Cozinha lavada.

Hoje o desfavor vai para a cozinha, mas Sally e Somir não se decidem sobre o que fazer por lá. Os impopulares alimentam a discussão.

Tema de hoje: o que é melhor, cozinhar ou lavar louça?

SOMIR

O melhor é comer e não se preocupar com nada disso… mas, tendo que defender um dos lados, prefiro lavar. Não é uma tarefa divertida lavar louça, e muito por isso, uma que gera um resultado negativo ao ser terceirizada, ao contrário de cozinhar. Muita gente adora cozinhar, e eu agradeço pela existência dessas pessoas, mas pouca gente tem saco para lavar a louça deixada pela atividade. Quando você assume uma função menos desejável, garante um padrão de qualidade mais alto na vida.

Explico: cozinhar quase qualquer pessoa consegue, ainda mais hoje em dia com uma larga oferta de ingredientes em qualquer loja de esquina e com receitas e dicas praticamente infinitas nos meios de comunicação. E como o ser humano precisa comer várias vezes por dia, a oferta é imensa de pessoas e negócios focados nisso. Cozinhar bem é mais difícil, claro, mas o volume garante que você não sofrer tanto assim para encontrar pessoas com essa habilidade. Não quer cozinhar? Tem muita gente que vai adorar cozinhar por você, seja pelo prazer do ato, seja por um senso de responsabilidade com a alimentação, ou seja pelo lucro gerado pela cobrança no caso de um restaurante e/ou delivery.

Quando você não cozinha, tem várias opções não intrusivas na sua vida para saciar essa necessidade. Pode ter em casa alguém que saiba e goste de fazer isso, ou pode usar uma imensa estrutura disponível do mercado da culinária para comer fora ou pedir algo pronto. Agora, quando você não lava a louça, as opções são bem piores: como não há prazer imediato no ato, normalmente fica um jogo de empurra em casa para ver quem vai lidar com a pia suja, ou pior, você vai precisar pagar para um estranho entrar na sua casa e dar conta desse trabalho por você.

Quem não cozinha dificilmente gera uma situação ruim em casa, pois é muito fácil ter alguém complementando. Quem não lava, por sua vez, está sempre gerando algum atrito ou exigindo trabalho externo para resolver o problema. A solução ideal então é especializar-se no que menos gente gosta de fazer: quando você se posiciona como a pessoa que lava a louça, agrega valor na sua existência em casa e garante que o serviço vai ser bem feito. Gente que detesta lavar louça sempre esquece alguma coisa grudada na faca… o ser humano simplesmente não foi feito para atividades nas quais não encontra prazer imediato.

É muito maior que o dia a dia de uma cozinha: é uma dica para a vida em todos os sentidos. Se você achar uma atividade que pouca gente está disposta a fazer, a tendência é que tenha um “mercado” enorme atrás disso. Seres humanos são parecidos assim. Pessoas que lavam louça sem reclamar e fazem isso bem feito atraem pessoas que cozinham bem e geram na cabeça delas um senso de valor muito maior do que mais uma pessoa que acha que sabe cozinhar. E sim, você quer atrair uma pessoa que cozinha bem: é qualidade de vida.

Mas não é só sobre a relação com quem sabe cozinhar, é a questão da disponibilidade de tempo para cada tarefa. Quem cozinha sente-se pressionado para cozinhar várias vezes por dia, more sozinho ou acompanhado. Normalmente gera uma presunção de ação na casa, gerando a responsabilidade pela alimentação, seja pessoal ou familiar. Ser a pessoa que cozinha do casal presume que você vai ter que lidar com o preparo da refeição várias e várias vezes durante a semana, afinal, você se colocou nessa situação. E como o ser humano tende a ter fome mais ou menos em horários pré-definidos, é quase como um segundo emprego: tem hora pra bater seu ponto, o resto tendo que se adequar ao redor disso.

Você pode argumentar que não é escravo de ninguém, e eu concordo com isso, mas com uma ressalva: quem se coloca na posição de cozinhar e depois fica com preguiça de tocar a cozinha no dia a dia é meio escroto. Porque as outras pessoas ao redor de quem cozinha começam a contar com isso. Ninguém é obrigado a nada, mas não se coloque numa situação que não vai dar conta, é o mínimo que se pede.

Já quem lava coloca a atividade no seu cronograma pessoal e faz quando quiser. Normalmente basta fazer isso uma vez por dia na maioria das casas. Mesmo quando quem cozinha é que nem a Sally e suja três panelas e duas frigideiras para fazer um ovo frito (não me perguntem, eu também não sei como), uma casa normalmente tem equipamentos suficientes para apenas uma lavagem diária. Basta entregar a cozinha limpa antes de alguma das refeições e você deu conta do trabalho diário que te cabe. Seja lá o seu horário mais agradável para lidar com a tarefa, você pode usar. Não é ideal, mas dá até pra lavar louça enquanto tem alguém cozinhando.

Sem contar que dá pra fazer as coisas bem feitas quando você sabe a sua missão claramente. Quem cozinha e não precisa se preocupar com o quanto tem que lavar depois faz coisas muito melhores, e quem lava sem a imagem mental de sujar tudo em algumas horas capricha mais no processo. Há algo de muito agradável em “resetar” a cozinha e ver tudo limpo depois do trabalho que gera um momento de paz interior. Posso ser uma pessoa egoísta, admito, mas pra mim a pior parte de cozinhar é saber que vão destruir minhas criações em questão de minutos. Pelo menos quem lava a louça consegue um resultado mais duradouro com seu trabalho.

E como é uma atividade de baixo envolvimento intelectual, sobra capacidade de processamento cerebral para se dedicar a pensar sobre o que você bem entender. Quem cozinha precisa dedicar muita atenção imediata ao que está fazendo, desperdiçando precioso tempo de introspecção na vida. Lavar louça é quase que um estado meditativo, se você tiver essa inclinação.

Nada contra quem cozinha, quero essas pessoas por perto na minha vida, mas com certeza não quero ser uma delas. E num último argumento: muita gente acha que cozinha bem, pouca gente realmente o faz. É uma arte que exige muito conhecimento e experiência, uma habilidade que se tem ou não tem. Já lavar só exige coordenação motora básica e sabedoria para perceber a importância normalmente ignorada do ato. É mais fácil gerar valor lavando que cozinhando. Até porque você pode ser o melhor cozinheiro do mundo e colocar passas no arroz, fazendo com que te detestem do fundo da alma, mas se os pratos e talheres estiverem limpinhos mesmo, você mandou muito bem!

Para dizer que discutimos as coisas mais insanas, para dizer que eu não sou mais elitista (só com atividades puramente intelectuais), ou mesmo para dizer que prefere ser rico e nunca se preocupar com isso: somir@desfavor.com

SALLY

O que é melhor, cozinhar ou lavar?

Vamos colocar nossos eguinhos de molho hoje? Todos nós temos uma predileção pessoal por um dos dois. A raça humana se divide basicamente entre os que cozinham e os que lavam. Mas a proposta aqui é fazer uma análise racional dos prós e dos contras, não saber do que você, ser humano incrível e interessantíssimo, prefere.

Suponha que um alienígena veio à Terra e está tentando entender no que implica cozinhar ou lavar, você não teria coragem de explicar algo para um ser de outra galáxia com o argumento egóico de “eu gosto mais de tal coisa”, certo? Eu sei, eu sei, o tema não é profundo, mas é possível levar a sério coisas triviais. Sua preferência não é argumento válido, ok? Não mate a coluna.

Cozinhar é melhor do que lavar, em primeiro lugar, pelos benefícios direitos que gera. Tanto cozinhando quanto lavando se gasta tempo e energia. Porém cozinhando você decide o que vai comer, como vai comer e quando vai comer. Lavar louça não gera qualquer benefício direto: a louça estará lavada, de um jeito ou de outro, não importa pelas mãos de quem, e tanto faz para o resultado final. E se ninguém quiser lavar, você pode comer em pratos e talheres de plástico. Comida de plástico ninguém come.

Quem cozinha decide se come carne, peixe ou frango. Se come saudável, se come seu prato favorito, se come uma sobremesa ao final da refeição. Mais: quem cozinha impacta outras pessoas, que desfrutarão desta refeição. Servir comida cria vínculos, pode perguntar a qualquer antropólogo, sociólogo ou qualquer outro “ólogo” que você conheça.

Além disso, cozinhar tem uma quantidade de variáveis infinitas. Cada alimento pode ser preparado de inúmeras formas, não há monotonia. Você pode testar coisas novas, inventar pratos, misturar condimentos, o céu é o limite. Cozinhar é alquimia, é mágico pegar ingredientes e transformá-los cada dia em um prato.

Lavar louça é um ato mecânico que não dá margem para a mesma criatividade. Vai inovar como? Lavando a louca com pudim em vez de detergente? É aquilo ali e não tem muito o que fazer. E esta repetição maldita se sucederá dia após dia, até o final da sua vida. Não requer criatividade, inventividade, ousadia, feeling, não requer nada além de polegar opositor, pia, água e sabão.

Cozinhar te permite usar diferentes recursos: fogão, micro-ondas, fogueira, grill, churrasqueira, defumador e tudo mais que você queira ou possa comprar. Frigideira com óleo, chapa com manteiga, pedra de sal. Infinitas combinações, que podem gerar infinitos sabores. Todos os dias um desafio diferente, uma experiência diferente. E o resultado final dela gera um momento prazeroso para todos os que estão à sua volta, que vão saborear um prato gostoso.

E lavar louça? Vai variar como? Vai lavar na pia do banheiro? Vai usar o pano de chão em vez da esponja? É engessado, não tem o que melhorar, o que variar, como dar seu toque pessoal a aquilo. Tanto é que existe uma máquina para lavar os pratos, mas não existe uma máquina que escolha, tempere e prepare todos os ingredientes.

Sejamos práticos: quantos programas e realities de cozinha existem? Dezenas. Quantos programas onde os participantes se dedicam como meta principal a lavar louça existem? Suponho eu que zero. Porque simplesmente não é legal, não é interessante. Não tem um Master Louça ou Louça Boss, ninguém quer ver isso. Cozinhar é o evento principal, lavar louça é varrer o gramado do estádio após o show.

“Ain, mas Sally, eu não gosto de cozinhar, eu prefiro lavar louça”. Esqueceu do nosso combinadinho lá no começo do texto, né meu anjo? Você pode até não gostar de fazer, não saber fazer ou preferir lavar a louça, mas não pode negar que cozinhar é muito melhor, ainda que não seja sua escolha. Tanto é que milhões de pessoas que não cozinham assistem a esses Master Chef da vida. Eu não sei dar piruetas e assisto apresentações de ginástica artística, pois acho super legal. O que eu sei ou faço não tem relação com aquilo que eu acho mais legal.

Preparar uma comida é nutrir uma necessidade fisiológica. É algo de uma importância absurda, que foi banalizado e menosprezado por esse homo sapiens que tem tudo à disposição no supermercado. Comer é um momento importante do dia, ao qual as pessoas não dão a devida atenção. É momento de se reunir, conversar, experimentar novas sensações, novos sabores. É uma experiência sensorial.

O que tem de sublime e sensorial em lavar a louça? Cheirar para ver se o detergente é de maçã ou de limão? Porra, cozinhar é uma arte, lavar é um mal necessário. Existe faculdade de gastronomia, existe um nome para quem se dedica a cozinhar com excelência: Chef. Vê se tem faculdade para lavar louça. Vê se tem nome a pessoa que lava louça com máxima excelência. Gostando você ou não de cozinhar, admita, é muito mais legal do que lavar louça, por mais que não seja a sua praia.

Uma bela refeição deixa as pessoas mais felizes, mais saudáveis e muitas vezes até as ajuda a trabalhar ou a dormir melhor. Uma louça lavada faz o que? Nada. No máximo tranquiliza quem tem TOC com limpeza e dá importância demais a isso. Se você não lava a louça assim que acaba de comer e a deixa sem resíduos, de molho na água e sabão, o mundo não acaba. Agora, experimenta ficar sem comer quando estiver faminto…

Olha o mercado que existe para culinária: livros, panelas, condimentos e tantas outras coisas. Agora olha o mercado para “lavar louça”. Porra, tá na cara quem é mais legal, a quem as pessoas dedicam mais tempo, atenção e dinheiro. Mesmo que você seja uma pessoa rica que nem cozinha nem lava louça, não pode negar que cozinhar é muito mais legal. Tudo aponta para isso: desde programas de TV até os produtos que são desenvolvidos em torno da atividade.

Ao cozinhar você transforma uma coisa em outra, gera conforto e alegria para quem a compartilha com você e ainda nutre uma necessidade fisiológica e ainda tem o poder de ajudar na saúde de quem te cerca. Ao lavar louça você apenas desfaz uma sujeira. Não tem comparação.

Para dizer que só consegue sentir alívio por não ver um plantão da Fazenda, para dizer que quando cozinham para você é de fato muito divertido ou ainda para dizer que bom mesmo é dormir: sally@desfavor.com

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