Vazamento da Justiça.

Integrantes da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba ironizaram a morte da ex-primeira-dama Marisa Letícia e o luto do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT), conforme revelam mensagens de chats privados no aplicativo Telegram enviados por fonte anônima ao site The Intercept Brasil. LINK


E curiosamente, dias depois o STF achou um jeito anular as primeiras sentenças da Lava-Jato. Parece que a Pizza vai sair do forno a qualquer momento… desfavor da semana.

SALLY

Os representantes de um povo são o reflexo desse povo. Seja no Executivo, no Legislativo, no Judiciário ou até em um programa de auditório. É quase que uma consequência por amostragem, quanto mais uma característica se repete naquele lugar, maior as chances de que uma pessoa com essa característica ganhe voz.

Obter um cargo importante, ficar rico, ficar famoso ou qualquer outro fator externo não muda magicamente o que a pessoa é. Talvez em alguns países sérios exista um filtro para tentar só dar poder a pessoas com um mínimo de características éticas, mas sabemos que isso não acontece no Brasil. Aqui, dinheiro e poder não são sinônimos de ética e educação. Aliás, vou te dizer, geralmente… muito pelo contrário.

As pessoas têm, em seu imaginário, que um juiz, um promotor ou qualquer outra figura de autoridade e projeção é uma espécie de divindade, um semi-deus, uma pessoa superior aos outros. Projetam em famosos e poderosos todas as fantasias do que acreditam ser uma vida perfeita, uma pessoa perfeita. Só que não é essa a realidade. Famosos e poderosos são seres humanos com defeitos, fracassos e infelicidades que, geralmente espelham a sociedade onde vivem.

Qualquer pessoa com algum senso crítico sabe que o brasileiro não é conhecido por ser correto nem pela ética. Portanto, não se deve esperar nada diferente daqueles que possuem algum poder, fama ou projeção. Então, o primeiro ponto aqui é: infantil se surpreender que membros do alto escalão de qualquer lugar se comportem como brasileiros médios. Não há meritocracia, no Brasil não sobe na vida quem tem ética ou quem é correto.

O segundo ponto é que se cada um de nós fosse grampeado e tivesse suas conversas particulares expostas na imprensa, provavelmente todos desagradaríamos a boa parte da população, inclusive a quem paga nossos salários. Eu sinceramente não vi nada de extraordinário nas conversas, talvez uma piada ou comentário inapropriado, mas de longe algo a se recriminar. Se dito em uma sentença, em um parecer ou como pronunciamento oficial, aí sim seria incorreto. Mas, em uma conversa particular? Haja hipocrisia, hein? As pessoas têm o sagrado direito de pensar o que quiserem.

É como o cirurgião que quando a paciente sai do consultório vira para o colega e diz que não entende o motivo daquela baranga fazer plástica no nariz, já que vai continuar feia. É correto? Não muito, mas não faz dele um cirurgião ruim. Certamente o CRM não vai excluir ninguém de seus quadros por uma conversa que a pessoa teve com um colega onde esboçou uma opinião e, se o fizer, o Brasil vai ter que faz um programa Muito Mais Médicos, para importar médico do exterior, pois não vai sobrar um médico brasileiro em exercício.

É o modo de funcionar no Brasil: via de regra, as pessoas adoram falar mal e especular sobre tudo. Todo mundo tem opinião, todo mundo faz piada, todo mundo especula. Perdi a conta de quantas vezes vi juiz brincar que a esposa matou o marido, que o marido deveria ser corno, que a mulher fez filho só para arrancar pensão. É uma realidade. É uma realidade recorrente. É a regra. Se querem anular processos judiciais por isso, terão que anular todos.

Fora que, juridicamente falando, quem tem que ser imparcial é o juiz. O Ministério Público representa um lado bem definido: a acusação. Ele não é imparcial. Se ele entendeu que há indícios de que de fato o crime ocorreu e que foi aquela pessoa quem o cometeu, ele entra no processo com o objetivo de conseguir uma condenação. E não há qualquer problema nisso. Promotor ou Procurador podem ter suas opiniões pessoais sobre os acusados e podem expressá-las em conversas particulares, assim como você tem as suas opiniões sobre seus clientes, seu chefe, seus rivais no ambiente de trabalho.

Digo mais: eu sinceramente concordo com tudo que vi nessas conversas vazadas. Colocar a culpa da morte da esposa de Lula no processo é ridículo, a saída de Lula para ir a velório era complicada pela papagaiada que ele e o partido fazem, Lula usou sim a morte do neto para fazer palanque e se vitimizar. Posso ser insensível, mas acredito que quem critica estas falas não seria tão crítico se o alvo nas conversas fosse um político do qual desgosta. Se fosse o mesmo acontecendo com Bolsonaro, por exemplo, estariam rindo.

São seres humanos ali. É natural que fiquem putos da vida quando manuseiam centenas de provas que mostram o quanto os cofres públicos foram saqueados. Garanto que se você visse isso todos os dias, falaria mal dos que roubaram também. E que bom que temos o direito de expressar nossas opiniões, por mais impopulares que elas sejam, na vida privada, em casa, com a família ou com os colegas de trabalho, não?

Repito: ponham a mão na consciência e me digam o que aconteceria se suas piores conversas de WhatsApp fossem expostas no Jornal Nacional. Vocês são realmente melhores profissionais do que essas pessoas? Não teria nada, absolutamente nada, sobre seu ambiente de trabalho, seus clientes, seus chefes ou qualquer assunto relacionado que pudesse gerar desconforto?

O que te faz pensar que, na vida privada, um profissional não tem o direito de fazer um comentário maldoso sem que isso mine sua credibilidade? Todos nós fazemos e todos nós nos sentiríamos injustiçados se isso fosse usado para nos desacreditar profissionalmente. Uma coisa é você questionar o trabalho de alguém por uma conversa onde a pessoa diz que recebeu dinheiro para fazer tal coisa, outra é querer desacreditar alguém por sua opinião. Eles têm o sagrado direito a ter uma opinião sobre as pessoas que processam.

Isso está acontecendo por um motivo muito claro: o desejo de soltar quem está preso. Já que são culpados até a raiz dos cabelos e pelas vias comuns não tem chance de serem soltos, se apena para desacreditar quem os processou, por estes e outros meios. Diversas faces de uma mesma moeda nojenta de impunidade que assombra o país desde 1500.

Já saiu uma anulação de sentença de um dos corruptos por um motivo risível e já tem um movimento para tentar soltar o Lula com esse mesmo argumento. Seria lamentável se isso fosse feito por um motivo ridículo, como o argumento para anular a condenação do ex-Presidente da Petrobrás e do Banco do Brasil, em um processo recheado de provas contra ele, onde por uma questão de prazo (Moro decidiu escutar todo mundo junto, quando queriam que escute primeiro os delatores e depois os demais réus) todo um trabalho de anos foi anulado.

Já faz tempo que advogados muito bem pagos procuram desesperadamente por qualquer brecha para tentar anular tudo que foi feito pela Lava Jato. Independente de qualquer coisa dita por quem aceitou a delação premiada, as provas são irrefutáveis, pois esses idiotas são burros de matar e deixam até recibo de corrupção (às vezes, datado de 31 de fevereiro!). Para o saldo final do processo é indiferente se Fulano falou primeiro e Beltrano falou depois. Mas, para quem não tem argumentos, qualquer coisa serve.

Então, o texto de hoje é para criticar o falso moralismo que camufla uma tentativa desesperada por desfazer anos de trabalho no combate à corrupção bem como para deixar claro que existe um movimento para tentar desfazer isso a qualquer custo, apelando para forçação de barra técnica ou para a comoção pública. É o tipo de gente sem escrúpulos que vai continuar tentando até emplacar alguma coisa.

Não caia em nenhuma dessas ciladas. Nunca tanto dinheiro fruto de corrupção foi trazido de volta aos cofres públicos, independente das críticas que você tenha à Lava Jato, ela gera um benefício grande e sem precedentes para o país.

Para fazer deste texto algo político, para dizer que confia na tirania do Poket ou ainda para dizer que não quer mais saber desse assunto: sally@desfavor.com

SOMIR

Num mundo ideal, todas as pessoas com poder sobre você seriam perfeitamente imparciais. Conseguiriam analisar quaisquer situações baseadas apenas nos fatos apresentados e não trazer nenhum preconceito pessoal nas suas tomadas de decisão. Em tese esse é o objetivo não só do sistema Judiciário, mas como de todo o Estado. Mirar em algo assim tem a vantagem de ainda te deixar com um sistema bem justo mesmo quando as pessoas envolvidas cometem falhas.

Mas é óbvio que não existe um mundo ideal, não na prática. Não dá para confiar que pessoas em posições de poder não tenham uma bagagem pessoal de sentimentos e experiências. Somos falhos e tendenciosos por natureza. Justamente por isso que existem processos burocráticos obrigatórios quando o Estado lida com seus cidadãos. Se não dá para entrar na cabeça de um agente público e fazê-lo pensar de forma perfeitamente imparcial, que pelo menos ele seja obrigado a se conformar a regras e procedimentos. São coisas quantificáveis, que deixam rastros e podem ser analisadas por outras pessoas.

Um juiz não pode decidir punir uma pessoa por algo que não está definido como crime, não pode basear sua decisão no que acha que é certo e muito mais do que isso, não pode criar uma punição original porque acha mais justo (no Brasil, pelo menos). Existem diversas regras para seguir e toneladas de papel descrevendo cada uma delas. Se juízes, procuradores, promotores e policiais são falhos pela sua natureza humana, que pelo menos acertem e falhem de forma previsível segundo as regras que já existem.

E prevendo a natureza humana, existem diversas regras também sobre o que considerar nos agentes do Estado em relação às pessoas que vão investigar, julgar e punir: se é óbvio que o senso de imparcialidade vai ser comprometido, existem mecanismos legais para afastar pessoas tendenciosas de um processo legal. Um pai não deve julgar o filho, uma esposa não deve investigar o marido… tem muita gente pensando e estudando sobre isso há séculos, já chegamos num estágio onde o Estado consegue prever onde as coisas vão dar errado e ter regras para dar conta do problema.

Mas para tudo tem um limite: se fôssemos esperar encontrar um juiz ou investigador 100% imparciais sobre qualquer pessoa nesse mundo, talvez nenhum processo do Estado seguisse em frente. É óbvio que uma pessoa vai formar uma opinião sobre a outra dadas informações suficientes. No meio de um processo, um procurador pode desenvolver um considerável desgosto ou mesmo simpatia para com o acusado. Espera-se profissionalismo desse tipo de representante do Estado, mas também não ficamos dependendo somente disso: como já disse antes, existem regras. Tem que provar o crime e não pode ignorar evidências contrárias. Tem que dar chance de defesa, tem que partir do pressuposto de inocência…

Sim, é um sistema complexo e cheio de lugares onde as coisas podem dar errado, e é aqui que surge a maior crueldade desse sistema: ele pune desproporcionalmente os mais pobres e os mais ignorantes. São toneladas de papel descrevendo as regras, e só uma pequena elite brasileira é capaz de contratar as horas de trabalho e experiência necessárias para garantir o uso mais correto delas. O cidadão fica por sua capacidade de investimento contra possíveis erros do Estados. Quem tem muito conhecimento das leis ou pode pagar por quem tem acaba lidando com o Estado mais imparcial possível, quem não tem entra numa loteria desesperadora: torcer para que agentes públicos possivelmente incompetentes ou completamente atolados por montanhas de processos consigam atravessar a burocracia brasileira sem cometer nenhum erro terrível.

Digo tudo isso para estabelecer a seguinte ideia: as conversas vazadas denotam apenas que a força-tarefa da Lava-Jato é formada por seres humanos. Porque é exatamente assim que seres humanos agem: eles tem opiniões e por vezes falam coisas insensíveis. Não sei se você leu as conversas, mas para a média do que as pessoas falam em particular, esse pessoal é de uma educação incrível. Você está investigando talvez a maior quadrilha em volume de roubo de dinheiro público que o mundo já viu, é compreensível se sentir um tanto ofendido. A não ser que se espere de agentes públicos uma imparcialidade perfeita até mesmo dentro de suas mentes, não vimos nada demais. E outra: todo mundo sabe que não é para falar essas coisas em público. Não é curioso que esse vazamento de supostas pessoas que “só queriam destruir a esquerda” não sugira nenhuma estratégia ilegal ou opinião política explícita? Se eles são tão ruins assim e estavam falando sem medo de repercussão, só temos “provas” de que eles tinham opiniões sobre Lula, mais nada.

Todo mundo já sabia que pessoas agiam dessa forma, é justamente por isso que o sistema funciona da forma como estávamos vendo nos primeiros parágrafos deste texto. Na falta de uma solução mágica para a natureza humana, cria-se regras que protejam um senso básico de imparcialidade do Estado. E no caso dos investigados da Lava-Jato, é de uma ginástica mental inacreditável forçar a conclusão que essas regras não foram usadas. Lula, por exemplo, gastou milhões e milhões com o que de melhor podia encontrar em advogados, e explorou cada uma das brechas possíveis e imaginárias para tentar evitar sua condenação. Para o Zé das Couves, preso por roubar um quilo de feijão, eu realmente duvido que o processo seja ideal, mas para milionários com imenso poder político? Não fica mais justo do que isso. Porque para a turma investigada pelas pessoas que tiveram suas conversas vazadas, todos os mecanismos de proteção contra parcialidade do Estado estavam ativados e funcionando sem parar.

Qualquer distração da força-tarefa e esse povo escapa. Mas como dizia Capitão Nascimento: o sistema é foda. Essa sequência de vazamentos foi a solução dos corruptos presos para criar uma fraqueza momentânea na Lava-Jato e dar a brecha necessária para o STF atacar com tecnicalidades. Se valesse para todo mundo, eu até aceitaria esse grau de preciosismo com as regras, mas como obviamente só existe quando o réu tem milhões e você deve favores para ele, não parece mais questão de imparcialidade, parece?

Para me chamar de fascista, para dizer que corrupção é o que seu adversário faz, ou mesmo para dizer que de perto todo mundo é feio: somir@desfavor.com

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Comments (4)

  • Isso de pessoas “comemorando aniversário” de buracos nas ruas que nunca são tapados infelizmente não é novidade. Já aconteceu outras vezes e em muitas cidades, mas talvez sem tanto estardalhaço como no caso da notícia apresentada acima.

  • “Então, o texto de hoje é para criticar o falso moralismo que camufla uma tentativa desesperada por desfazer anos de trabalho no combate à corrupção”

    De acordo com o Antagonista, membros das áreas econômica e jurídica do governo se reuniram essa semana com Dias Toffoli para “discutir um posicionamento a ser enviado ao Gafi — grupo internacional que formula e fiscaliza o cumprimento de regras de prevenção e repressão à lavagem de dinheiro em todo o mundo. É dado como certo, inclusive no governo, que o Brasil será excluído do grupo, como resultado da decisão do próprio Toffoli de suspender investigações baseadas em dados do Coaf e da Receita Federal repassados ao Ministério Público sem autorização judicial”.

    País da Lava-Jato suspenso do grupo de trata da prevenção e repressão à lavagem de dinheiro em todo mundo? Aí já está superada a questão de anos de trabalho perdidos pelos anos de trabalho a serem perdidos, pois as consequências vão muito além do simbolismo…Mas, no fundo, até seria um alívio, pois o país será avaliado de qualquer forma por esse grupo a partir do ano que vem…ou seria, se a suspensão vier antes.

  • Se o Lula for solto pelas papagaiadas da operação pirotécnica de nome Lava Jato, vou achar é pouco.
    Ainda que corrupção e lavagem de dinheiro seja o arroz com feijão da política brasileira, o fato do bonito do Moro (que era um juiz que respondia por uma vara na quarta região) julgar um processo com um réu residente na terceira região e envolvendo uma transação pra lá de suspeita com um imóvel na terceira região pelo interesse político pessoal em cima da questão é motivo mais que suficiente para a suspeição do mesmo.
    As desmedidas coladas com cuspe foram desfiguradas no congresso e dou graças. Já basta o mundo cão dos Brasil Urgente e dos Cidade Alerta da vida.

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