falou, mas os interlocutores me chamaram de isentão pra baixo… é difícil…

    E vou votar no Bolsonaro pra tirar porcentagem do Lula, já que o único candidato que eu achei decente (Amoedo) não tem a menor chance :/

    • Quem tem apego à dualidade tem medo de um novo modus operandi, então ataca. Todo ataque vem, no fundo, do medo. Deixa estar, a dualidade está morrendo e essa transição vai ser muito mais serena e menos sofrida para quem fizer as pazes com isso.

  • “Culpa da escola, que com suas provas burras nos condicionou que apenas um ponto de vista é válido: “a resposta correta”.”
    Talvez isso até se aplique à área das humanas, mas na área das exatas sempre existe a “resposta correta”. Então, a generalização não vale.

    • Na área de exatas existe ou nem sempre existe?

      Bem, no geral, nas provas da escola (escola, não faculdade) se admite apenas uma resposta correta. Tomara que isso esteja mudando.

  • Acho que vai levar um bom tempo, e muito investimento (não apenas grana: tempo e energia) em educação (e não só em termos de estudo) para mudar a cabecinha do brasileiro nesse sentido. Mais uma consequência ligada ao fato do povo adorar se agarrar a certezas e convicções. Vai ser difícil

    • Ah sim… como sempre, o mundo todo vai mudar e o brasileróide vai ficar esperneando em um sistema antigo. Sempre foi assim. Mas um dia a mudança se torna inevitável. Enquanto isso, quem se conscientiza e começa a trabalhar mentalmente para abandonar a dualidade sai na frente.

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