Nem prendendo…

A gravação da reunião ministerial com teor golpista, que ajudou a embasar a operação da PF contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados, foi gravada pelo ex-ajudante de ordens Mauro Cid. Ao longo de 1 hora e 33 minutos, o presidente dividiu com seus ministros a preocupação com a corrida eleitoral. LINK


A tosquice golpista de Bolsonaro e sua turma são desfavores óbvios, mas a gente está mais preocupado com a repercussão política disso, ou… a falta dela. Desfavor da Semana.

SALLY

Tenho a total certeza de que vocês estão cientes do escândalo envolvendo o pessoal do Bolsonaro e os Militares que explodiu essa semana, pois está sendo exaustivamente noticiado e esmiuçado. Por isso, nem vou de dar ao trabalho de resumir o caso, vamos direto ao assunto.

Também me permito pular a parte em que pessoas emocionadas forçam uma barra para alimentar sua narrativa dramática de que a democracia brasileira esteve realmente ameaçada. Quem ainda não entendeu que a real intenção de fazer algo não significa necessariamente a real capacidade de fazer algo está fora do alcance da minha mão. Continuem sofrendo, vocês parecem gostar.

Então, em vez de falar sobre tudo isso, quero falar sobre algo que quase ninguém está falando, pois ofende a todos: já repararam como as coisas se repetem no Brasil e como o gado de esquerda e o gado de direita são cada vez mais parecidos?

A militância de esquerda acredita ser o oposto, o contraponto, o inverso da de direita. A de direita, acredita ser o oposto da de esquerda. Em essência, são a mesma merda. Mas ninguém vai falar isso, pois juntos, eles correspondem a mais da metade do público leitor, portanto, quem o fizer, perde uma massa enorme de leitores. Como aqui não dependemos de visualizações ou cliques para existir, vamos abraçar esse tema.

Assim como a militância de esquerda não parou de defender ou de votar no Lula mesmo depois dele ser preso, condenado e de vazarem centenas de provas contra eles (testemunhais e documentais), a militância bolsonarista segue o mesmo caminho de tapar os ouvidos e cantar “lá lá lá lá lá” com crianças. Só que em vez de cantar “lá lá lá lá” eles repetem o mantra que a esquerda já consagrou: é tudo mentira, é perseguição política.

Em ambos os casos, Lula e Bolsonaro, temos provas robustas de crimes cometidos (fora os crimes que acabaram nem sendo imputados). Mas, em ambos os casos, a militância acredita que o seu político de estimação é completamente inocente, que armaram para ele, que foi uma conspiração. E também acreditam que, quando falamos das acusações sobre o político de oposição, ele é 100% culpado e uma ameaça ao país.

O militante bolsonarista passou anos dizendo o absurdo que é o povo “votar em um presidiário”. Pois, adivinha só? Muito em breve o Mito pode ser preso e eu te garanto que se um dia ele se candidatar, o gado de direita vota nele. Só é absurdo votar em presidiário quando eu não gosto do presidiário, pois quando eu gosto, a prisão foi injusta e eu a desconsidero.

Parece que essas pessoas não conhecem o país em que vivem. Vocês têm ideia do tanto de merda que um político tem que fazer para chegar a ser preso no Brasil? Precisa ser uma avalanche de merda, um dilúvio de merda, um tsunami de merda. Ainda assim, nem prendendo as pessoas param de votar em filho da puta. Parabéns, Brasil!

O gado de esquerda já emplacou a narrativa de que Lula foi inocentado, quando isso não é verdade e já foi explicado exaustivamente aqui e por diversos juristas renomados. É questão de tempo para que o gado de direita emplaque a mesma narrativa. Se Bolsonaro não for preso nas próximas semana já vai começar a conversa de que “não encontraram provas”. Mesmo os energúmenos tendo gravado reunião, mesmo o quadrúpede tendo assinado minuta, mesmo os imbecilóides acreditando que dá para apagar arquivo de uma forma que a polícia não recupere.

O que nos leva a outro ponto: estão comemorando o quê? Sério mesmo, quem está comemorando, não entendeu porra nenhuma.

Primeiro que já vimos que no Brasil atual, condenado pode ser rapidamente descondenado e reeleito. Não estou entendendo a militância de esquerda comemorando e dizendo que “é o fim da era bolsonarista”. Quão burro tem que ser para confiar na segurança jurídica do Brasil? Depois fazem cara de Pikachu Surpreso quando o mesmo acontecer com o Bolsonaro.

Segundo que já se sabe que quanto mais se bate no Bolsonaro, mais ele cresce. Tudo que estão batendo agora vai ser devolvido em impulso para o discurso de perseguição e vitimização, se de alguma forma ele conseguir reverter isso em algum momento. Sua comemoração, sua porrada, sua festa, só dá forças para a militância dele se unir e querer dar a volta por cima.

“Mas Sally então quer dizer que não tem que prender só para não dar argumento para a militância?”. Não, Pessoa Quer Dizer, não quer dizer isso não. É perfeitamente possível prender e punir sem promover. Estão falando no Bolsonaro o tempo todo, quem mais diz odiá-lo, não o tira da boca. Não é possível que depois de tudo que já viveu o brasileiro não tenha aprendido nada. Não é possível que não consigam deixar esse cara morrer na escuridão e anonimato. Parem de falar dele, caralho. Deixa ser preso e esquecerem que ele existe!

Mas, não vai acontecer. Para nenhum dos lados, pois um lado precisa do outro para existir. Um lado precisa de um antagonista, de um vilão, de um contraponto para se dizer bonzinho, mocinho, salvador da pátria.

Assim, essas duas bostas ficam se retroalimentando e o Brasil fica dividido escolhendo entre bandido e ex-presidiário 1 e bandido e ex-presidiário 2. “Ain o povo é burro”. Sim, mas não é só isso. O brasileiro, mais do que burro, é, em sua maioria, desonesto, portanto, não se choca que o seu político de estimação tenha infringido a lei para se dar bem. Muito pelo contrário, até o admira e o acha esperto por isso.

Ambos os lados são a mesma merda, com alegorias diferentes. Vale tanto para político como para paquita de político. Talvez a alegoria de um dos lados te seja menos repulsiva, mas não se engane: em essência são a mesma coisa. E falando sobre eles sem parar, você só os promove.

Não adianta chamar Bolsonaro e os seus de “burros” do alto de uma pretensa intelectualidade e ser igualmente burro de continuar falando nele, dando ânimo para a militância dele e acreditando que no Brasil condenação é uma coisa séria.

Para dizer que foi tudo armado, para dizer que agora o bolsonarismo morreu ou ainda para dizer que o desfavor da semana era o carnaval: comente.

SOMIR

Faz diferença quem é ou o que faz o candidato na política brasileira? Eu estou entendendo que não faz, não mais. Veja bem, que não fazia diferença a plataforma política ou os planos de cada candidato para exercer sua função eu já sabia que não mudava muita coisa. Considerando que ninguém vai ler seu plano de governo ou suas propostas mesmo, pode escrever o que quiser e ter o mesmo resultado que teria caso apresentasse um livro de receitas.

Agora, o que eu enxergo como algo do nosso tempo recente é a dissociação total entre a pessoa que se candidata e a imagem que o público enxerga nela. Chamo isso de internalização do candidato, na falta de um termo técnico mais preciso: Lulas e Bolsonaros não existem fora da mente da pessoa, eles são avatares, meio que como personagens jogáveis no videogame.

No caso da primeira eleição presidencial de Bolsonaro, isso foi claríssimo: ele era o candidato “contra tudo isso aí”, representando interesses dos mais diversos do povo brasileiro. E com o atentado que sofreu, ainda teve a chance de ficar mais quieto do que de costume, fortalecendo esse ponto positivo de se moldar aos desejos de quem quisesse se projetar nele.

Com o governo em ação, foi um festival de decepções. Nós escrevemos sobre isso várias vezes, que se você prestasse o mínimo de atenção em Bolsonaro, ele era aquilo mesmo: alguém que não gostava de trabalhar e no fundo tinha apenas vontade de mandar nos outros e tirar vantagens para sua turma. Um parasita profissional do Estado.

O vídeo que foi disponibilizado recentemente é mais prova disso, trabalhar que é bom ele não gostava não… fazia reunião com ministros para falar de coisas que o interessavam pessoalmente, deixando o país na mão do Legislativo, igualmente fisiológico, mas mais esforçado para acumular dinheiro e poder enquanto tinha a senha da conta do banco do país.

Bolsonaro estava feliz torrando dinheiro de cartão corporativo e fazendo pé-de-meia com joias dadas por árabes. O resto era muito chato, ou possivelmente complicado demais para seu Q.I. de ostra. Não é à toa que durante a pandemia ele não queria nenhum esforço extra, ouviu que tinha um remédio mágico que resolveria tudo e foi com isso até o final, porque é claro que o preguiçoso faz isso, escolhe o caminho fácil doa a quem doer.

E mesmo depois disso, quase ganhou a eleição. Seu adversário era um ex-presidiário que estava na cabeça de provavelmente o maior esquema de corrupção (em valores) da história. Não só a história do Brasil como a do mundo, por sinal. Um incompetente preguiçoso perdeu por pouco de um corrupto que não foi inocentado, mas que conseguiu sair da cadeia por burrice e ganância da equipe que o investigou.

O brasileiro não escolheu entre Bolsonaro e Lula, o brasileiro escolheu entre quem o representava mais a cada momento. O candidato era apenas um espaço vazio onde projetou seus interesses, eles pareciam não ter história, não ter opiniões, não terem planos… e pelo andar das coisas, esse é o novo meta do jogo político.

O Desfavor da Semana é que mesmo que Bolsonaro acabe preso, achamos que isso não vai causar nenhum dano permanente na sua imagem. Como ele não é uma pessoa, é uma “ideia” de boa parte da população, é fácil acreditar que é tudo perseguição política, ou até pior, que ele foi preso porque queria fazer o melhor para o Brasil (no caso, dar o golpe de Estado).

A legislação brasileira impede pessoas presas de participarem de eleições, tem a lei da Ficha Limpa que tira seu nome da disputa por um determinado número de anos, mas são bloqueios que não impediram a viabilidade política do atual presidente em exercício! Lula foi para a cadeia, ficou lá um bom tempo, não foi inocentado… e voltou como se nada.

Voltou como um avatar de uma parcela radicalizada e como líder populista pai dos pobres para quem votava nele de qualquer jeito. Voltou como alguém “contra tudo isso aí” do governo Bolsonaro. Lula era o candidato do amor, da tolerância, da justiça social, da democracia… e sabemos que a pessoa de verdade vive dando motivos para desconfiar desse alinhamento. Mas assim como a inutilidade de Bolsonaro não cola nele, a personalidade real de Lula não faz mais diferença.

A pessoa vota na construção mental dela, a pessoa representada pelo número na urna eletrônica é apenas uma manifestação temporária disso. A minha preocupação é com a ideia de que toda a complexidade da escolha do representante político se desfaça de vez, que a realidade se descole da idealização e que a disputa eleitoral seja ainda mais superficial que o concurso de popularidade atual. Vai ser um concurso de Miss Brasil onde nem a “personalidade” conta pontos. Só vai ser quem fica mais bonito com o vestido da ideologia política da pessoa e quem fica mais atraente com o maiô dos desejos inconfessáveis do eleitor.

Eleições deveriam no mínimo dar uma direção para um país. Somos todos imperfeitos e erros são parte do processo, mas quando o candidato está internalizado, não importa quem ele é ou o que faz… e aí vamos ver uma marcha rumo ao fisiologismo descarado: se o povo não liga para o que a pessoa faz quando está no poder e escolhe não ver quem ela é de verdade, não precisa fazer nada além de ganhar dinheiro e ajudar os comparsas quando for eleito.

Se não for o seu avatar, você é contra; se for, você ignora os problemas. A pessoa se coloca tanto no candidato que o que ele faz ou deixa de fazer vira seu problema pessoal. E todos nós somos inocentes que só queremos fazer o bem, né?

Bom, os avatares devem estar de volta em 2026. Se um ou outro estiver impossibilitado de concorrer, é só escolher outro boneco para continuar o jogo do mesmo jeito.

Para dizer que é claro que o brasileiro só vota nele, para dizer que seu peido não fede, ou mesmo para dizer daria no mesmo colocar a vencedora do Miss Bumbum no cargo de presidente (provavelmente): comente.

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