Des Contos: A dois passos do paraíso.

Este corpo não te pertence!

Mimimi: Falaremos sobre o assassino de Deus no Desfavor da Semana. Hoje é mais um texto CHATÉRRIMO porque eu estou com saudade de escrevê-los.

Ismael definitivamente não estava feliz com o devastador câncer que o colocara naquela cama de hospital, mas havia um certo conforto em dividir seus últimos momentos com suas pessoas mais queridas. Ao seu lado, segurando sua mão de forma carinhosa, sua companheira de décadas tentava segurar o choro.

“Tudo vai ficar bem…” – Difícil era saber a quem ela tentava reconfortar.

Ele responde com um sorriso condescendente, sabendo que não era hora de apontar a iminência de sua partida. Primeiro o frio, depois a dormência. Alguns flashes de enfermeiras e médicos em movimentos frenéticos dividem espaço com uma escuridão surpreendentemente confortável. Num horizonte difícil de precisar, enxerga uma luz surgindo tal qual o Sol nascente.

Era sua hora. O sentimento de paz e a liberdade das constantes dores que assolaram seus derradeiros anos corroboram com a última frase que ouvira de sua esposa. Ismael caminha até a luz.

O ambiente vai ficando mais definido de acordo com sua aproximação. A escuridão cede o suficiente para que perceba uma espécie de trilha no chão. Setas luminosas que o guiavam até a fonte de luz e calor piscavam de forma ritmada.

“A vida após a morte é… didática… Quem diria?” – Ismael mal consegue conter sua curiosidade, mas um pensamento perigoso desacelera o ritmo de seus passos: “E se eu rezei para o deus errado? Assim que eu chegar naquela luz eu vou saber, para o bem ou para o mal… E mesmo se eu tiver acertado, quase nunca fui de ir em igreja…”

“EI!” – Uma voz infantil o pega de surpresa.

Ismael se volta para a origem do som e percebe um garoto negro, maltrapilho, no máximo dez anos de idade, aproximando-se de forma apressada.

“E aí, como é que foi a sua vida?” – O menino parece empolgado.

“Foi… foi boa. Muito boa para ser sincero. E a sua?”

“Morri com dez anos de idade numa favela da Libéria.”

“Eu… eu… não sei nem o que dizer… Mas eu tenho a impressão que agora vai ficar tudo bem.” – Ismael tenta parecer confiante, tomado pela compaixão por aquele garoto que com certeza sofrera demais em vida.

“Claro que vai! Consegui o Pequeno Mártir e Copo de Cólera na mesma vida! Com esses pontos eu consigo desbloquear a Classe Milionária!” – O garoto sai correndo desembestado e atravessa a luz antes mesmo que Ismael consiga perguntar sobre o que ele estava falando.

Ainda confuso, o recém-falecido mal percebe que continua seguindo rumo ao seu destino. Um poderoso flash de luz o cega logo que faz a travessia. Sua visão volta aos poucos, e o que encontra logo após retomar o foco é um colossal ambiente que parece ter saído de um filme de ficção científica. Iluminação poderosa, sons confusos e incontáveis telas virtuais até onde a vista alcança. Milhares de outras pessoas manipulam essas telas.

Perdido, ele se volta para uma senhora mais ou menos de sua idade que estava passando ao seu lado:

“Eu nunca imaginei que fosse ser assim…”

“Nem eu. Quando eu fiquei sabendo que a Classe Bilionária tinha virado apenas sorteio, me senti roubada! Deveria ter gastado com a Milionária ao invés de ficar acumulando pontos com quase 80 anos de vida sofrida. Tem gente que entrou há pouco mais de 20 anos e já está na lista dos mais ricos do mundo. Absurdo!” – A idosa segue em direção a um dos monitores, deixando Ismael ainda mais desconcertado.

Tentando se adaptar, ele segue até um dos monitores vagos. Uma infinidade de números, letras e símbolos se prova impossível de decifrar para alguém que sequer conseguia entender um videocassete em vida.

“O senhor está bem?” – Um homem vestindo um macacão branco com um desenho estilizado do planeta Terra no peito aproxima-se.

“Você trabalha aqui? Quer dizer… trabalha como… anjo… ou algo assim… Você entende, né?”

“Sim senhor. O senhor está enfrentando problemas com o painel de retorno?”

“Painel de retorno?”

“Senhor, eu preciso realizar um procedimento de rotina.” – O homem puxa um equipamento do bolso e escaneia Ismael dos pés à cabeça. “O senhor poderia me dizer o seu nome real completo?”

“Ismael de Souza. O problema é que eu nunca fui muito bom com tecno…”.

“Ok. O senhor acredita que está morto?”

“Eu… sim… acho… Por quê?”

“Ok. Aguarde um momento.” – Ele coloca a mão no ouvido e começa a falar olhando em outra direção: “Temos um queimado aqui no setor 9983BR. Memória original sobrescrita, código Y62.”

“Queimado? Eu vou para o Inferno?” – Ismael começa a entrar em pânico. Agora começava a ter certeza que deveria ter frequentado mais a igreja.

“O senhor vai ser cuidado por profissionais capacitados. Esperamos que o senhor retorne logo para Terra 2 – Classes Sociais. Obrigado e tenha um bom dia.”

Antes mesmo de Ismael conseguir retrucar, uma sensação familiar. Primeiro o frio, depois a dormência. Tudo fica escuro.

Como quem acorda de um pesadelo, Ismael tenta se movimentar assim que recobra a consciência. Uma bela mulher com o mesmo uniforme branco e desenho do planeta Terra o segura pelos braços.

“Calma, calma… Está tudo bem. Você está segura.” – Sua voz é doce e reconfortante. Ismael se controla e dedica algum tempo a observar o ambiente ao seu redor. De um filme de ficção científica para outro. Reclinado numa cadeira com inúmeros fios colados ao seu corpo, Ismael nota que… não é mais Ismael. Seu corpo conta com duas protuberâncias na região do peito que nunca pode ver em primeira pessoa antes.

“Por que eu sou uma mulher? Eu não morri, né? Estou tendo aquelas alucinações…”

“Verbeni, sua memória original foi sobrescrita pela memória da vida virtual que levou nos últimos anos. Nós temos uma versão de backup aqui e vamos restaurá-la em alguns minutos. E adivinha quem vai ganhar cem mil pontos para gastar no Terra 2?”

Ismael, ou… Verbeni, nem se dá mais ao trabalho de tentar entender a situação. A gigantesca janela do lado oposto do grande salão mostra o espaço, com milhares de estrelas e um planeta parecido com as imagens que sempre viu de Saturno. Duas luas são plenamente visíveis.

“Estamos em Saturno?”

“O nome desse planeta é Calais 12. Eu adoro a vista desta sala…”

“Em que ano estamos?”

“2006 do Novo Ciclo… Mas não se preocupe com isso, você vai entender tudo assim que recuperar sua memória.” – Ela sorri e recosta nosso(a) protagonista novamente em sua cadeira: “Agora é só espe…”

“Lavin, problemas…” – Um homem que passara despercebido até agora se aproxima da mulher e começa a cochichar algo em sua ouvido. Ela parece preocupada: “Agora você vai dormir um pouquinho, viu?”

Frio. Dormência. Escuridão.

“CHEGA!” – Ismael/Verbeni começa a se revoltar antes mesmo de saber onde estava dessa vez.

“Seja bem vindo de volta, Araz Olufamini.” – Um ser que parece um misto de alienígena e ciborgue faz as honras da casa.

“Agora meu nome é Araz? Eu sou homem ou mu… Meu Deus do céu… O que sou eu?”

“Você, assim como eu, é o ápice da tecnologia de uma espécie há muito extinta. Você, assim como eu, é uma das últimas testemunhas deste universo fantástico. Você, assim como eu, vai ter a responsabilidade de cuidar desta instalação.” – A voz, metálica e sem emoção, parece apenas acentuar o clima futurístico emanando de tudo ao seu redor.

“O que é este lugar? Eu juro que não fiz nada de errado na minha vida… Isso é uma provação divina?”

“Não. Eu preciso te situar para que sua consciência seja capaz de se restaurar. Está vendo aquela estrela?” – O ser aponta para algo parecido com uma projeção saída do chão. Um pequeno ponto de luz central vai aumentando até enquadrar uma espécie de nave espacial posicionada em sua órbita.

“Sim… É o Sol?”

“Não. Essa é LI5382-BETA23492, a última estrela ativa e fonte de energia do universo. A entropia está a ponto de completar seu trabalho. Acredito que mesmo a memória primitiva que você adquiriu numa das camadas de realidade virtual é capaz de compreender conceitos como esse, não?”

“Quer dizer que quando ela apagar… acabou… tudo?”

“Sim. Tentamos reverter o esfriamento do universo, sem sucesso. Como não havia mais possibilidade de vida em qualquer lugar além desta nave, decidimos criar uma realidade alternativa para que houvesse algum sentido em nossas existências. Melhor viver nossos últimos milhões de anos sonhando.”

“E por que eu estava sonhando com uma vida cheia de problemas?”

“Recomeço. É importante que esqueçamos de nossa existência aqui. Nós iniciamos a nossa simulação com seres humanos primitivos, mas depois de milhões de anos…”

“Eles aprendem a criar suas próprias realidades virtuais…”

“Exato. Mas um de nós deve ficar aqui para gerenciar o sistema original e receber os próximos guardiões. Esta foi minha incumbência nos últimos mil anos. Agora será a sua. Pronto! Sua mente original vai ser restaurada em 3 segundos.”

“-3[[32-0”

“..a98’22@”

FIM. (wat)

Para dizer que não acredita que eu não tenha visto Inception ainda (sério), para dizer que o texto é chato e blá blá blá, ou mesmo para traçar meu perfil psicológico e dizer que é melhor esvaziar as escolas próximas: somir@desfavor.com

Se você encontrou algum erro na postagem, selecione o pedaço e digite Ctrl+Enter para nos avisar.

Comments (18)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: