Des Contos: Pavio curto.

SEMANA DOS FRACOS: Fraco até em comentários. Para comemorar o Dia dos Fracos aqui na RID, apresentamos uma série de cartas de Sallilah e Somirberg, dois judeus infiltrados no Partido Nazista. O plano? Criar um Estado Judeu. O problema? Hitler está cooperando, o resto dos judeus não.

1º DE SETEMBRO DE 1939

Quanto mais nós tentamos consertar, pior fica. Já me perdoem com antecedência pelo longo tempo sem correspondências, estávamos em estado de alerta por causa do planejamento para a invasão da Polônia. Não podia sequer ir ao banheiro sozinho. Por sorte os outros oficiais não são tão curiosos sobre a genitália alheia quanto o Führer.

Agora que o exército já está se engalfinhando com os polacos, consegui alguns momentos de paz. Como extensamente relatado em correspondências anteriores, não estamos conseguindo expatriar nem uma fração dos judeus presentes aqui na Alemanha. Presumimos que era falta de chances práticas e montamos umas cinco linhas diferentes de fuga. Coisa de primeira, já aviso. Baixo risco, conforto… vale mesmo todo o dinheiro que estamos cobrando.

A adesão foi muito baixa. Teve gente desistindo porque não demos desconto, isso na porta do trem! Também atrapalhou a desconfiança (até que razoável) que muitos dos nossos criaram com trens cheios de judeus. A situação está complicada, mas ainda não é o fim do mundo. Estamos tentando botar o máximo de pressão possível sobre os nossos usando a máquina de propaganda do regime nazista, ainda bem que não estão pagando por cartaz ou filme, porque já está me irritando profundamente que aquele almofadinha do Goebbels fique com o crédito de tudo.

Morreram muitos dos nossos naquela situação terrível com o garoto no ano passado, mas eu estou muito perto de convencer Hitler a mandar todos os judeus embora à força daqui. Preciso de apoio, contanto. Nem mesmo as colônias africanas estão aceitando receber os judeus. Acordos com os britânicos e os franceses também estão bem complicados. Ainda não é a nossa nação, mas já é um começo.

Eu vou tentar manter Hitler concentrado na Polônia o máximo de tempo possível, lá temos pelo menos quatro vezes mais judeus, mas a maioria não tem muito dinheirra. Eles que segurem a bronca um pouco, os nazistas vão fazer o quê? Matar todo mundo?

Enquanto isso, ajudem a costurar um acordo pelo lado inglês ou francês para receber os judeus. É de vital importância manter as relações entre a Alemanha e eles estável o suficiente para termos um acordo, tudo bem?

3 DE SETEMBRO DE 1939

Bom, as coisas ficaram um pouco mais complicadas, não? Adolf não vai arredar o pé agora que declararam guerra. Só fiquei sabendo agora, mas os russos estão incluídos nessa jogada até o pescoço. Stalin assinou um tratado de não agressão com os nazistas e vai invadir a Polônia pelo outro flanco. Hitler está extremamente confiante e seguro que daquele lado as coisas estão sob controle. Mas Lênin achava o mesmo, não?

Como é bem menos vigiada, pedi para Sallilah entrar em contato com algumas das outras lideranças judias disfarçadas aqui na região. Estamos vendendo documentação “raça pura” para muitos nos últimos dias. Vendendo apenas porque temos custos, é claro. Embora eu ache que Sallilah não está me repassando todo o dinheirra. Ela que me aguarde quando souber a parte dela no aluguel do futuro Surinameberg.

Mas eu estava falando sobre o possível extermínio de judeus… também importante. Começo a ter a impressão, baseado nos relatos dela, de que essa missão está prestes a falhar de vez. Os intelectuais já fugiram, os mais abastados estão faturando muito com as indústrias militares, e apenas aqueles que não podem contribuir com nosso Estado estão sendo perseguidos de verdade.

Depois daquela maldita crise causada pelos ianques (nada pessoal, viu?), só quem conseguiu entrar para a máquina da guerra está faturando. Eu tenho uma pequena participação numa fábrica de munição, claro, só para manter o disfarce. E também para manter o disfarce, eu fiz questão de não inflacionar demais o preço dos meus produtos com as informações sobre os primeiros movimentos da invasão polonesa. Mesmo assim, foi um perigo: Quando eu e os outros altos oficiais começamos a falar sobre nossos investimentos, os meus estavam rendendo tão bem que um deles até me chamou de judeu. Ri de forma um pouco nervosa…

A guerra parecia uma boa forma de tirar a massa de soldados entediados de cima dos nossos e mandar para cima dos nossos mais pobres, mas mais uma vez as coisas estão funcionando de forma contrária ao planejado. Como é que vamos tirar os judeus com participações nas empresas produzindo munições, tanques e carros de um país em guerra?

26 DE DEZEMBRO DE 1939

Ontem eu fui obrigado a participar da comemoração do Natal junto com meus ímpios colegas de nazismo. Tenho a impressão que meu disfarce está cada vez mais arriscado. Numa celebração estranha chamada Amigo Secreto, fiquei encarregado de presentear o Führer em pessoa. Ninguém mencionou nada sobre a natureza do presente em questão, então eu o presenteei com uma gravata que estava juntando poeira em meu armário. Eu não pretendia usar (no máximo pegar emprestado às vezes), e achei que combinava com ele.

Infelizmente, os alemães parecem dedicar uma considerável quantia de seus rendimentos para comprar esses presentes. Recebi uma Mercedez de um médico chamado Joseph, e olha que esse nem foi o presente mais caro distribuído na cerimônia. Quando Hitler abriu a caixa com a gravata, todos olharam para mim. Posso jurar que até a música parou…

Foram momentos tensos. Adolf me fuzilava com o olhar. Goebbels aproveitou a deixa e disse que aquilo tinha sido muito judeu da minha parte. Nenhuma risada. Foi quando Sallilah salvou meu disfarce, e minha vida.

“Essa é a gravata de Otmar Von Aryan?” – A atenção subitamente se voltou para ela. Servindo vinho para um convidado, ela me encara com um sorriso inquisitivo. Por sorte, eu fui capaz de perceber suas intenções.

Perguntei se ela entendia de arte, o alívio de Sallilah me provou que eu tinha entendido de verdade o plano. Daí para frente, foi fácil. Adolf era muito orgulhoso para admitir que não sabia quem era Otmar Von Aryan, e com minha história sobre os sacrifícios e o custo exorbitante para conseguir a relíquia, acabei saindo como herói da noite. E se o Führer diz que conhece, quem vai questionar?

Difícil mesmo vai ser não rir quando ver a gravata enquadrada na parede. Pena que essas histórias vão ter que ser omitidas da minha versão dos acontecimentos… Mas o importante é que apesar do risco, agora eu caí de verdade nas graças de Adolf. Estou trabalhando para que ele se ache imortal, invencível e inquestionável. Vamos ver quantos países ele pode invadir antes do poderio militar se esvair nos diversos frontes.

3 DE MAIO DE 1940

Eles estão MESMO matando todo mundo! A situação na Polônia está absolutamente fora de controle. Estão caçando os ciganos, os doentes, os deficientes, os alegres, os prisioneiros das resistências… Vocês tem ideia do trabalho que vai dar diminuir o impacto dessas mortes na versão oficial da história? Estou contando como judeu até quem passou na frente de uma sinagoga uma vez na vida… Se os outros grupos quiserem reivindicar reparações, que façam suas próprias contas!

O plano vai ter que ser adaptado. Fiz o melhor que pude para incentivá-lo a espalhar as tropas, mas os judeus não se unem, os inimigos não se mexem e as sugestões que eu dei para tornar os tanques das minhas fábricas mais caros os tornaram praticamente invencíveis. Eu sou um homem de ideias! É mais forte do que eu.

E para adicionar ao desamparo, Sallilah embarcou para o Japão semana passada. Ela diz que conseguiu investidores para uma fábrica de aviões por lá, e disse que vai ser um dos negócios mais movimentados da década. Eu acho um absurdo que logo agora ela saia daqui e me deixe com a crise no colo! Isso quer dizer que ela tinha sim dinheirra escondido e participação nas fábricas de munição, e pior ainda: Não quis me colocar no negócio junto!

No meu estágio atual, só me resta pressionar o máximo possível por uma invasão precipitada no fronte francês. As tropas vão receber muita resistência, afinal, são os franceses! E com isso é bem capaz da Inglaterra finalmente se animar e partir para cima. Se essa guerra acabar com qualquer outro resultado que não seja a derrota nazista, nós vamos exigir um Estado de quem? Dos ianques? O país mal consegue ficar de pé por conta própria, quanto mais ser um parceiro para financiar nosso povo.

Estou com um bom pressentimento. O jogo vai virar assim que eu conseguir convencer Adolf a partir para cima da França com tudo o que tem!

22 DE JUNHO DE 1940

O que eu fiz para merecer isso? Sério! Eu cobri minha tatuagem da Estrela de Davi à toa? Como eu posso ter meu Estado se ninguém enfrenta o exército do Hitler? Como eu vou pagar os imensos débitos que adquiri ao comprar metade do território surinamês? Eu pretendia contar para vocês na hora certa. O aluguel vai ser bem baratinho, não se preocupem.

Preciso de um tempo para espairecer. Vou fazer um giro pelos museus franceses… Ouvi dizer que o preço das obras de arte está um roubo!

Para dizer que se mencionássemos mais coisas que você viu em filmes seria mais fácil acompanhar, para dizer que é capaz de tomarmos o primeiro processo da RID depois dessa semana temática, ou mesmo para pentelhar sobre o gentílico do Suriname: somir@desfavor.com

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