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Des Contos: Clitorianos.

Des Contos

wat?[2]

Carlos dirigia por uma estrada vazia em plena madrugada de uma segunda-feira, fazendo o trajeto entre seu sítio isolado no interior e seu sufocante apartamento na capital. Para diminuir a sensação de “fim de festa” trazida por essa viagem semanal, costumava ouvir uma seleção de músicas convenientemente chamada de “prazeres proibidos”. A lista era composta apenas com as canções mais bregas e grudentas, as quais jamais admitiria ouvir se confrontado.

Naquela noite, nada de diferente até ali. Carlos guiava tranqüilo enquanto cantarolava uma terrível música sertaneja a plenos pulmões, certo da impunidade. O caminho, já decorado em sua mente, não trazia dificuldades maiores do que alguns buracos e curvas fechadas. Trânsito com certeza não era uma preocupação. Com exceção de um ou dois caminhões no sentido oposto, nenhum sinal de vida na estrada ou nas imediações.

Mas dessa vez, algo mudou a rotina da viagem. O trecho em que se encontrava, uma sinuosa e sufocante trilha de asfalto escavada por dentro das entranhas de uma região montanhosa, estava completamente escuro por conta da lua minguante que dividia espaço com algumas nuvens no céu noturno. Escuridão que facilitou a percepção de uma estrela mais brilhante do que as outras no horizonte. Com seus pífios conhecimentos astronômicos, pode concluir no máximo que era um planeta ou algum outro fenômeno comum para quem realmente sabe identificar pontos de interesse no céu.

Um movimento brusco da suposta estrela alertou-o sobre a possibilidade de não estar lidando com algo comum, ou mesmo explicável. Pela geografia da região que atravessava, eventualmente perdia contato visual com o ponto luminoso por detrás das copas das árvores. Numa dessas oclusões naturais, perdeu definitivamente o objeto de vista. Imaginando ter sido apenas alguma peça pregada pelo sono, voltou a dirigir como se nada tivesse acontecido. Mas a normalidade não estava no caminho de Carlos, não naquela noite.

Um flash repentino na frente de seu veículo foi o suficiente para que ele pisasse com força no pedal do freio e perdesse o controle. Num golpe de sorte, o carro girou sobre o próprio eixo e acabou parado dentro dos limites do asfalto, tudo isso acompanhado pela cantoria dos pneus e um sonoro palavrão multissilábico. Refeito do susto, presta mais atenção nos arredores.

Um brilhante disco metálico paira sobre a estrada, a pouco mais de dois metros do chão. Ainda sem reação, Carlos observa estático um facho de luz esbranquiçada descer graciosamente da parte inferior do disco até tocar o chão. Dentro do facho, duas figuras de formato humanóide. Seus contornos ficam mais definidos assim que se afastam da luz.

Carlos observa a cena, fascinado. Conforme os seres se aproximam do carro, fica mais e mais claro que são dois humanos. Dois homens, um alto e forte; outro esguio, de feições mais suaves. Pela familiaridade visual dos supostos visitantes intergalácticos, o medo dele se transforma em curiosidade. Curiosidade que o move a se desvencilhar do cinto de segurança e sair de dentro de sua fortaleza motorizada.

Agora Carlos está de frente com os dois homens, em plena estrada deserta, agora iluminada pelo disco voador que plana sobre eles. Ambos vestem uma espécie de traje prateado que cobre todo o corpo com exceção da cabeça, vários símbolos ininteligíveis cobrem a vestimenta.

– Saudações, clitoriano. Viemos em paz. – Diz o homem mais alto.

– B… boa noite… – Responde Carlos.

– Pergunta se ele tem um. – O mais baixo cutuca o outro, ansioso.

– Deixa que eu falo! Vai ficar me interrompendo aqui também? – A resposta do outro visitante demonstra um certo destempero.

– Vocês… são alienígenas? – Carlos pergunta enquanto observa melhor a nave sobre sua cabeça.

– Depende do ponto de vista. Para nós, você que é. – O menor responde sem pestanejar.

– Peraí, o que a gente combinou, Barii? Eu que vou fazer contato com o clitoriano, não você! – O mais alto agora deixa de olhar para Carlos e começa a discutir em voz baixa com seu companheiro.

– Meu nome é Carlos.

Os dois param sua discussão rápida e se voltam novamente para o terráqueo.

– Barii, mas o segundo i é mudo.

– Como se ele soubesse que tem um segundo i no seu nome… E não tem jeito mesmo, né? Pedir para uma mulher ficar quieta é que nem pedir para um gafarium não trazoidar! Bom, meu nome é Tamaes.

– Prazer, Barii e Tamaes. Vocês vieram de onde?

– Sabe, eu realmente preferiria se eu, como espécie que já dominou a viagem intergaláctica, tomasse a dianteira da conversa! – Diz Tamaes.

– Como quiser.

– Não liga não, Carlos, ele está irritado porque errou o caminho. – Barii

– Vocês não pretendiam parar aqui na Terra?

– “Eu sei o que estou fazendo, eu já passei por aqui antes…” – Barii imita uma voz mais grossa de forma irônica.

– Silêncio, vocês dois! – Tamaes perde a calma.

– Desculpa. – Carlos diz visivelmente assustado.

– Viu o que você fez, seu grosso? Homens são iguais em tudo quanto é planeta… Nós não vamos te fazer mal, terráqueo, não precisa se preocupar, viu?

– Você… é uma mulher? – Carlos pergunta olhando para Barii.

– Ah sim, sempre esqueço que na sua espécie a diferenciação entre os sexos é bem mais acentuada. Sim, eu sou uma mulher. E esse mau-humorado aqui é o meu marido.

Carlos olha para baixo e deixa escapar um sorriso irônico.

– Eu sei o que você está pensando, terráqueo! Mas de onde eu venho, todas as mulheres são assim… Tire esse sorrisinho da cara! – Tamaes aponta o dedo para Carlos, que se força a manter uma expressão mais séria.

– Todas as mulheres são como eu, Tamaes?

– Você me entendeu, Barii.

– Entendi sim! Você não me acha especial! – A expressão de Barii começa a mudar, denotando um começo de choro.

– Não exagera, querida. Você sabe que eu… – Enquanto Tamaes tenta consertar o erro, Barii corre até o facho de luz e volta para dentro da nave.

– Desculpa aí, cara. – Carlos sente uma espécie de empatia intergaláctica.

– Deixa pra lá, ela está naqueles dias. Chorando e reclamando de tudo.

– Sei como é… Mulheres, hein?

– Pelo menos as suas tem aqueles depósitos de gordura nas glândulas mamárias. Vocês clitorianos tem sorte.

– Pois é… clitorianos… Não entendi bem porque vocês ficam chamando os humanos disso.

– A sua espécie, mais precisamente as fêmeas da sua espécie, tem o órgão mais fascinante de todos os povos inteligentes conhecidos. O clitóris.

– E isso é tão importante assim? Digo, a ponto de nomear nossa espécie?

– Bem que me disseram que os homens desse planeta não entendem muito bem do assunto. Para começo de conversa, vocês clitorianos são a espécie que evoluiu mais rápido em todo o universo. Nós, os salenkianos, demoramos trezentos mil anos para inventar o primeiro motor, por exemplo.

– E onde o clitóris entra nisso?

– As suas mulheres podem sentir tanto prazer numa relação sexual que evoluíram de forma a condicionar os homens a passar sua existência inteira se esforçando para conseguir sexo. Nenhuma outra fêmea é tão atraente no universo.

– E isso não deveria atrasar tudo? Não me entenda mal, mas se as mulheres daqui fossem tão parecidas com os homens quanto são no seu planeta, eu dedicaria todo meu tempo para pesquisar e trabalhar.

– Com que motivação?

– Ué, motivação de fazer algo de destaque.

– Para conseguir o quê?

– Fama, poder, dinheiro…

– Com que objetivo?

– Pegar mais mu… Nossa!

– Pois é, clitoriano. E como as nossas mulheres também geram filhos, tem todas as características hormonais comuns às suas mulheres também. Você viu o que aconteceu com a Barii agora de pouco.

– Uau. Eu não imaginava o poder do clitóris para acelerar a evolução. Só as mulheres humanas tem isso, no universo todo?

– Temos registro de uma espécie que desenvolveu clitóris em ambos os sexos, num planeta bem distante daqui.

– Eles evoluíram mais rápido ainda?

– Não, eles morreram de fome. Um trilhão de pessoas num planeta não muito maior do que esse se mostrou bastante insustentável.

– Imagino… Mas, Tamaes, o que vocês vieram fazer aqui? Vão se revelar para os humanos?

– Não, não. A sua espécie é agressiva demais para ser contatada em larga escala pelos próximos dez mil anos. O clitóris não traz apenas benesses, sabe? Mas eu entendo, eu também ficaria raivoso e competitivo se tivesse que competir por essas fêmeas deliciosas… Eu pretendia vir sozinho para cá, até dei uma desculpa sobre pesquisar uns asteróides aqui por perto. Mas Barii… ela cismou que viria junto. Saco! Eu pretendia passar os próximos dias numa dessas suas instituições que oferecem prazer sexual em troca de moeda terráquea.

– Puteiro? Hahahaha!

– Shhh! Se ela descobre isso, me mata.

– Relaxa, eu não vou entregar um colega de gênero. Mas, com a sua tecnologia avançada e tal… Não era mais fácil tentar colocar clitóris nas suas mulheres?

– Elas jamais aceitariam. Dizem que é degradante que os homens queiram que elas mudem seus corpos para agradá-los, dizem que devemos aceitá-las do jeito que elas são… blá, blá, blá…

– Que frescura!

– Pois é, mas o que se pode esperar de um bando de frígidas?

O comunicador no pulso de Tamaes começa a piscar.

– Agora eu tenho que ir, Carlos. Foi uma conversa interessante. Bem mais interessante do que o drama que eu vou agüentar assim que entrar na nave… *suspiro*

– Ah, por que eu?

– Por que entramos em contato com você? Ela insistiu que eu perguntasse o caminho. E você estava convenientemente sozinho. Sem testemunhas, ninguém vai acreditar na sua história.

– Faz sentido. Meio broxante, mas faz sentido.

– História da minha vida… Tenha uma boa vida, clitoriano. E não se esqueça da sorte que você tem.

Carlos acena para o alienígena, que adentra o feixe de luz embaixo da nave fazendo um sinal de “saco cheio”. Uma risada conjunta termina o contato entre as duas espécies. O disco voador sobe numa velocidade impressionante rumo ao céu, desaparecendo da vista em questão de segundos. De forma bem mais lenta, Carlos adentra seu veículo e segue seu caminho.

Coito interrompido.

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