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Desfavor da semana: iCancer

| Desfavor | | 47 comentários em Desfavor da semana: iCancer

iAiai

SOMIR

Tem gente que enche o saco até depois que morre. O legado de Steve Jobs vai ser duradouro, infelizmente. Se me alentou a sensação que a humanidade ficou um pouco menos viadinha depois que ele bateu as botas, não posso dizer o mesmo sobre a reação pública.

Nas horas subsequentes ao aviso oficial do falecimento, pareceu-me que haviam levantado a tampa de um bueiro e milhares de insetos asquerosos correram livremente pela rua. Eu sei que eles vão voltar eventualmente e teremos uma sensação de normalidade aparente, mas nunca é uma boa experiência assistir como a humanidade consegue se enganar.

Vivemos numa sociedade baseada em exploração e consumo, tenho horror às ideias comunistas por serem frequentemente totalitárias, mas que os desgraçados pegaram na veia com essa análise, pegaram. Só numa sociedade como a nossa que milhares (torço para que não, mas possivelmente milhões) choram pela morte de alguém como Steve Jobs.

Como já havia mencionado numa postagem anterior, até respeito o tino comercial dele, mas não o julgo como um divisor de águas positivo para a evolução tecnológica humana. Imagem e status na frente de avanços? O mercado vai seguir nesse caminho cretino ainda por muuuuitos anos. Infelizmente.

E olha que nem estou censurando quem se sentiu movido pelas conquistas e dramas pessoais de outro ser humano. É natural. Por mais que eu consiga enxergar um lado positivo na sua ausência, não tinha o menor desejo de que algo de ruim acontecesse a ele. Morreu? Pena para ele, para a família e os amigos.

Mas não é assim que a banda toca para boa parte da população. Tem algo a mais na reação popular. Algo que explicita como somos nossos próprios capatazes na escravidão da economia moderna. A grande estratégia de marketing da Apple desde que renasceu nas mãos de seu fundador foi transformar a marca num “clubinho”. Não de atitudes ou ideias, mas um clube de consumo.

Para fazer parte da “experiência Apple”, bastava botar a mão no bolso. E foi brilhante como ele e sua equipe conseguiram fazer isso bem debaixo do nariz de todos. As convenções messiânicas, os anúncios, o design dos produtos… Funcionou muito bem. Quando Jobs morreu, pessoas cuja ÚNICA conexão real com ele era o consumo dos produtos da sua empresa acusaram o golpe como se fosse seu guru pessoal.

Se tudo o que se espera das pessoas hoje em dia é capacidade de consumir, nada mais natural do que buscar pertencimento e propósito a partir disso. Steve Jobs não criou nada, apenas enxergou a oportunidade. E jamais pode-se negar o crédito disso. A história vai se lembrar dele de forma cada vez mais elogiosa com o passar das décadas. Tudo bem que não foi overdose, mas se aproxima demais de uma morte de rockstar. No auge.

Mais curioso ainda é que Bill Gates, o cara que REALMENTE botou essa indústria de pé, vai ser lembrado apenas como o rival maligno. Aposto que numa balança objetiva de serviços prestados à humanidade, Bill ganharia de longe (Não aprovo tudo o que ele fez, mas o cara já doou mais dinheiro à caridade do que o resto da humanidade… junta… na história.). Mas Bill Gates é um homem de negócios, Steve Jobs foi um guru de negócios. E nem é um texto para homenagear o dono da Microsoft, é uma constatação de como não é só como você movimenta o dinheiro das pessoas, é como você movimenta as ilusões delas.

Steve Jobs ajudou a criar um dos mais bem sucedidos clubes de consumo da história, dando um pouco mais de sentido à vida vazia de muita gente. Steve Jobs morreu de câncer, mesmo sendo bilionário. E é justamente aí que ele comprou a passagem só de ida para o lado positivo da memória humana. Gostamos de quem reforça algumas mentirinhas sociais “necessárias”.

O pobre se deleita quando o rico sofre. Claro que uma série de regrinhas sociais que mantemos evita que muita gente sequer racionalize as coisas dessa forma, mas é justamente no disfarce que a coisa fica explícita: Complacência. Perda real não gera complacência. Gera tristeza, revolta, apatia… mas não esse tipo de pena.

Toda vez que alguém diz “Olha só, era tão rico e morreu de câncer como um qualquer”, está tentando se convencer que a peça que falta na sua vida NÃO é a riqueza. E ironicamente, ao mesmo tempo consomem para tentar se aproximar dessas “pobres” figuras multibilionárias. Steve Jobs foi uma peça perfeita nesse quebra-cabeças paradoxal da humanidade consumista. Viveu para alimentar o desejo de riqueza alheio, morreu para expurgar a frustração dos que fracassaram.

Mas não passa de uma ilusão. Ainda é SEMPRE melhor ser rico. Preste atenção no mundo onde você vive, dinheiro sempre vai comprar o que é necessário para se alcançar os desejos incutidos na cabeça das pessoas. O objetivo “final” da população tem que ser colocado distante o suficiente para a maioria da humanidade jamais ser capaz de alcançá-lo. Incrível como celebramos esse golpe.

Eu não sou paranóico com essas coisas, não acho que seja um plano consciente perpetrado por um grupo seleto de pessoas, acredito que a humanidade se organiza da forma que funciona. As pessoas não querem derrubar o sistema por medo. Não medo de repressão… Medo de perder uma chance de ser um dos privilegiados.

Mas não podemos dizer isso publicamente, podemos? Aliás, é melhor nem pensar nisso. Não seria agradável considerar que TUDO na nossa vida atual seria melhorado com alguns bilhões na conta. Melhor fingir complacência. Melhor acreditar que sem o dinheiro, ele teria sofrido mais e vivido menos.

Steve Jobs foi mesmo o gênio que a nossa era mereceu.

Para dizer que eu levei o sentimento anti-Apple longe demais, para reclamar que estava esperando mais piadinhas, ou mesmo para dizer que eu sou o capitalista mais comunista que você conhece: somir@desfavor.com

SALLY

Eu queria falar do Rafinha Bastos novamente. Porque quando programas como Zorra Total sacaneiam ou humilham preto, pobre, favelado, mulher ou judeu tá tudo bem, quando a Hope faz comercial com piada de mau gosto “é só brincadeira”, mas quando Rafinha Bastos faz todo mundo cai de pau. Porque será? Porque o cara INCOMODA, mete o dedo em um monte de ferida importante, confronta políticos, faz denúncias, mexe com “imexíveis”. Mas o porra do Steve Jobs resolve morrer nesta semana, então, deixa o Rafinha Bastos para outro dia. Certeza de que não vai faltar oportunidade.

O grande desfavor da semana surgiu com a morte do Steve Jobs. Não, não é a morte dele, o cara não era gradesbosta. Era bem filho da putinha, diga-se de passagem. Humilhava funcionários aos berros, não reconheceu a filha alegando ser estéril e tinha valores estranhos. Em uma reportagem ao New York Times, pediram que ele liste as coisas mais importantes que já fez. Sabe o que estava na lista? Usar LSD. Sua empresa era acusada de usar trabalho infantil e trabalho escravo (Foxconn, oi?) e sua vida é um rosário de atitudes escrotas e incorretas que eu poderia desfiar aqui.

Mas não vou. Sabe porque? Porque tudo está sendo dito em blogs, jornais, documentários e biografias. Minha intenção não é falar por cima do que já foi falado, por isso não fiz um Processa Eu sobre ele. Todo mundo conhece os detalhes da escrotidão desse sujeito, não preciso dizer o que já está no Google. Bacana é contar a escrotidão do Papa, do Che Guevara e da Madre Teresa da Calcutá. A morte do Steve Jobs vem sendo tratada por uns como um desfavor porque morre um gênio, alguém admirável e por outros como algo bem feito porque morre um tremendo filho da puta. Cagamos para a pessoa do Steve Jobs, nosso enfoque hoje é na reação popular e não no morto.

Sim, o grande desfavor da semana foi a reação do populacho à morte do Steve Jobs. Aquelas frases conformistas de gente que vota no Tiririca se espalharam rapidamente: “Tá vendo? Era rico mas morreu jovem, de câncer, dinheiro não compra saúde” ou ainda “Tá vendo? Ele era rico e está morto, não vai levar nada dessa vida”. Pobre tem essa mania de tentar se enganar querendo se convencer que os ricos tem um karma de infelicidade por serem ricos e que eles são pobres, mas em compensação são mais felizes que os ricos. Pena que não é verdade. Fala isso para um pobre! Eles ficam super irritados.

Para começo de conversa, DINHEIRO COMPRA SAÚDE SIM. Excepcionalmente não. É o contrário do que dizem. A regra geral é que dinheiro compra saúde. Conheço muita gente rica que não estaria viva se não tivesse muito dinheiro. Basta ver a taxa de mortalidade de pobre e de rico. Porque UM rico morreu, querem presumir que na hora da doença tanto faz ser rico ou ser pobre? De jeito nenhum! Ainda mais em um país como o Brasil, onde a saúde pública é uma titica. Dinheiro compra saúde e te salva da morte COMO REGRA GERAL, excepcionalmente não. EXCEPCIONALMENTE. Vamos ficar apontando para cada caso de cada rico que se salvou da morte por ter feito tratamentos de ponta? Aí a gente pode computar se dinheiro, em termos gerais, não compra saúde.

Alguém me explica porque pobre fica tão feliz quando rico se fode? Chega a ser ridículo, pobre se fode a vida toda, o ano todo, todo santo dia. Quando o rico se fode em UMA OCASIÃO, o pobre aponta e ri. Os mesmos que se dizem super tementes a Deus comemoram a desgraça alheia. Ninguém duvida que pobre se fode muito mais do que rico nessa vida, no entanto, quando um rico se fode por algum motivo a pobralhada toda faz alarde e começa a gritar que dinheiro não compra a felicidade. Quem diz que dinheiro não compra felicidade é porque não conhece a loja. Falando sério, dinheiro não garante que você vá ser feliz, mas puuuta que pariu, como aumenta as suas chances! Até parece que pobreza é certeza de felicidade.

Com a morte de Steve Jobs a pobralhada tá quase que agradecendo por ser pobre, porque parece que o efeito colateral de ser rico é morrer de câncer. Pobre tem câncer também, e tem mais do que rico. E morre mais quando tem. E mesmo que só rico tivesse câncer, você prefere o que: uma vida de oitenta anos na pobreza ou cinqüenta anos a La Steve Jobs? Vá pá puta que pariu, bando de recalcados! Ter dinheiro não é um erro, achar que dinheiro é a coisa mais importante da sua vida sim.

Essa mentalidade ridícula foi incutida ao longo de anos na cabeça do brasileiro: ser rico é uma ilusão de felicidade, na verdade, se você for rico, vai ser solitário, frustrado, problemático, doente e infeliz. Muito cômodo tentar convencer o povo de que, no fundo, no fundo, eles estão melhor na pobreza. Pena que não é verdade. Mas esse povo é tão bunda que parece nutrir até um certo receio de enriquecer, como se com isso fosse ficar automaticamente infeliz. Parece que o dinheiro vem “amaldiçoado”. Todo pobre vai saber te contar alguma história de alguém que era muito feliz pobre e depois que ficou rico sua vida ficou toda cagada.

Infelicidades e desgraças pessoais todos passamos na vida. Só que quando se tem dinheiro para lidar com isso e se escorar nos melhores profissionais que possam te ajudar, as mais divertidas formas de lazer, as mais agradáveis distrações, os melhores remédios, as melhores comidas e tudo mais que o dinheiro pode comprar, o sofrimento se atenua. Ilusão de pobre pensar que o rico sofre tanto quanto ele. Sofre muito menos. Só que rico não é imortal. Uma hora os ricos morrem. E quando eles morrem a pobralhada aponta e grita “Viiiiu, Gislayne! Não adianta nada tê dinhêro, morreu de cânci que nem qui a gente!”. Ricos e pobres morrem, é verdade, mas os ricos vivem muito melhor e morrem muito melhor.

O grande erro é achar que APENAS dinheiro basta para assegurar a felicidade de alguém. APENAS dinheiro não basta. Mas ser feliz SEM dinheiro, ao menos aqui no ocidente, não acho viável. Porque infelizmente precisamos de dinheiro para ter alguns direitos básicos como saúde e educação. Então, se existe um grupo que está fadado à infelicidade e à doença são os pobres e não os ricos. Não que eu goste, não que eu ache bonito. Acho que todos deveriam ser ricos. Mas não é isso que acontece. Por isso me causa espanto que os mais fodidos apontem para os privilegiados e fiquem tirando onda. Que falta de bom senso, de senso do ridículo!

Está na hora de acabar com essa presunção de que se o sujeito é rico ele leva uma vida vazia, é infeliz no amor, tem problemas familiares e acaba adoecendo. Estas coisas acontecem tanto com ricos como com pobres, sendo que o rico tem muito mais chances de superar e reverter. Está na hora de acabar com esse recalque horrível e ridículo de comemorar quando um rico se fode e depois encher a boca para falar de Deus. Não estou defendendo Jobs, que era um desfavor ambulante, estou reprovando uma conduta genérica que estimula as pessoas a se sentirem gratas por não serem ricas. Mecanismo mais imbecil de contenção social!

Dinheiro infelizmente compra QUASE TUDO. Quando surge uma exceção que o dinheiro não compra, todo mundo aponta e grita fazendo parecer que é regra geral. Com isso a revolta em ser pobre diminuí e as pessoas se sentem compensadas por uma punição divina ou karmica contra os ricos. Está na hora dos pobres começarem a se revoltar com a desigualdade social e exigir outro padrão de vida, ainda que seja à força. Chega de se enganar, chega de romantizar pobreza e alimentar o mito que ser rico gera dor e sofrimento.

Se eu ouvir mais um infeliz repetindo que dinheiro não adianta nada e que Steve Jobs era rico e mesmo assim morreu de câncer eu vou dizer que pelo menos não morreu na fila do SUS. Só dinheiro não garante a felicidade, mas a falta de dinheiro com certeza a dificulta por demais.

Para dizer que Marco Luque é que deveria se recusar a gravar comercial da Claro ao lado do Ronaldo porque ele mancha a reputação dos outros com sua fama de TRAVEQUEIRO, para dizer que Steve Jobs não morreu e é tudo um golpe de publicidade da Apple ou ainda para fazer qualquer piadinha ou trocadilho com i-alguma-coisa: sally@desfavor.com


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