Gato de Schrödinger.

Fomos criados para pensar que algo é ou não é. Está ou não está. E sobretudo, para pensar que isso não depende da gente. Mas… e se depender? E se for a nossa observação que cria a realidade, em vez da nossa realidade criar a observação? E se as coisas puderem ser e não ser ao mesmo tempo? Como caralhos entender algo tão complexo? É simples. Desfavor Explica: Gato de Schrödinger.

O título é famoso, todo mundo já deve ter ouvido falar no Gato de Schrödinger e também na simplificação explicativa de “é um gato que pode estar morto ou vivo dentro de uma caixa”.

Mas o Gato de Schrödinger é muito mais do que isso, é uma forma muito boa de explicar inúmeras porralouquices que partículas/átomos são capazes de fazer. O Gato de Schrödinger é a resposta para aquela frase “quer que desenhe?”. Não sei vocês, mas em matéria de física quântica, eu sempre quero que desenhem, não é fácil entender algo tão complexo e abstrato.

A origem é conhecida: o físico austríaco Erwin Schrödinger criou, em 1935, um experimento para ilustrar o Princípio da Incerteza. É um experimento que pode ser feito apenas mentalmente, basta pensar nele para que você consiga entender de forma muito simples o que Schrödinger estava querendo apontar.

Não é como se ele tivesse enfiado um gato numa caixa e por isso descoberto alguma coisa. Então, cada vez que a gente falar do Gato de Schrödinger, estamos apenas “desenhando” algo que, em abstrato, seria muito mais complicado de entender. É um recurso didático.

Antes de mais nada, um pequeno parágrafo sobre o Princípio da Incerteza, proposto pelo físico Werner Heisenberg, que motivou Schrödinger a usar o exemplo do gato para tentar fornecer uma explicação mais fácil…

Simplificando de forma muito tosca, Heisenberg dizia que nada estava definido, tudo seria probabilidade. Ele alegava que partículas subatômicas (elétrons, por exemplo) podem estar em vários locais e girando em várias velocidades simultâneas ao mesmo tempo, mas, se um observador tenta medir onde e como elas estão, o observador as “força” a tomar uma única posição ou velocidade. Ou seja, a observação é capaz de definir a realidade em vez do contrário.

Heisenberg foi bastante esculachado por isso. A célebre frase de Einstein, “Deus não joga dados”, foi uma alfinetada para ele. Se existisse rede social na época, certeza de que Einstein teria postado “Tem gente que é louka acha que Deus joga dados” e marcado o coitado do Heisenberg. De fato, mais palatável e agradável pensar que vivemos em um mundo onde a coisa é ou não é, está ou não está. É um certo esforço mental pensar que algo pode ser e não ser ao mesmo tempo, estar e não estar concomitantemente.

Porém, uma série de estudos e experimentos nas últimas décadas aponta para a versão de Heisenberg, entre eles, o experimento da fenda dupla, sobre o qual já falamos aqui. Ao que parece, muitas vezes as coisas são e não são, estão e não estão. E para entender tamanha loucura, nada melhor que um gatinho em uma caixa ilustrando os devaneios dos átomos.

Então, dando uma moral para o Princípio da Incerteza e lidando com a hipótese de que ele talvez seja real, vale a pena conhecer o Gato de Schrödinger, exemplo tão bom e atemporal que ajuda a entender diversas outras “novidades” que vieram depois.

O experimento que Erwin Schrödinger propôs foi o seguinte: imagine que você coloca um gato dentro de uma caixa e esta caixa tem também 1) um recipiente com um único átomo radioativo 2) um medidor de radiação ligado a um martelo e 3) um frasco de veneno.

Se o medidor detectar que “a radiação vazou”, na verdade, que o átomo perdeu um elétron (papo técnico: decaiu), ele aciona o martelo, que por sua vez quebra o frasco de veneno matando o gato. (sim, parece aquelas armadilhas do Coringa para matar o Batman). Em uma partícula radioativa, o elétron pode estar perto do núcleo ou se afastar dele (decair, “vazando” a radiação), mas não é possível prever com exatidão quando isso vai acontecer.

Então, a probabilidade desse átomo perder ou não um elétron não pode ser calculada. Em algum momento, ele vai decair, mas não se sabe quando. Digamos que, na primeira hora, há 50% de chances de decaimento (e disparar o alarme que vai quebrar o frasco de veneno e matar o gato) e 50% de chances de não decair (e manter o frasco intacto, deixando o gato vivo).

A coisa fica ainda mais estranha se olharmos pelo olhar do Princípio da Incerteza. O que vai determinar a vida ou morte do gato é a posição desse elétron, certo? Pois é, por esta teoria, se não houver observador, a posição do elétron é múltipla e simultânea: ele está perto do núcleo (não decaiu) e longe do núcleo (decaiu) AO MESMO TEMPO. A posição definitiva só poderia ser precisada quando alguém o observasse, pois a observação obrigaria o elétron a se decidir por uma ou outra posição.

Então, para finalizar o experimento, a gente fecha a caixa. O fato de você fechar a caixa, não faz com que o gato deixe de existir, certo? Ele está lá, tudo está lá, apenas não está sendo observado. A partir do momento em que você fecha a caixa, você perde o controle sobre o que está acontecendo. Se não há observadores, o elétron está tanto perto do núcleo (ou seja, não decaiu, não acionou o esquema medidor + martelo + veneno) e longe do núcleo (ou seja, decaiu, acionou o esquema medidor + martelo + veneno).

É aí que reside o grande pulo do gato (turun tss!). Até abrir a caixa, não dá para saber, não por você não conseguir visualizar o gato, mas porque sem observador o elétron não vai se “decidir”, ele estará nas duas posições ao mesmo tempo. Assim, até segunda ordem, o gato de Schrödinger está vivo e morto ao mesmo tempo. Só quando se abre a caixa é que se força o elétron a “se decidir” e vemos o real resultado, ou seja nada acontece sem que a nossa observação interfira. Se é nossa observação que interfere, podemos dizer que, em certa medida, criamos realidade.

É um pensamento que gera estranhamento e, que fique bem claro, está longe de ser uma verdade absoluta comprovada e constatada. Porém, tem muitos estudos que apontam sim para esse caminho. Se a gente abraçar a ideia de que nossa observação é essencial e determinante para o decaimento do elétron, por simetria, este entendimento poderia ser levado até para coisas maiores. Até que ponto é nossa observação que impede ou acelera algum evento?

“Mas Sally, se eu colocar um gato com veneno em uma caixa, ele vai morrer mesmo sem que eu o observe, eu sei, eu já fiz”. Meu anjo, o Gato de Schrödinger é uma forma de ilustrar o que os elétrons fazem quando não tem ninguém olhando, não seja literal. Use o Gato de Schrödinger como uma comparação didática, nada mais.

“Mas Sally, para coisas maiores o efeito deve ser diferente”. Talvez sim, talvez não. Durante muito tempo se tolerou que partículas subatômicas de comportem como loucas, com a convicção de que, em corpos maiores, como por exemplo, um átomo inteiro, isso não aconteceria.

Porém, em 1996, os físicos americanos David Wineland e Chris Monroe conseguiram fazer um experimento que comprovava que um átomo pode sim ser completamente surtado, tendo um comportamento que não se esperava dele: um átomo é capaz de aparecer em dois lugares ao mesmo tempo.

Eles observaram um átomo balançando de um lado para o outro dentro de uma gaiola magnética, para tentar entender quais eram as probabilidades dele estar de um lado ou do outro. Só que o átomo acabou se mostrando em dois lugares ao mesmo tempo. Sim, ele estava, ao mesmo tempo em ambos os lados da gaiola. Os físicos checaram a posição dos átomos com um laser e conformaram: ele de fato o maldito estava em dois lugares ao mesmo tempo. Então, se portar de forma louca não é mais exclusividade de partículas subatômicas. Aceita que dói menos.

Diante desta informação, também poderíamos estender a didática do gato de Schrödinger para a seguinte interpretação: se houvessem duas caixas, uma com o gato, e a outra vazia, o gato poderia estar tanto em uma caixa como em outra, ou, quem sabe, em ambas ao mesmo tempo. Esse é o grau de absurdo do comportamento do átomo. Bizarro, porém comprovado. Hora de rever muitos conceitos.

Calma que piora. Pode acontecer de algo que não está lá reagir também, ou seja, continuando no exemplo do gato de Schrödinger, se houvessem duas caixas, uma na China e outra no Brasil e o veneno fosse disparado apenas na caixa do Brasil, o gato da China também morreria, mesmo que seu veneno continuasse lacradinho.

É o que o cientista da Universidade de Yale, Chen Wang, chama de “emaranhamento quântico” e a cientista brasileira Gabriela Barreto Lemos, da Universidade de Viena chama de “entrelaçamento quântico”: se você pega um fóton e divide em dois, por mais que você os separe, leve um para Salvador e o outro para Plutão, eles passarão o resto da vida ligados.

Isso mesmo, se você mexer em um, o outro também reagirá, não importa o quão distante ele esteja. Essa brincadeira fascinante foi publicada em detalhes pela revista Nature, para quem quiser ler um pouco mais (não tenho espaço para entrar em detalhes hoje). Todos os sistemas descritos pela mecânica quântica podem apresentar emaranhamento quântico, até mesmo dois elétrons, mas não se sabe até que ponto nós conseguimos ter essa percepção. Sim, eu sei, entrelaçamento quântico merece seu próprio texto.

Enfim, o Gato de Schrödinger é uma bela base concreta para tentar visualizar os devaneios de átomos e partículas, seus comportamentos bizarros que vão de encontro à nossa lógica e entender de uma forma que você consiga visualizar. Não é pelo gato, é pela perspectiva que ele gera, pela simplicidade que ele traz para questões muito complexas. Abracem o Gato de Schrödinger como base para entendimento de física quântica, porque a gente ainda vai suar ele muito por aqui.

Para dizer que isso não é tema para um feriado, para exigir um texto de humor para quinta ou ainda para dizer que o Gato de Schrödinger é crueldade animal: sally@desfavor.com

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