Family best?
Family Guy (deve ter um nome cagado em português) é uma animação adulta criada por Seth MacFarlane que já tem dezenas de temporadas. Chamada de cópia dos Simpsons quando lançada, conseguiu criar seu próprio grupo de fãs, e entre eles, Sally e Somir. Mas ao escolher a melhor personagem da série, o roteiro não faz mais sentido.
Tema de hoje: qual a melhor personagem do desenho Family Guy?
SOMIR
Eu sou time Stewie. O elemento mais novo da família é um misto de gênio do mal, bicha afetada, psicopata e às vezes… um bebê. O desenho existe há muitos anos, já foi cancelado e revivido, já mudou várias vezes de time de roteiristas, já teve que se renovar várias vezes… então sua opinião sobre Stewie pode variar de acordo com quanto da série você já viu.
Eu não vi todos os episódios até hoje, pelo menos acho que não, mas vi o suficiente de cada uma das temporadas para acreditar que Stewie é a verdadeira linha guia de toda a história, pelo menos quando falamos de tom. No começo da série, estavam apenas brincando com a ideia de bebê falante que ninguém entende e subvertendo isso com o desejo constante da criança de assassinar a mãe. Não só a mãe não entende o bebê, como ele a odeia com todas as forças.
E no começo, Family Guy estava buscando seu lugar ao sol, tentando se diferenciar de Simpsons e South Park. O resto da série podia ser considerada a estrutura do desenho de Homer e cia. com o politicamente incorreto de Cartman e cia. Sim, o humor de Family Guy é o humor nonsense e aleatório de MacFarlane, mas quem quisesse colocar a sua série numa caixinha plagiadora, conseguiria.
Exceto por… Stewie. A piada sobre o bebê ser o mal encarnado sempre ajudou a série a ter o seu elemento único. Eu também gosto da escolha da Sally, mas é basicamente o avatar da Lisa Simpson na série. Stewie é o ser com o qual se comparam outros. Com o passar dos episódios e temporadas, ficou claro que o bebê precisava de mais coisas para fazer.
Foi aí que duas características quase que aleatórias dele foram tomando forma na personalidade: o sotaque britânico e a afetação. Devem ter achado hilário ter misturado o ímpeto psicopata com a frescura inglesa, mas isso permitiu que a personagem permitisse mais e mais possibilidades para a série.
Enquanto todas as outras personagens da série foram seguindo o caminho do exagero, Peter absolutamente retardado sendo o maior exemplo, Stewie ganhou uma nuance: não era mais apenas um ser maligno, foi se tornando uma criança insegura, egoísta, invejosa, arrogante… as maldades que ele vai fazendo com o passar dos anos vão se tornando mais emocionais do que físicas. A história de querer matar a mãe foi entrando em segundo plano, para virar uma relação de amor e ódio baseada no misto de dependência e desprezo que ele sente por ela.
Será que eu estou analisando demais uma série tão besteirol? Sim e não. Humor funciona muito melhor numa base mais sólida de emoções e situações. Essa relação super complexa dele com a mãe é o suporte perfeito para um corte absolutamente aleatório do Hitler fazendo malabarismo. Se a série não tivesse um pouco de profundidade, o senso de humor do autor não funcionaria.
Brian tem uma função importante nesse sentido, é claro: ele é politizado e tem mais cérebro que quase todo mundo na casa. Mas como o South Park ensina, você pode colocar política sem ter personagens politizadas. Brian é um gancho para os temas, assim como Lisa passou a ser nos Simpsons. O que Stewie traz para a série é um gancho emocional para as piadas que as outras simplesmente não tem.
Stewie tem coisas para esconder, como seus frequentes arroubos de homossexualidade, seus planos malignos, sua pose de autocontrole… as outras personagens já não têm mais inibições, já fazem o que querem sem nenhuma preocupação, fazem a piada porque a piada é engraçada. Mas quando Stewie está na cena, existe algo em jogo, nem que seja sua “superioridade”.
Os episódios dele podem para virtualmente qualquer direção, ele é um bebê sem responsabilidades, ele é um super gênio da tecnologia, ele tem uma enorme cultura para puxar temas mais eruditos… sem ele a série ficaria muito estagnada. Peter é o mais famoso porque ele tem os cortes mais nonsense, mas de humor dentro da lógica da série e das relações entre as personagens, Stewie faz muito mais como personagem.
Acho que até pelo fato de ser um bebê, coisa que vai e volta de acordo com as necessidades do roteiro, suas relações com os outros são mais… humanas. Justamente ele, que é elitista e despreza todo mundo como seres inferiores. Tem algo de mais engraçado quando ele se dá mal.
E no final das contas, é isso que dá o tempero do humor: humanidade. Sem o Stewie, o humor do autor seria só corte nonsense (que eu acho engraçado, mas enjoa) e não teria coisa boa para acompanhar no humor do roteiro. Até acho que é por isso que o Seth MacFarlane falha em outros projetos: falta uma âncora para ele construir as piadas ao redor.
O bebê ex-psicopata e atual fresco arrogante serve para isso. E, novamente, não é uma personagem dos Simpsons com outra roupa. Sempre um bônus.
Para dizer que nunca viu a série, para dizer o melhor é frango, ou mesmo para dizer que o velho pedófilo jamais poderia ser feito hoje em dia: somir@desfavor.com
SALLY
Qual é o melhor personagem do desenho “Family Guy”?
Brian, o cachorro.
Brian é o cachorro da família que protagoniza o seriado, mas, apesar de ser um cão, ele alterna comportamentos caninos com comportamentos humanos. Na maior parte do tempo, ele fala, pensa e até caminha como um ser humano.
O seriado, seguindo sua linha exagerada, nonsense e absurda, não explica nada: se em um momento ele está passeando de coleira e fazendo xixi em um poste, do nada Brian fica em duas patas, caminha, usa as patas dianteiras como mãos, fala e até dirige. Eventualmente ele volta para as quatro patas e se comporta como um cão novamente.
Todos os personagens são bons e o desenho é sensacional. Mas, na mistura de politicamente incorreto com nonsense doentio, o personagem que mais me agrada é o cachorro. E confesso que a nossa escolha de hoje é bastante peculiar, pois no modo de ser, eu sou muito mais Stewie e o Somir é muito mais Brian.
Na casa dos Griffin, local onde Brian mora, predomina um ambiente de ignorância, tosquice e desleixo. Ele é o único minimamente inteligente e seu humor é sarcástico, ele apenas observa as pessoas fazendo merda e joga um ou outro comentário passivo-agressivo. Ele não intervém, ele não se dá ao trabalho, ele sabe que aquelas pessoas são um caso perdido. Ele apenas julga e debocha.
Stewie é divertido, é pura agressividade, ódio e rancor, mas é um personagem com menos nuances. Sua vida se resume a falar desaforos, palavrões e ameaças para as pessoas da família e a tentar matar a sua mãe (sim, o desenho é nesse nível). Seus atos se tornam previsíveis depois de muito pouco tempo e, apesar de suas ofensas serem criativas e divertidas, ele se torna repetitivo.
Brian sempre tem algo novo a acrescentar, dentro do sarcasmo e péssimo humor no qual ele vive. A cara dele, por si só, já mostra que ele está de saco cheio do mundo. Não de uma forma impaciente ou revoltada, mas apenas sobrevivendo, conformado com o tanto de bosta que o cerca, de vez em quando debochando disso.
Mas, não se enganem: Brian não é um certinho, um sabe-tudo ou um chato. Brian tem seus podres, por exemplo, é um alcoólatra e sai com prostitutas (humanas). Sim, é um cachorro alcoólatra, ateu e que faz terapia. Já fez muita cagada e pisou na bola com a família, ele tem defeitos – e muitos. Porém, ao contrário do resto, ele tem consciência de certo e errado (apenas opta por não seguir).
É a mente sã que vê a família de fora, sem se misturar com suas loucuras (ele tem suas próprias loucuras). Se muitos seriados têm personagens que são “alívios cômicos”, trazendo tiradas engraçadas para aliviar a tensão excessiva, como era o caso de Hurley, no seriado Lost, Family Guy usa Brian como um “alívio civilizado”, um balizador das loucuras de todo o resto, mas sem ser moralista, apenas crítico.
Até na parte estética isso fica visível. Brian se diferencia da família: enquanto todo tem cores fortes, olhos esbugalhados e traços caricatos, ele é apenas um cão branco, discreto e de traços harmônicos. Ele é neutro, até na aparência. Talvez por isso seja o personagem que mais produtos vende associado ao seriado. Brian também foi eleito por vários críticos como o melhor cão-falante de desenhos (sim, isso é uma coisa).
Brian não caga regra, não tenta mudar ninguém, não tenta melhorar ninguém, não dá palestrinha. Ele não tem qualquer esperança nessa família, apenas assiste e comenta, é praticamente mais um espectador do seriado.
Quando ele revira os olhos ou solta um comentário ácido, o espectador já sabe que o bom-senso diz que aquela atitude ou situação não vai acabar bem. Brian pode ter seus defeitos, mas é o único são em uma casa repleta de malucos, megalomaníacos e idiotas.
Brian é um personagem possível, não no sentido de um cão ateu que faz terapia e sim no alcance dos seus sentimentos: uma personalidade de saco cheio, que desistiu dos idiotas que o cercam e apenas assiste a toda a danação.
Stewie é caricato demais. É um mix de psicopatia com uma mente distorcida. Até sua aparência é distorcida: sua cabeça em forma de bola de futebol americano (que nenhuma outra pessoa da família tem) chama a atenção. Ele é torto, é doentio, é excessivo. Personagem adorável, mas over de vez em quando.
Fora que Stewie quase nunca é bem-sucedido em seus projetos e incursões, portanto, é um personagem que não evoluí. Brian, ao contrário, costuma ser muito bem-sucedido em apenas olhar, perder a esperança na humanidade e comentar. Ele acaba evoluindo bastante no seriado.
Descobre sobre sua infância, abandono, tenta carreiras novas, faz terapia, compreende a origem de muitos de seus atos e fragilidades. Talvez seja o único personagem do desenho que de fato tenha mais de uma camada. O que não quer dizer que ele perca sua essência: continua sendo um “de saco cheio de tudo e todos” que dedica sua vida a assistir a imbecilidade humana.
Para minha surpresa, pesquisando, descobri que o personagem favorito da maior parte das pessoas que assiste a Family Guy é Peter Griffin, o pai da família, um Homer Simpson muito mais tóxico e perigoso, o mais idiota de toda a família. Paciência… cada um se identifica com quem pode.
Para dizer que o melhor personagem é o Quagmire, para dizer que eu deveria me identificar com a Lois ou ainda para dizer que o melhor é o policial cadeirante com a esposa eternamente grávida: sally@desfavor.com.br
Etiquetas: family guy, séries
Anubian
Eu acho irônico como Family Guy foi recebido como um “clone sem alma” dos Simpsons quando hoje, Family Guy continua relativamente divertido (apesar do Quagmire castrado) enquanto Os Simpsons se tornou algo análogo a um funcionário público que se aposentou com um salário estratosférico, teve um AVC e é mantido vivo em estado vegetativo pela família para que a aposentadoria continue a cair na conta.
Sally
Family Guy tem uma estética parecida com Simpsons, mas no roteiro eu sempre achei completamente diferente: é sem limites, sem noção, ofensivo ao extremo.
Anônimo
Seu tipo de humor preferido, né? E quanto às séries derivadas “American Dad!” e “The Cleveland Show”?
Sally
Nunca vi. Verei!
Caio Revela Ser O Bolsonaro Balofo da Era POC
Não posso dar minha opinião quanto ao The Cleveland Show, mas posso dizer que American Dad superexplora o coringa ET e subexplora a tensão familiar, que poderia render muito mais se não tivessem jogado a garota pós-adolescente dentro do estereótipo de heterossexual com um parceiro mais ou menos fixo a despeito de ainda viver na casa dos pais e o casal gay como os vizinhos da frente.
Tá tudo bem que esse desenho é da era pré-lacre, mas a tensão política entre a filha “progressista” e o pai “conservador” poderia ser bem mais explorada.
Anônimo
Hoje em dia pode ser arriscado fazer certas piadas, mesmo pra desenhos “transgressores”.
Anônimo
Muito legal sua analogia, Anubian.
W.O.J.
Eu assisto esse desenho de vez em quando, até acho alguns momentos engraçados, mas não o considero como um dos meus favoritos. Por outro lado, pude me identificar – ainda que apenas parcialmente – com a descrição da personalidade do Brian que a Sally fez: assim como esse cachorro branco da animação, eu também me sinto muitas vezes de saco cheio de tudo e de todos e já nem tento mais interferir porque sei que estou cercado de casos perdidos. Em tempo: “Family Guy” já foi exibido em canais abertos – na madrugadas da Globo, se bem me lembro – com o título “Uma Família da Pesada”.
F5
Sim, era naquela faixa de horário de lá mesmo.
Sim também, era com este título.
Anônimo
Traduzir/adaptar títulos de conteúdos audiovisuais estrangeiros de forma tosca e avacalhada é especialidade do brasileiro.