Siago Tomir: Aquela do aniversário.

Estava chegando o aniversário de Siago Tomir. Era tradição, todo ano nesta data Siago Tomir enchia a casa dele com seus amigos vagabundos a pretexto de dar uma festa. As festas na casa de Siago Tomir sempre acabam mal, tradição esta que persiste até os dias de hoje. Mas tudo piora no seu aniversário, porque o senso de reprovação é abrandado no dia do aniversário de alguém. Todos são mais permissivos com o aniversariante e ser permissivo com Siago Tomir é prenúncio da desgraça.

Três semanas antes Siago Tomir começou a anunciar que faria um churrasco para o aniversário dele. Estranhei, já que Siago Tomir mal faz seu próprio miojo. Fato: uma vez voltei mais cedo para casa e o flagrei comendo miojo cru, tal qual biscoitinho, só para não ter o trabalho de cozinhá-lo. Esta mesma pessoa que come miojo cru afirmava que faria um churrasco para mais de cinquenta pessoas.

Sally: Tem certeza que quer passar o seu aniversário esquentando a barriga em uma churrasqueira? Podemos contratar alguém…
Siago: Não tem necessidade
Sally: Tem certeza?
Siago: Tenho! Se precisar, você me ajuda?
Sally: Ajudo, claro…
Siago: Não faz o menor sentido pagar alguém só para jogar carne no fogo!
Sally: Se fosse só jogar carne no fogo nem existiram pessoas cobrando por isso, Siago. É um pouco mais complexo…
Siago: Deixa comigo, está tudo sob controle!

O triste quando você gosta de alguém é o número de segundas chances que acaba dando para a pessoa. No meu caso, milésimas chances. Se eu tivesse um pingo de bom senso, teria contratado alguém contra a vontade de Siago. Na véspera do seu aniversário fomos fazer as compras para o churrasco. O estresse já começou daí…

Siago: Isso já basta, né?
Sally: Se fosse para nós dois, sim
Siago: Como assim?
Sally: Siago, as pessoas comem
Siago: Isso não dá?
Sally: A média é de 500g de carne por pessoa
Siago: TUDO ISSO? São pessoas, não são leões!
Sally: Sim, considerando que a maior parte dos convidados são homens famintos, sim.
Siago: * palavrão
Sally: Se quiser podemos desistir e fazer outra coisa
Siago: Não! Vai ser churrasco!
Sally: Ok, então vamos levar mais carne
Siago: Dá frango para esses desgraçados!
Sally: Também vai ter frango, mas tem que ter carne de vaca, porra!
Siago: Um bife para cada um está mais do que bom
Sally: Aff
Siago: Não é churrascaria rodízio, Sally! É meu aniversário!

Compramos tudo: carnes, carvão e acompanhamentos. Eu, no meu papel de mulher, cuidei dos acompanhamentos: arroz, farofa, salada de batata, molho à campanha e ainda fui além, fazendo outros acompanhamentos e três sobremesas diferentes. Quando acabei, estava exausta e fui deitar. Para minha surpresa, acordo com barulho de coisas batendo na cozinha. Isso tinha um significado: Siago Tomir estava tentando cozinhar. O quarteirão todo acordava quando Siago Tomir tentava cozinhar: panelas caindo, copos quebrando, etc. Levantei para ver o que ele estava fazendo.

Sally: O que você pensa que está fazendo?
Siago: Shhhh! Churrasqueiro trabalhando!
Sally: Tomir! O que merda você está fazendo?
Siago: Salgando a carne, oras!
Sally: Porque?
Siago: Para que ela esteja bem temperada amanhã
Sally: Não se salga a carne na véspera!
Siago: Não?
Sally: Não
Siago: Porque não?
Sally: Porque o sal vai ressecar a carne!
Siago: Não concordo * tacando um punhado de sal na carne
Sally: Não é questão de concordar, é científico!
Siago: Então deixa para salgar amanhã?
Sally: SIM

Siago Tomir saiu da cozinha contrariado. Eu saí da cozinha preocupada. Quando uma pessoa não sabe que não se salga a carne na véspera, grandes chances que o churrasco seja algo parecido com uma sola de sapato. Fomos dormir com Siago resmungando que se a carne ficasse sem sal a culpa era minha.

No dia seguinte, minha parte estava toda pronta: acompanhamentos, sobremesas e gelo, que eu havia encomendado com antecedência. Siago Tomir insistiu em dormir até tarde sob o pretexto “é meu aniversário”, carta na manga que ele usaria durante todo o dia de forma abusiva. Conclusão: acordou tarde demais e teve que começar a preparar o churrasco correndo.

Sally: O que você está fazendo?
Siago: Cortando a carne
Sally: Não é assim que se corta
Siago: Não?
Sally: Não
Siago: É com os dentes?
Sally: É no sentido contrário às fibras, e a faca também está errada
Siago: Por que?
Sally: Porque não se usa faca com serra, ela estraçalha a carne
Siago: A outra não está cortando!
Sally: Por que tem que amolar a faca…
Siago: * cara de wat
Sally: Deixa que eu faço, vai…
Siago: Obrigado
Sally: Vai cuidar do fogo
Siago: Já?
Sally: Sim, tem que ser com uma certa antecedência
Siago: Por que?
Sally: Para queimar o carvão e criar brasas sem fumaça
Siago: Por que?
Sally: Sabe porque eu não tenho filhos?
Siago: Porque você tem medo que se a gente procriar venha a nascer o Anti-Cristo?
Sally: Não, para não ter que ficar respondendo a sucessivos “por que?”

Siago foi cuidar do fogo. Tem uma coisa que vocês devem saber sobre Siago Tomir, até por questão de segurança se um dia vierem a conhecê-lo pessoalmente. Siago Tomir é piromaníaco. Siago Tomir é um incendiário que deu certo na vida. Siago Tomir taca fogo nas coisas com um prazer Dexteriano. Lá foi ele em direção à churrasqueira. Comecei a ouvir uns barulhos estranhos.

*Chuiiiiiiif! Chuiiiiiiiiiiiiif!

Sally: Siago, que porra é essa? Tá assoando o nariz na churrasqueira?

*Chuiiiiiiif! Chuiiiiiiiiiiiiif!

Fui ver o que estava acontecendo e me deparo com Siago Tomir esguichando litros de álcool na churrasqueira. O carvão praticamente boiava.

Sally: Mas que porra é ess…
Siago: Vai dizer que a Madame não usa álcool?
Sally: Nem “a Madame” nem ninguém que entenda de churrasco!
Siago: Eu tentei colocar fogo direto no carvão, mas não pega!
Sally: Puta que te pariu, Siago…
Siago: Dá para me ensinar alguma técnica milenar argentina?
Sally: Uma camada de jornal, uma camada de carvão, uma camada de jornal, uma camada de carvão…
Siago: Ok, vou fazer e depois te chamo

15 minutos depois…

Siago: Pronto, uma de jornal, uma de carvão
Sally: Só que o jornal era na forma de bolinhas amassadas
Siago: Porque?
Sally: PORQUE NÃO É PARA CACHORRO MIJAR, precisa se oxigênio!
Siago: Ok, vou amassar
Sally: Depois é só atear fogo na primeira camada de carvão
Siago: Essa?
Sally: NÃO, a primeira é a de baixo!
Siago: Está rasgando…
Sally: ESTÁ MOLHADO?
Siago: Talvez eu devesse ter secado o álcool…
Sally: * palavrão
Siago: Desculpa se nem todos conhecemos as técnicas milenares de churrasco argentino…
Sally: Sai! Sai daí que eu faço
Siago: NÃO! O FOGO É MEU

Siago riscou um fósforo e jogou na churrasqueira. Uma labareda enorme subiu e chamuscou parte da sua mão. Siago começou a berrar.

Siago: MINHA MÃO! MINHA MÃÃÃÃÃO!
Sally: Coloca debaixo de água corrente…
Siago: MINHA MÃO!
Sally: Não foi grave, vai ficar uma bolha, só isso…
Siago: MINHA MÃO! EU PRECISO DA MINHA MÃO PARA TRABALHAR!
Sally: Todos nós
Siago: Não estou brincando, Sally! Está doendo!
Sally: Que bom, assim você nunca mais esquece e não repete a merda
Siago: *palavrão
Sally: Para você também
Siago: * palavrão
Sally: Que Deus te dê em dobro, viu?

As pessoas começaram a chegar. Siago Tomir enfaixou a mão até o cotovelo, sendo que o resultado da queimadura foi apenas uma bolha do tamanho de uma tachinha no dedo mindinho. Comecei a preparar pão de alho, pães de queijo e outras entradas. Sugeri a Siago que comece a salgar e colocara carne para assar. Quando vi o que ele estava fazendo, quase entrei em desespero.

Sally: O que você está fazendo?
Siago: Quantas vezes eu vou ter que escutar essa frase hoje?
Sally: Quantas vezes fizer coisas bizarras!
Siago: Estou furando a carne para o tempero entrar melhor
Sally: Não se faz isso
Siago: Não?
Sally: NÃO! A carne tem que ser assada inteira, fechada, lacrada
Siago: Tem certez…
Sally: Sai! Sai! Deixa que eu faço!

E assim prosseguiu o churrasco. Eu fazendo tudo, Siago Tomir fazendo merda ou não fazendo nada. Fiz sozinha um churrasco para mais de cinquenta pessoas, com a maquiagem derretendo, o pé inchando por causa do salto alto e Siago Tomir servindo carne com os dizeres “Toma, prova o churrasco que EU fiz”.

Siago: As pessoas estão gostando do nosso churrasco…
Sally: Nosso?
Siago: Nosso, afinal, você também ajudou, os méritos não são todos meus
Sally: Como você é generoso…
Siago: Viu? E você ainda me chama de egoísta quando a gente briga!
Sally: Aproveita, então, Sr. Generoso, e assume aqui a churrasqueira, agora que você aprendeu como se faz
Siago: Não posso, tenho que dar atenção aos meus amigos, seria rude
Sally: Se você queria dar atenção a eles, deveria ter contratado um churrasqueiro! Rude é me deixar aqui horas e horas!
Siago: Você é que é egoísta, Sally! Você disse que ia me ajudar!
Sally: AJUDAR não é fazer tudo sozinha!
Siago: É meu aniversário!

Siago Tomir deu as costas e se juntou a seus amigos repulsivos, que ficavam gritando por comida tal qual hienas famintas.

Alicate: Bora com isso aí, Sally!
Sally: *bufando
Beto: Já estamos ficando tontos de tanto beber sem comer!
Siago: O Jão já começou até a desafiar as pessoas!
Jão: Duvida eu chupar esse limão?
Sally: Duvido você esfregar esse limão no rosto e ir para o sol!
Jão: *esfregando
Siago, Alicate, Beto: * rindo
Sally: Toma, mais carne…
Alicate: Eu não quero isso! Eu quero coração de galinha!
Beto: E eu quero lingüiça!
Jão: *deitando no sol
Sally: Já vou trazer o resto…
Siago: Essa é a minha patroa *dando tapa na bunda
Sally: *palavrão mental

Passei exatas sete horas de pé assando carne para os amigos do Somir. Quando eu achava que nada poderia piorar, começou a anoitecer. Enquanto Beto e Alicate jogavam no chão as brasas que haviam sobrado do churrasco para o Jão andar nelas, Somir se escorava completamente bêbado na minha direção.

Siago: Nosho chooorrasco foi um shucessoooo…
Sally: Nosso?
Siago: É, voche ajudouuu
Sally: *olhando para a faca
Siago: É meu aniversháááárioooo
Sally: Tô sabendo
Siago: Alicate falou que tem uma shuuurpresa para mim…

Comecei a ficar realmente preocupada. Primeiro por existir uma surpresa vinda do Alicate, segundo porque todos exceto eu estavam terrivelmente bêbados. Alicate foi se arrastando até o seu carro e abriu o porta-malas. Fui até a cozinha levar os pratos sujos e pegar as sobremesas. Quando voltei, vi uma cena aterrorizante: Alicate havia distribuído uma espécie de fogos de artifício pelo quintal, uns colados nos outros, inclusive alguns de cabeça para baixo e tentava riscar um fósforo para começar a acender o primeiro da fileira.

Peguei Siago Tomir (que vagava sem rumo) pelo pescoço e me tranquei com ele do lado de dentro da casa. Não sei que porra era aquela, mas nunca tinha visto fogos daquele tamanho. Alguma alma burra deu um isqueiro para Alicate e ele finalmente conseguiu tacar fogo naquela merda. Reveillon de Copacabana perde para o que aconteceu naquele quintal.

Os fogos que explodiram para cima não subiram muito por causa das árvores. Alguns incendiaram as árvores e outros bateram e voltaram mais rápido que o desejado, explodindo na cabeça dos convidados, que estavam bêbados demais para fugir com agilidade. Os fogos que foram posicionados de cabeça para baixo acabaram explodindo na horizontal, criando um tapete de chamas no gramado. O cabelo de uma periguete com aplique pegou fogo enquanto ela rolava pelo chão do quintal. Siago Tomir tentou sair da casa mas eu não deixei.

Pessoas gritando, coisas pegando fogo, Alicate rindo… até perceber que a manga do seu casaco também estava em chamas. Liguei para os bombeiros com uma das mãos e com a outra segurava Siago Tomir. As árvores da casa de Tomir todas estavam em chamas, parecia um filme de terror. Os vizinhos todos estavam em volta da nossa casa tentando entende o que tinha acontecido. Em poucos minutos estava tudo coberto de fumaça. Por sorte, os bombeiros chegaram rápido.

Bombeiro: Quem é o responsável por esta festa
Sally: * apontando para Alicate
Bombeiro: Quem é o dono da casa
Sally: Eu sou a dona da casa
Bombeiro: A Sra. tem ciência de que este material é ilícito ? *segurando um pedaço de algo queimado
Sally: Você tem que tratar disso com aquele rapaz ali, eu só aluguei minha casa para ele, não tenho nada com isso
Bombeiro: Uma viatura da polícia está chegando
Siago: É meu anivershháááAAAAI! Vochê me bateu Sally!
Sally: Vai tomar um banho
Siago: Eeeeeiii!
Sally: Vai tomar um banho AGORA para acordar
Siago: Não
Sally: *sorrindo para o bombeiro
Siago: * braços cruzados
Sally: Só um minutinho, por favor…

Arrastei Siago Tomir e o atirei debaixo do chuveiro gelado com roupa e tudo, enquanto escutava uma ambulância chegando. Policiais vieram falar comigo.

Sally: Como eu ia dizendo, alugamos o quintal para aquele rapaz
Policial: A senhora tem ciência que há menores de idade embriagados?
Sally: Eu não tenho ciência de nada, só aluguei a minha casa e eu não participei da festa, não bebi uma gota de álcool e estou disposta a fazer o teste do bafômetro para provar isso
Policial: Seu marido, onde está?
Sally: Ele está no banho
Siago: SALLY! EU TÔ DE ROUPAAAAAA! EU TÔ MOLHADOOOO!
Policial: Vou precisar que me acompanhem até a delegacia
Sally: Sem problemas

Quando estávamos saindo, dois policiais que estavam do lado de fora fizeram um sinal para os policiais que estavam me acompanhando.

Policial: Parece que não será mais necessário
Sally: Oi?
Policial: Tudo já foi esclarecido
Sally: Foi?
Policial: Perfeitamente. Foi um acidente envolvendo a churrasqueira
Sally:
Policial: E uma garrafa de álcool
Sally:
Policial: Gerou uma explosão, mas já está tudo sob controle
Sally: Ok
Policial: Sejam mais cuidadosos da próxima vez

O circo acabou. Quem estava machucado foi levado para o hospital e os demais continuaram no quintal.

Alicate: Pode falar… eu sou FODA
Sally: O que você fez?
Alicate: Dei dinheiro
Sally: Quanto?
Alicate: *fazendo sinal com os dedos
Sally: PORRA! TUDO ISSO?
Alicate: Resolveu, não resolveu?
Sally: O que você estava fazendo com tanto dinheiro no bolso?
Alicate: Não peguei do meu bolso
Sally: Pegou de onde?
Alicate: Da sua bolsa
Sally: O QUE?

Nisso aparece o Somir, ensopado, com a mesma roupa e sapatos com os quais entrou no banho:

Siago: Esthou pronto, esthou shooobrio, vamosss para a delegacia?

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