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Carnaval carioca.

Carnaval carioca.

| Desfavor | | 31 comentários em Carnaval carioca.

O presidente Michel Temer assinou nesta sexta-feira (16), no Palácio do Planalto, o decreto de intervenção federal na segurança pública no estado do Rio de Janeiro. O presidente afirmou que o momento pede uma medida “extrema”. Ele ressaltou que o governo dará as respostas “firmes” para derrotar o crime organizado. LINK


Normalmente escolhemos o tema do desfavor da semana na quinta-feira, e dessa vez Lilith fez uma escolha profética… um dia depois dela escolher a violência e o caos que pontuaram o carnaval carioca desse ano, sai essa notícia. Desfavor da semana.

SALLY

Vocês me matam de orgulho… Semana passada um leitor de São Paulo escolheu como Desfavor da Semana a merda que foi o carnaval de São Paulo, esta semana, uma leitora do Rio escolheu como Desfavor da Semana a merda que foi o carnaval do Rio. Muito amor por vocês!

Meio que já se espera que o carnaval acompanhe o ritmo da cidade, logo, pela lógica, o carnaval do Rio seria sujo, promíscuo e mal organizado. Só que desta vez, superou as expectativas.

Um panorama geral que talvez a imprensa não esteja noticiando de forma clara: o Rio está falido, quebrado. Isso se reflete em todas as áreas, inclusive segurança pública. Tem funcionário público que não recebe desde o ano passado. Muitos policiais não tem nem mesmo combustível para encher o tanque da viatura. Tem equipamentos e armas defasados. Mesmo quando houve intervenção militar, os traficantes mataram e botaram para correr o exército, que foi embora dizendo que não tinha condições de controlar a situação por aqui. Quem tem arma e poder no Rio é bandido.

Dito isto, não fica difícil imaginar o que acontece quando a população da cidade aumenta exponencialmente em poucos dias, somando-se a isso o consumo industrial de bebidas alcoólicas e o povo todo na rua. Óbvio que a coisa saiu do controle. Mas não é que a violência tenha aumentado, na verdade, ela disparou, dando à cidade uma aura de guerra civil.

Um exemplo para que vocês entendam como o carioca está entregue à própria sorte: moradores de um dos bairros mais caros do Rio, São Conrado, estão sendo obrigados a pagar uma “mensalidade” para que traficantes não invadam seus condomínios. A cobrança foi feita através de um comunicado por escrito, distribuído nas portarias. Tem hora marcada para a coleta do dinheiro e tudo. E a polícia não pode fazer nada.

O número de tiroteios dobrou. Isso já seria um aumento expressivo para qualquer lugar, imaginem para uma cidade que em 2017 teve um baleado a cada duas horas. Tiro o dia inteiro. Pode acontecer em qualquer lugar. Aqui no Rio não existe essa noção de “lugar seguro”, todo bairro, por mais rico que seja, tem uma favela inserida no bairro onde quem manda é o tráfico e onde pode dar merda a qualquer momento.

Independente de favela, tem bandido espalhado pelo Rio inteiro. E a bandidagem sabe que carnaval é época de faturar: muito turista, muita gente bêbada e distraída na rua. Assaltam sem constrangimento, sem cuidados, sem limites. Teve mata-leão em idosa, teve tiro na cara mesmo depois que a pessoa entregou os pertences, teve dedinho cortado para fazer vários saques no banco com biometria (sim, apesar de inútil, bandido corta dedo achando que vai funcionar).

Teve arrastão no bairro mais chique e caro do Rio de manhã, tarde e de noite, no mesmo dia. Vocês sabem o que é um arrastão? Deve ter gente muito feliz que nunca viu um arrastão. Vai no Google e procura “arrastão Rio de Janeiro”, tem um mais cinematográfico que o outro. A polícia? Olhava tudo de braços cruzados. Eu os culpo? Não. Não tem como sair para trabalhar ganhando merreca, sem colete à prova de balas, tendo que enfrentar um fuzil com um 38. Do mesmo jeito que médico cruza os braços e não opera quando não tem instrumento esterilizado ou um mínimo de infraestrutura, policial no Rio também tem o direito.

O mais engraçado é que muitos dos crimes foram cometidos por pessoas fantasiadas. Quando eu li a notícia que a polícia prendeu 150 palhaços fortemente armados e com granadas por arrastão no Centro da cidade, não consegui não rir. Realiza, a pessoa vai te assaltar, mas a caráter, né? Afinal, é carnaval. Bate-bolas (que para mim são mais assustadores que palhaços) também tocaram o terror em diversos bairros, alguns com armas, outros com facas, desferindo golpes mesmo contra quem entregava seus pertences. Aqui no Rio você tem mais do que motivos para ter medo de palhaços.

Não é aquela coisa de ter violência na periferia, de afetar quem é menos favorecido. É guerra civil na cidade toda. A atriz e madrinha de bateria Juliana Paes, que, dentro dos padrões nacionais, é uma celebridade de primeira linha, tomou um cano de arma na cabeça quando estava indo desfilar pela sua escola de samba, com muitos gritos e ameaças. Provavelmente só não morreu por ser quem ela é: causaria muita repercussão e fatalmente quem matou seria caçado. Teve que sair de um trauma desses e desfilar sambando e sorrindo. Então, não é setorizado, é todo mundo em risco, todo mundo em pânico.

Teve supermercado em bairro nobre sendo saqueado (para quem conhece, o auge do auge: um Zona Sul, supermercado top no Leblon, bairro top). Teve dezenas de vídeos compartilhados em redes sociais de assaltantes espancando as vítimas, algumas idosas, algumas com crianças de colo. Com a popularização dos vídeos caseiros, não é mais possível esconder o que está acontecendo.

Ainda assim, parece que tentam: pouco e nada se noticia sobre a barbárie, a guerra civil que aconteceu nesses últimos cinco dias no Rio. Eu poderia passar dez páginas narrando todo tipo de barbárie que aconteceu, mas está tudo registrado em vídeos espalhado pelas redes sociais. Divirtam-se. Não sei qual é a intenção da imprensa em esconder ou atenuar, mas está ficando feio isso.

Fora a violência, o carioca por si só já depreda a cidade. Mais de 600 pessoas autuadas por urinar em público. O metrô ficou completamente destruído, sujo e mijado. Neguinho conseguiu uma proeza que eu não julgava fisicamente possível: destruíram as dunas da praia. As fuckin’ dunas. Parece que a praia foi asfaltada! Fora a sujeira… Mais de meia tonelada de lixo nas ruas.

Aí, no final, na quarta-feira de cinzas, caiu um dilúvio do fim do mundo na porra do Rio de Janeiro e todo esse lixo entupiu o sistema de escoamento, transformando a cidade em uma grande Veneza cagada, matando 4 pessoas, ferindo um monte, desabrigando mais um monte e causando prejuízos a todo mundo.

Bom, a parte da promiscuidade eu nem me aprofundo, pois também está ricamente ilustrada em vídeos, como por exemplo o de um rapaz fazendo sexo oral em uma moça, na luz do dia, no meio de crianças e transeuntes. É isso que você vê quando sai no carnaval de rua do Rio: violência, promiscuidade e mijo. O carioca se importa? Não, ele continua amando o carnaval. Em troca de putaria ele suporta de boinha violência, sujeira e exposição da sua vida pessoal. Essa é a mentalidade dominante por aqui. Enquanto isso, Prefeito e Governador se mandaram do Rio.

E como o carioca se posiciona perante toda essa barbárie que aconteceu? Bom, provavelmente, estava muito bêbado para notar. Mas o carioca adora ter uma opinião sobre tudo, o que ele não gosta é de estudar para ter embasamento no que diz. É que seu achismo é foda, maravilhoso, brilhante, ele não precisa de estudo!

E esse achismo foi usado para enaltecer a escola de samba lacradora Paraiso do Tuiuti, a mesma que no ano passado matou e feriu gente por uma gambiarra irregular em um carro alegórico. Com enredinho lacrador, caiu nas graças dessa gentalha de cabelo colorido e sovaco peludo, de barba purpurinada e baseadinho no bolso.

Tá certo, tá certinho, a população que não quer ser sarrada por estranhos, ter um cano de arma colocado na cabeça ou os pés mijados ficou sitiada por cinco dias, mas o assunto da semana tem que ser o lacre de um evento e de uma escola bancada por bicheiros e traficantes. Continua assim, Rio, continua assim, com essa bela coerência de se comportar desta forma e eleger prefeito evangélico. Além de não existir vergonha na cara, não há um mínimo de coerência.

Os mesmos que depois vem mimizar com estatuto do desarmamento aplaudem festa bancada por aqueles que trazem armas ilegais para o crime. Os mesmos que vem mimizar com glitter que faz dodói no peixinho deixam meia tonelada de lixo na rua. Os mesmos que vem mimizar contra vazamento de sex tape que “destrói a vida da mulher” fazem sexo em público se expondo ou expondo a mulher a curiosos filmando e divulgando em redes sociais. Eu francamente já não sei mais se o carioca é hipócrita ou é burro.

Só para fechar, a grande moda deste carnaval foi homem de maiô na rua. Sem mais.

Para dizer que o do Rio ganhou do de São Paulo em danação, para dizer que está gostando dos temas escolhidos pelos Impopulares ou ainda para dizer que a próxima semana vai ser um cu: sally@desfavor.com

SOMIR

Quando Sally escreveu seu texto, a intervenção ainda não tinha sido anunciada. Mas, dá para entender claramente porque alguém pensaria numa intervenção depois do desastre que foi o carnaval carioca. Claro, tem todo um elemento “House of Cards” de pobre nessa história, com a intervenção servindo para distrair o público do fracasso da reforma da previdência e como uma tentativa desesperada de subir um pouco a popularidade de Temer.

E claro, tudo tende à polarização hoje em dia: as opiniões mais comuns sobre o tema são que o Rio vai ser salvo pelos militares OU que não tinha que fazer nada drástico na cidade. Ambas opiniões furadas. O Rio já foi ocupado por militares diversas outras vezes, com basicamente nenhum sucesso além de maquiar a cidade por alguns dias; e do jeito que está atualmente, não pode mais ser controlado pelo poder público sem alguma forma de ajuda externa considerável. O estado e a cidade estão desgovernados.

O meu ângulo original – antes de saber da notícia que ilustra as colunas de hoje – era sobre a visão do Rio de quem vê de fora. Sally está lá dentro, sitiada pela situação, assim como vários outros impopulares cariocas. Mas nós que vemos a situação do anêmico conforto de pelo menos não vivermos numa cidade como essa (o Brasil não fica tão melhor assim) temos a impressão que não faz nem sentido viver numa cidade como essa.

As notícias do dia a dia da violência e caos cariocas não chegam em profusão mesmo aqui, num estado vizinho como São Paulo. Eu mesmo só fico sabendo da maioria dos problemas pela visão da Sally. E tem algo de muito perverso nessa espécie de apagão de informações vindas do estado fluminense: de uma certa forma, é como se nós aqui de fora tivéssemos desistido do Rio. Eu fico preocupado por algumas pessoas queridas que calham de viver por lá, mas é como se a cidade tivesse sido perdida, ocupada pelo exército inimigo. Você não fica esperando nada de muito diferente.

Eu tenho plena consciência que é muito mais complicado do que isso, mas sabem qual a reação interna inicial e honesta de quem mora fora do Rio e vê notícias sobre os absurdos que acontecem por lá? “Por que caralhos você mora nessa cidade? Era totalmente previsível…”. Sei que vai vir gente dizer que a cidade é maravilhosa, que as pessoas são em média muito bacanas, que é inveja da concorrência, só que algumas das coisas que acontecem no Rio não são compatíveis com uma existência minimamente digna. Chega a ser uma forma de tortura viver com todas essas limitações de segurança e organização pública.

A vida não é só flores aqui fora, eu sei que estou falando do conforto de uma das regiões menos estragadas desse país, mas mesmo assim, a forma como o poder público Rio foi perdendo seu poder sobre a vida cotidiana da cidade é caso de emergência sim. A cidade parece gerida por alguns grupos fora da lei em pé de igualdade com os três poderes. É meio como não estar nem dentro de um país. O governo federal sentiu as pontadas da cobertura do caos carioca no carnaval e resolveu dar uma bravateada.

Mas exércitos são historicamente deficientes no dito processo de pacificação. Se Temer tivesse declarado guerra contra as facções e as milícias, talvez o treinamento dos soldados brasileiros fosse mais útil, mas se a ideia é garantir mais segurança para a população, percebem que como botar mais pessoas com fuzis dentro daquele caldeirão não parece uma proposta aceitável? Quem mora aí que decida e use as informações necessárias, mas pra quem vê de fora, parece que o único caminho de ação é admitir que o Rio caiu e tentar defender a cidade no estado atual é tentar tapar um buraco fundo demais.

O Rio acabou. O que não quer dizer que é para colocar um aviso nas bordas da cidade e jogar bombas lá dentro, e sim que seja o que for acontecer a partir de hoje, deve-se tratar como uma nova cidade, uma nova realidade. Porque para quem vê de fora, a cidade pode ser linda, pode ter pessoas muito queridas lá dentro, mas a cidade acabou. Quando você vê uma notícia de barbárie cometida por bandidos e a sua primeira reação é “porque essas pessoas ficam nessa cidade?” é porque acabou. Porque isso é reação que se tem com lugares que caem em guerras “oficiais”.

Se eu fosse o Temer, conferiria status de refugiados e algumas vantagens (no mínimo fiscais) para quem quisesse sair do Rio e se estabelecer em outra cidade. Devem ser mais úteis que venezuelanos e haitianos, afinal, já falam a língua (mesmo que com chiado). Colocar o exército na rua vai aumentar mais ainda a pressão sobre o sistema, sendo que parece que o mais óbvio é reduzir, é ir tirando gente da cidade até que as coisas pareçam mais controláveis.

Mas, como sabemos, a síndrome do Rio é poderosa, e assim que você realmente aperta um carioca sobre a INSANIDADE que é viver desse jeito, ele começa a procurar lados positivos. Sério, cariocas… saiam daí. A cidade caiu e nada do que está sendo feito vai resolver. Não tem tanque que faça décadas e décadas de completo descaso público serem desfeitos. A vida fora do Rio no Brasil ainda é bem merda, mas não é tudo ao mesmo tempo.

Para perguntar se pode se refugiar na minha casa, para dizer que só quer ver o tanque dando ré no morro, ou mesmo para dizer que as pessoas exageram e seu marido violento não te bate tanto assim: somir@desfavor.com


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