Putaria com fins lucrativos.

Já perceberam que os filmes mais populares dos últimos tempos quase não tem mais cenas de sexo ou nudez? Aliás, mal tem cenas de romance. Isso, segundo os grandes estúdios, tem relação direta com os gostos da geração Z, que parece não gostar de ver esse tipo de material em seus filmes. Estaríamos diante de uma geração mais conservadora?

Se você acompanha a mesma internet que os jovens, vai perceber que não é o caso. O ser humano continua muito interessado em sacanagem. Ainda mais numa geração que tem muito menos preconceitos sobre papeis e orientações sexuais. Tem putaria hetero, homo, bi e todos as combinações possíveis. Então como é que ao mesmo tempo partem do princípio de que o público jovem vai reagir mal a ver nudez e sexualidade nos seus filmes?

A minha teoria é que estão colocando na conta dessa geração um outro processo muito mais pervasivo: a profissionalização da sacanagem. O carnaval provou que houve uma mudança no tipo de safadeza disponível para a população, pelo menos na grande mídia. Décadas atrás, eram comuns as transmissões proibidonas de bailes de carnaval, que aconteciam nas madrugadas borrando a linha entre jornalismo e conteúdo erótico. Até mesmo os desfiles de escolas de samba eram mais explícitos.

Ao mesmo tempo que vivemos numa era de estímulo sexual constante, o paradigma da mídia se tornou muito mais puritano. Tinha peito de fora em propaganda do Jornal Nacional nem tanto tempo atrás… e posso ir até mais longe: no tempo que eu cresci, nem imagem de criança pelada era considerado algo errado. Era algo engraçado. E não é juízo de valor, o mundo muda e pronto, mas enquanto você analisa as mudanças, percebe também o que vem no pacote dessa mudança.

O que eu enxergo de nefasto nesse processo é como nudez e sexualidade estão se tornando negócios puros. Lembra da figura da vadia do carnaval? Aquela mulher que aparecia pelada porque queria aparecer e pronto? Agora quando você vê alguma dessas baixarias, sabe que ela está só fazendo propaganda do Onlyfans (ou similares) dela. A putaria não vem mais do coração, é marketing.

Estamos vendo uma compartimentalização da sexualidade humana: existe a vida normal e existe a vida sexual. Não é mais a mesma coisa, é o seu perfil do Linkedin e o seu perfil do Tinder. O zoomer que já nasceu nesse ambiente provavelmente acha muito estranho ver as coisas misturadas. Se ele está vendo um filme, é porque escolheu não ver os infinitos conteúdos de safadeza que estão sempre disponíveis para ele pela internet.

E as novas gerações são sempre a fronte da guerra cultural, eles que estão diante das mudanças sentindo os maiores impactos. Quando começamos a separar as coisas, eles aprenderam que o mundo funciona assim. E chegando à vida adulta, eles vão estabelecer as regras dessa forma. A mídia percebeu isso e está mantendo as coisas bem mais separadas. Já perceberam que se o filme ou a série não é explicitamente sobre sexo ou romance, não tem quase mais cena representando essa parte da vida?

É como se tivéssemos que ser avisados com antecedência sobre o conteúdo para levar a personalidade certa para o evento. E nem estou dizendo que o certo era ter cena de chuveiro em todo filme só para cumprir a cota de mulher pelada, muita gente foi explorada nessa era da mídia e não é exatamente esse o problema.

O problema é que esses compartimentos mercantilizam demais o sexo. Não pode mais ser uma coisa que “vem de graça” no pacote normal da vida, tem que ser algo a parte, um tipo de serviço extra. É nesse espaço mental que vemos uma explosão de criadores de conteúdo erótico/pornográfico, reforçando a ideia de que não é normal, que não é parte da vida e que precisa ser consumido à parte.

Profissionalização transforma o normal em serviço, e serviço quase sempre vem com um custo extra. E como não existe isso de separar perfeitamente sexo de sentimento, adivinha o que começa a ser cobrado à parte também? Não é à toa que estamos vendo as gerações que menos fazem sexo. Por um lado, fico feliz que a população tende a diminuir; mas por outro isso deve estar criando uma neurose nas pessoas que ainda nem deve ter se manifestado totalmente.

Não sei quão vantajosa é essa liberação sexual moderna de orientações e papeis sexuais se as pessoas vão começar a achar que precisam pagar para ter esse tipo de afeto. Você acha que é uma boa ideia que a pessoa se coloque no papel de cliente ou fornecedor em algo tão carregado de emoções como sexualidade? Mulher independente assexuada no filme e mil mulheres se vendendo como prostitutas virtuais na rede social?

Eu não sei como os mais jovens se sentem a esse respeito, mas eu acho uma desconexão muito estranha. É de graça e uma parte da vida. O que é emocional se paga de forma emocional, não financeira. O perfil do Linkedin e do Tinder são da mesma pessoa, presume-se noção ao lidar com cada uma das redes, mas não que você seja duas pessoas diferentes. Não que você tenha que trocar de personalidade ao lidar com uma das diversas partes da sua vida.

E é aí que eu sinto falta genuína da putaria amadora do carnaval ou da safadeza descarada de tempos antigos, pelo menos na grande mídia. Não pelo apelo, porque em 2024 nenhum ser humano consegue sequer arranhar a quantidade de putaria disponível para o consumo, mas pela mensagem de que era algo dentro da vida cotidiana. Cada vez que um jovem aprende que existe uma barreira entre sexualidade e normalidade, é mais uma pessoa que pode começar a ficar ansiosa e neurótica com a parte mais instintiva da vida.

Se o problema é não conseguir sexo ou não saber mais o que fazer com tanto sexo não importa, o que importa é que vira um bicho de sete cabeças quando não era para ser nada mais complicado do que “eu gosto de peitos”. Porque é só isso, só um pedaço normal da vida de todo mundo. A mulher que mostrava os peitos no carnaval pelo simples prazer de mostrar os peitos passava uma mensagem muito mais saudável para o mundo do que a que está tentando vender assinaturas do seu serviço de pornografia pessoal. As coisas não ficavam separadas, não tinha custo extra.

E aí, o mundo parece que só oferece duas opções: puritanismo ou prostituição. Não precisa pensar muito para perceber que a felicidade não vai estar em nenhuma dessas áreas. Rejeitar sexualidade é rejeitar um impulso natural, comercializar sexualidade é subverter o sentimento. A maioria das pessoas não assexual ou viciada em sexo, não faz o menor sentido querer se colocar nesses papeis o tempo todo e ficar trocando de acordo com o momento. Somos muito tarados para fingir assexualidade e muito românticos para fingir que só queremos sexo.

Não surpreende que tanta gente comece a perder as estribeiras e ir para caminhos bizarros como “achar” que é transexual (quem é sabe e sabe com força) ou se perder em ideologias machistas ou feministas como se fossem sua personalidade. Sem contar as hordas de homens e mulheres traumatizados com incapacidade de formar relações amorosas. Tem algo aí nessa divisão desnecessária entre personalidade cotidiana e personalidade sexual.

E a forma como sexo se torna um negócio muito especializado tem relação com isso. Nenhum sexo na mídia de massa e sexo demais na mídia especializada causam confusão. Os zoomers são o canário da mina, sufocando com o excesso de comercialização do sexo e ficando mais e mais confusos sobre os sentimentos que sempre acompanham essa parte da nossa vida.

É muito menos complicado do que uma questão insolúvel de poder como se faz parecer, não é sobre ser empoderada pensando como prostituta ou sobre se arrepender pelos pecados dos seus ancestrais sendo um frouxo, é sobre um equilíbrio que nossa saúde mental pede desde que somos… gente.

O mundo onde mulher usa adesivo para cobrir mamilo no carnaval é um mundo doente. Porque ainda existe carnaval e porque nem isso fazem de coração.

Para dizer que eu sou um tarado (sim e não), para dizer que eu sou um puritano (sim e não), ou mesmo para dizer que eu só estou ficando velho (sim e não): comente.

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Comments (10)

  • Outra perspectiva é que com a oferta generalizada de pornografia, sexo deixou de ser um atrativo ou diferencial para tramas e produções audiovisuais. Oferta e procura. O fato é que “sex is overrated”, é um troço bom e importante mas não é tããão bom nem importante assim. Como agora liberou geral, outras coisas passaram a pesar mais no interesse do público, e com a profissionalização da produção cultural e a massificação, personagens, efeitos especiais, universos, entre outros aspectos, tomaram conta do negócio.

    Enfim, esse é apenas uma hipótese maluca que me veio à cabeça lendo o seu texto. O quanto isso vai ser um problema? Na cultura ocidental acho que vai ser menos pior que nas culturas orientais.

  • É porque atualmente a gente tem acesso gratuito a putarias que antigamente não tinha, então tirava casquinha nos filmes. Agora como temos tudo à vontade, podemos nos dar ao luxo de separar. Putaria é putaria e filme é filme, sem misturar.

  • O retorno da pretensão das mulheres de obrigar os homens a pagar as contas nos encontros é um sintoma do processo. Surpreendentemente, depois ficam ofendidas quando os homens acham que podem comprá-las. Hipocrisia, sempre.

    • Que mulheres? As que você se aproxima não correspondem a todas as mulheres do mundo.
      O fato de aparecerem mulheres assim para você é um sintoma sobre VOCÊ, não sobre as mulheres.
      Novamente: não tem nada fora, é tudo dentro. Tudo que acontece, que aparece, que vem é fruto do que temos dentro de nós e precisamos trabalhar.
      Enquanto você não entender isso, vai continuar aparecendo mulher desse tipo na sua vida.

  • Discordo.

    Vejo o começo disso há pouco mais de 10 anos, com uma mudança do que deveria ser o entretenimento através de políticas de inclusão muito encabeçadas por incentivos financeiros (DEI). Some-se a isso o povo que “xinga muito no Twitter” (a minoria barulhenta) e essa cambada de filme que, apesar de aclamado pela crítica, tem péssima recepção e bilheteria e temos uma imposição de cima para baixo sobre o que se deve consumir.

    O que vem depois disso são os empreendedores, vendo um mercado negligenciado e tirando proveito. Essa situação já está explodindo (seu exemplo de confusão sexual) em mais de um fronte. Eu só estou aguardando com a pipoca enquanto estúdios implodem (olá, Disney!) e o consumidor se força a tomar uma postura de conformidade ou explorar o bizarro.

    • Exatamente, Torpe. Há um produto para cada público negligenciado pelas mídias tradicionais. Ou melhor: uma infinidade de infoprodutos.

  • https://www.gov.br/ebserh/pt-br/comunicacao/noticias/por-hora-nascem-44-bebes-de-maes-adolescentes-no-brasil-segundo-dados-do-sus
    “Por dia, 1.043 adolescentes se tornam mãe no Brasil. E, por hora, são 44 bebês que nascem de mães adolescentes, sendo que dessas 44, duas tem idade entre 10 e 14 anos. […] Nessa faixa etária, sequer teve queda, mas sim um aumento.”
    A sexualidade dos zoomers e até de alguns alphas (geração depois dos zoomers, sim, estamos velhos) parece estar indo muito bem, obrigado. Não recomendo ter filhos no Brasil.

  • Somir, essa profissionalização e venda não se restringe a putaria e sexo. Atualmente, há pessoas vendendo cursos de qualquer assunto que você puder imaginar. Mesmo o conteúdo que costumava ser gratuito poucos anos atrás passou a ser vendido. A maioria dos influencers acaba vendendo um curso ou ebook de qualquer coisa e isso gera milhões. Acho fascinante pela capacidade de monetização de interesses, já comprei alguns cursos de vinhos e programação, mas também acho que tem suas desvantagens. Muitos coaches vendem conteúdos equivocados e prejudiciais bem caro. Acaba sendo mais do mesmo problema de filtrar coisas que a gente vê na internet.

    Há uns dez anos atrás, durante minha adolescência, era comum achar videoaulas gratuitas e de qualidade. Lembro de ter indicado para amigos que não podiam pagar boas escolas ou professores particulares. Faz tempo que não procuro esse tipo de aula, mas não duvido que agora o mesmíssimo conteúdo seja vendido por uma fortuna.

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