
Vida artificial.
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Nos últimos dias, os bebês reborn voltaram a viralizar nas redes sociais, embora não sejam uma novidade. Entre fotos e vídeos em que esses bonecos são tratados como crianças reais, chamou atenção o caso de Yasmin Becker, de 17 anos, moradora de Janaúba (MG). Criadora de conteúdos infantis, ela levou seu boneco a um hospital, alegando que ele “não estava se sentindo bem”. O vídeo da experiência fictícia gerou debate entre os usuários. LINK
Isso nos chamou a atenção durante a semana, mas não pelo motivo que você está esperando. Desfavor da Semana.
SALLY
Tempo de leitura: 30 segundos.
Resumo da B.A.: a autora se mostra uma marionete do sistema endossando de forma conformista vícios capitalistas em vez de pregar a revolução armada.
Esta semana vimos várias notícias envolvendo esses bonecos horrorosos chamados “Bebê Reborn”, desde uma lunática que fez vídeo levando o boneco para o hospital por achar que ele “não estava se sentindo bem” até um ritual bizarro que emula o parto de um Bebê Reborn e custa bastante caro para quem decide encená-lo.
Pesquisando, percebi que o universo Reborn tem infinitas bizarrices. Tem creche para Bebê Reborn. Tem pediatra, tem babá, tem uma infinidade de prestadores de serviço que atendem a esses pedaços de borracha com roupinha como se fossem reais. Estou fascinada por essa nova modalidade de doença mental e insisti com o Somir para que este fosse o tema de hoje.
Mas, se vocês pensam que eu vou pregar terapia e que as pessoas cuidem da sua saúde mental, estão enganados. Eu já desisti. O brasileiro é isso aí, um americano pobre, sem saúde mental e cafona. Eu não vou ficar pregando saúde mental, até porque, quem é leitor do Desfavor não precisa que eu diga essas obviedades.
O que eu quero dizer é: que bom que tem Bebê Reborn. Deixem essas mulheres em paz. Deixem elas botarem roupinha e darem afeto para um pedaço de borracha com cabelo. Não façam bullying ou recriminem, pois, se em algum momento virar algo socialmente reprovado, essas mesmas mulheres vão largar os bonecos e partir para crianças de verdade ou animais de estimação, e Deus me livre dessas pessoas responsáveis por um ser vivo.
“Mas Sally, a maioria já tem filhos”. Sim, mas mulher infantilizada é assim: adora filho bebê e acha que depois que cresce não é tão legal. Ela gosta de um ser completamente dependente dela, para que ela possa passar o dia em função dele e se sinta útil, pois só assim se sente importante. Quando filho cresce e vai viver, bate na mamãe o vazio de não ter feito porra nenhuma com a sua vida.
Todo mundo na casa tem vida. O marido trabalha, tem o futebol, tem o bar, tem os amigos. Os filhos têm escola, faculdade, festa, amigos. Só a mulher, que ficou enterrada nesse papel de “mãe”, ficou enganada. Foi dito a ela que isso seria o mais lindo, o mais nobre, o mais importante da sua vida. Só não lhe foi dito que, quanto mais passa o tempo, menos atuação ela terá no cargo.
Aí vem o vazio. Aí vem as consequências de não conseguir se sustentar sozinha e de precisar de marido, mesmo que o amor e o respeito tenham acabado. Aí chega toda a conta de escolher viver de forma monotemática se dedicando à maternidade, não só por achar que esse é o único caminho, mas também por ver algum status nisso.
No Brasil, como na maior parte de países do terceiro mundo povoado por ignorantes, ter filho é status. Talvez seja a única oportunidade de gente irrelevante, medíocre, NPC, tem de fazer algo que a pessoa considere grandioso ou importante. Não precisa de estudo para ter filho. Não precisa de doutorado. Não precisa de inteligência. Não precisa de nenhum mérito pessoal, basta abrir as pernas vezes suficientes.
E ter filhos sem estar preparado para isso (financeiramente, emocionalmente e mentalmente) cobra um preço. E geralmente parte da cobrança se paga com a saúde mental. O resultado costuma ser mulher carente, chata, embarangada, desinteressante, com baixa autoestima, infantilizada e/ou dependente emocional.
Isso não vai mudar. Eu não vou lutar contra isso fazendo texto dizendo como evitar ou o que tem que fazer. É estrutural. Tá tudo errado desde o berço e as futuras gerações, como regra, vão repetir os erros desta, pois quem ensina, ensina errado. Por mais que com palavras tente ensinar certo, ensina errado com exemplos, que é por onde os filhos aprendem. Então, é isso aí a realidade social do Brasil. E eu aceitei.
O ponto de discussão é: vai deixar essas doidas varridas responsáveis por um pedaço de plástico ou vai ridicularizar elas até elas terem vergonha dos Bebê Reborn e partirem para adotar uma criança ou um pet? Por gentileza, deixem as doidas ninando material sintético. Não tirem isso delas. É só isso o que eu peço.
“Mas Sally, o certo seria fazer terapia”. Sim, mas sabemos que não vai acontecer. Tem gente que não tem nem bagagem de inteligência, vocabulário e capacidade reflexiva para fazer terapia. Tem gente que já chegou num ponto da vida em que ver a verdade deprime até a morte, após tantos anos perdidos vivendo uma vida bosta. Não é sobre o que é certo, é sobre o que é possível no Brasil. Essas pessoas não vão melhorar.
É a versão feminina do criminoso que vira evangélico e para de cometer crimes. Eu sou a favor da igreja evangélica? Não, eu sou contra com todas as minhas forças, mas exerce alguma contenção social. Não funciona sempre, mas em alguns casos sim. É o certo a se fazer? Não. Mas a essa altura, se tem um bandido a menos na rua a gente comemora. Se tem uma maluca a menos esquizofrenizando cachorro, botando roupinha e sapatinho em pet, eu também comemoro. Benditos sejam os Bebês Reborn.
Bebê Reborn não é causa, é consequências. Se você tira isso delas, a causa continua e quem vai sofrer as consequências dessa carência, dessa falta de saúde mental, desse amontoado de comportamentos bizarros será uma criança, um cão ou um gato. Deixa as doidas preencherem o que falta na vida delas com boneco, caso contrário, o estrago vai ser ainda pior.
SOMIR
Tempo de leitura: 5 segundos.
Resumo da B.A.: o capitalismo derreteu o cérebro do autor, querendo trocar o humano pela máquina e achando uma ótima coisa.
Eu sou da ideia que se formos errar em alguma coisa na sociedade, que erremos por dar mais liberdade para as pessoas. É uma visão que por vezes fica com cara de esquerda lacradora, por vezes direita libertária, mas que na verdade é sobre o poder da autorregulação. Leis e moralidade (que nada mais é do que os costumes da maioria numa região, nem sempre o que é moral é ético) vem de cima para baixo e quase sempre consideram um mundo ideal, autorregulação é o cidadão descobrindo por conta própria o que funciona ou não na sua vida.
O que vem de fora para dentro é mais idealista, o que vem de dentro para fora é mais utilitarista. O mundo como achamos que deve ser contra o mundo que conseguimos fazer. É importante ter metas mais nobres para o que queremos ser como sociedade, para empurrar o povão numa direção mais eficiente e saudável; mas as pessoas precisam ter uma margem de manobra para empurrar a linha para o que é mais fácil fazer.
Toda essa explicação é para dizer que assim como a Sally, eu também acredito que não adianta dar chilique com pessoas mais velhas “criando” bebês de borracha. Existem ganhos secundários que essas pessoas precisam na sua vida, e acharam um caminho fácil o suficiente para consegui-los. Um caminho que não coloca em risco crianças de verdade.
Não é o ideal porque essa energia, se bem canalizada, poderia ajudar muitas crianças reais que precisam de atenção e carinho urgentemente. Só que aqui entra o realismo: quem está fazendo isso não tem interesse numa criança de verdade. O fato de serem bebês não é só economia de matéria-prima ou praticidade de armazenamento: nessa idade, o ser humano não oferece interações muito complexas.
E isso já deveria ser a dica do grau de profundidade desejado pela pessoa que começa a cuidar desses bebês reborn. Não é alguém que quer um filho, a pessoa quer aquela interação específica do bebê que não responde. Com o bônus de ser imortal e não sujar a fralda. Sei que tem toda a questão terapêutica estudada por especialistas, mas nem é o ponto aqui: porque estamos falando de uma onda de colecionadores e produtores de conteúdo para rede social. Não são pessoas acompanhadas num tipo de tratamento.
Há o que criticar, eu sou menos exigente que a Sally no nível básico de saúde mental do ser humano, mas ainda percebo claramente como isso pode dar errado na cabeça da pessoa. A imaginação tem esse hábito de se misturar com a realidade se não for confrontada. Mas na questão de “desperdício de instinto materno”, não me parece realmente um problema. Não acho que uma criança real se beneficiaria no longo prazo apenas com esse interesse por bebês plásticos. Muitas das piores mães do mundo brincaram com bonecas quando pequenas.
Inclusive eu vou além: eu acredito que exista uma função social nessas relações entre pessoas e objetos. Uma que eu já toquei num texto antigo sobre pedofilia, de um ponto de vista totalmente utilitarista, um pedófilo consumindo conteúdo ficcional sobre crianças é alguém satisfazendo um desejo sem encostar numa criança real. Eu lembro que o texto era sobre criminalizar quadrinhos pornográficos japoneses com crianças, e que não havia dados sobre a presunção que essas pessoas abusavam de crianças reais por terem visto desenhos de crianças sendo abusadas.
E até onde eu sei, esses dados ainda não existem. O que até essa popularidade recente dos bebês reborn me sugere é que essas relações imaginárias são ainda mais naturais que eu previa naquela época. Se mulheres, inclusive mulheres que já tem filhos, conseguem formar laços imaginários com essas bonecas, é porque isso é muito comum mesmo no ser humano.
A discussão no caso do conteúdo pedófilo ficcional era sobre se ele bastaria para a pessoa doente. Eu começo a ver mais provas que sim, bastaria. Lembra o começo do texto quando eu comparo o que é ideal e o que é prático? O ideal é que nenhuma criança tenha que lidar com abusos sexuais, mas o prático é que não conseguimos eliminar nem uma fração dos adultos com essa propensão. Como lidar com isso? Uma alternativa que ninguém gosta de pensar, mas que provavelmente vai ter que ser tentada é oferecer opções sintéticas para os pedófilos.
E aí as coisas se amarram: talvez seja sim uma alternativa avançar na direção de relações imaginárias e deixar objetos e representações ficcionais de seres humanos serem as “vítimas” dos desejos das pessoas. Gostar de criança não é gostar do “objeto” criança. São coisas parecidas apenas em superfície. Por motivos muito diferentes, a “mãe de boneca” e o pedófilo se encaixam numa mesma categoria: pessoas que são muito mais seguras para as crianças se tiverem simulações realistas para usar.
A diferença entre ideal e prático. Tem uma série de problemas relacionados com soltar as rédeas legais e morais sobre se relacionar com objetos simulando crianças, mas não se pode negar que é mais fácil. Usamos o tempo e a atenção de quem talvez fizesse mal para uma criança real em outro lugar. E sim, empurramos o problema para frente: porque uma hora ou outra a inteligência artificial vai começar a nos deixar confusos sobre se são realmente objetos. Aí eu não sei para onde correr, provavelmente vão precisar definir uma linha básica de consciência para merecer direitos e manter os “objetos de abuso” abaixo dela. Mas como é comum na vida, às vezes precisamos lidar com os problema de hoje e pensar nos de amanhã… só amanhã.
Pelo que eu estou enxergando, o ser humano está dizendo que aceita sim relações virtuais. E a minha previsão antiga de que vamos acabar (como espécie) vivendo como ditadores de universos virtuais próprios está ficando cada vez mais forte. As pessoas estão dizendo que querem isso, a tecnologia está se mexendo para entregar isso. Todo dia aparece um novo sinal desse movimento, e se assim como eu você acha que é um movimento que não pode ser impedido, faz sentido relaxar as regras e deixar as pessoas mais livres para se isolar de contato humano caso não queiram mesmo.
Gente forçada acaba fazendo as coisas malfeitas.
O Somir é até otimista em sua visão sobre o futuro da humanidade, eu já tento a não enxergar assim. Acho que o mundo tá todo doente e se deteriorando, triste ver essas coisas com bots de ia, e vidas artificiais vindo à tona aí.
MAS se tiver um próximo Free Hugs, por favor por favor por favor analisem os louquinhos que fazem campanha de 365 dias de oração pra Deus enviar marido/esposa e o sujeito que supostamente agendou o casamento pra daqui um ano supostamente sem ter noiva e o suposto pastor que é dono de uma suposta joalheria deu um anel de diamante de 5 supostos quilates pra ele dar pra futura suposta noiva em troca de 10 mil seguidores na página do instagram da loja, sendo que a profissão do homem é “ensinar a viralizar na internet”, por favor Somir esqueça um texto aí pra ter que ver os vídeos desse suposto coach e fazer uma análise eu nunca pedi nada eu ganhei um Bolão com Cisne Negro por fav
Por que me odeias?
Eu outro dia lembrei (infelizmente) que antes das mães de reborn, a onda era gravar vídeos dizendo que era um louva-a-Deus no corpo de um humano e se filmar fazendo trejeitos e caretas dizendo que era maneira de “expressar a verdadeira identidade”.
Sendo assim, a partir do momento que a pessoa voltou a se tratar como ser humano e depositou sua sanidade mental num boneco, eu estou com o Desfavor, vivendo e deixando viver, por mais esquisito que seja.
Mas se tiverem também um botão de liga/desliga pra quando bater o cansaço (ou o arrependimento), vão querer comprar, sim…
O texto que o Somir mencionou: https://www.desfavor.com/blog/2019/06/crime-ficcional/
Se eu sou o médico reborn vou logo avisando que o bebê infelizmente teve parada cardíaca e veio a óbito! Num futuro onde as pessoas vão preferir se casar com bots de IA, porque sempre vão ser gostosas e submissas e os maridos nunca vão brochar nem trair, nada mais oportuno do que o fruto das relações serem bebês reborn. Futuramente vão chorar, fazer birra, sujar a casa, igualzinho aos humanos!
Se tiverem essa funcionalidade, ninguém vai querer comprar!