Ele disse, ela disse: Nossa luta.

SEMANA DOS FRACOS: Para comemorar o Dia Nacional dos Fracos na República Impopular do Desfavor, trazemos uma série de cartas escritas por antepassados nossos na época da Segunda Guerra Mundial. Sallilah e Somirberg são dois judeus infiltrados em pleno partido nacionalista alemão. Os dois tem um plano: Criar um país onde possam ser reis. E para financiar esse plano, a dura tarefa de convencer outros judeus a abrirem a mão.

O ano é 1924, estamos na Alemanha. Somirberg está empolgado com a proximidade da liberação de Adolph Hitler de uma prisão bávara. Após o fracasso no golpe para tomar a Alemanha, o ex-líder do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães virou alvo de muito estudo por parte de Sallilah e Somirberg. Enquanto ele acha que Hitler vai ser a marionete perfeita para executar o plano, ela tem a sensação de que as coisas não vão dar tão certo assim…

Tema de hoje: Será que esse tal de Hitler é de confiança?

SOMIRBERG

A vida é feita de investimentos, e investimentos presumem riscos. Se você quer lucrar, vai ter que se arriscar. Vejam bem, o nosso plano já é arriscado por si só, só estamos dispostos a levá-lo em frente por ter mentes brilhantes como a minha mitigando as chances de erro.

Afirmo categoricamente que apoiar Adolph é o meio mais seguro e eficiente de seguir com a nosso planejamento. Não estamos preparando o terreno para um grande sentimento antissemita em toda a Europa para incentivar os nossos a financiar uma grande nação judia? Uma pessoa simplória poderia considerar essas ações absurdamente arriscadas, mas nós enxergamos além.

É um investimento. E o risco está calculado. Se a ideia não faz tanto sentido agora, que pelo menos me concedam o benefício da dúvida. Não sou do tipo que se gaba, mas a brilhante decisão de afastar aquele físico excêntrico de nosso grupo foi resultado de uma sugestão minha. Albert não se dedicava realmente à causa, e não é como se ele fosse nos dar uma arma para vencer todas as guerras, não é mesmo? Investimos onde existe a possibilidade de retorno.

E Adolph é puro retorno! Queremos alguém que crie uma instabilidade a curto prazo na Europa, alguém que cative milhões e praticamente obrigue as outras lideranças judias a criar um Estado só nosso. Antissemitas existem aos borbotões, mas eles são uma mera ralé desorganizada no momento. Ninguém os leva a sério. Um dos meus tios ganha dinheirra vendendo capachos com a estrela de Davi! Sim, eu tenho uma participação no negócio, mas esse não é o ponto.

Se vocês tivessem visto Adolph discursando em pessoa, saberiam como ele tem o potencial necessário para virar este continente de cabeça para baixo. Tal qual uma serpente, ele hipnotiza e transforma em presas fáceis quaisquer membros da ralé germânica em seu caminho. Na posição de membro infiltrado, pude testemunhar salões lotados perdendo o fôlego após repetir em êxtase as palavras de ordem proferidas por ele. E o melhor: Adolph ADORA essa adulação. Ele não vai mudar de ideia ou trocar de lado. Precisamos de alguém focado e estável para fazer o papel de líder do movimento antissemita.

Embora não seja exatamente um primor no campo intelectual e provenha de berço pobre, Adolph acredita ser um gênio de gosto refinado. O energúmeno orgulhoso é de longe o melhor alvo para manipulação. Não consegui vender um estoque de peles de porco em estado de quase putrefação dizendo que eram iguarias parisienses? Não se animem, já gastei tudo com o tratamento da minha pobre tia Hannah, então não estou com disponibilidade para empréstimos.

De qualquer forma, basta trabalhar com suas aspirações de grandiosidade para levá-lo a qualquer direção. Adolph é maleável, e… por favor… as alegações de que ele é perigoso são no mínimo risíveis. Conheço o tipo: Idealista sensível que se acha muito corajoso por ter se escondido em algumas trincheiras na Guerra. Eu posso até ter mudado meu nome para Ethel e usado uma longa peruca dourada durante o alistamento, mas experimente ser descendente do povo mais perseguido da história por um dia e depois venha me falar sobre coragem, não é mesmo? Eu tenho um povo para defender!

Mas como eu ia dizendo: Adolph é tudo, menos perigoso. Vamos começar com o “lado artístico”. O rapaz pintava paisagens pouco inspiradas, sonhava em ser artista, mesmo sendo rejeitado duas vezes pela escola de arte. Alguém aqui tem medo do Monet? Ou do Van Gogh? Se bem que aquele Van Gogh não era muito bom da cabeça. Já disse para vender todos os quadros dele o mais rápido possível? Uma fonte segura me disse que não vai valorizar mais do que o já vale. Um conhecido meu está comprando, é hora de aproveitar, eu passo o contato para vocês, ok?

Eu fico perdendo a linha… Perdão. Mas Adolph é tão inofensivo que meu senso de urgência se perde. Já disse que ele é vegetariano? Ele não come carne (nem se for kosher…) porque… estão preparados? Ele não come carne porque não aceita o sofrimento dos pobres animais! É ou não é para rir do medo de Sallilah? Não sei quanto a vocês, mas se é para ser perseguido por alguém, que seja por alguém que não consegue matar nem uma galinha.

Religioso o rapaz, também. A família toda era católica, vai na Igreja regularmente. Quando ele fala de Alemanha pura, sempre diz que o tal de Jesus era ariano e que defendia os mesmos valores que os deles (lutar contra nós)! E nós sabemos como os batinas funcionam: Se ele começar a matar ovelhas e diminuir a arrecadação, vai tomar pressão na mesma hora. Sem contar que o Vaticano está no nosso bolso faz tempo. Só tem algum perigo se aquele maluco do Pacelli virar papa e acabar apoiando o partido nacionalista.

E como cereja no bolo, ainda é feroz inimigo dos comunistas. O que é ótimo para nossos futuros negócios.

Colegas… Adolph é sensível, estudado, metido a artista, vegetariano, religioso… Não tem UM vício sequer! Vocês não vão me fazer a desfeita de recusar a minha sugestão por causa de uma mulher assustada (Sallilah tem medo até de insetos), não é mesmo? Ele sai da cadeia, nós começamos a fortalecê-lo politicamente, e assim que ele estiver numa posição alta no poder, os judeus vão se unir e vamos criar um país no terreno que eu já estou especulando na ensolarada e naturalmente abundante América do Sul. Temos pouco tempo para tomar essa decisão.

Digam-me… O que pode dar errado?

Para dizer que não resta outra alternativa a não ser se render à genialidade do plano, para dizer que prefere ignorar a história e acreditar que Hitler era ateu para ter ALGO para dizer, ou mesmo para dizer que merda de vegetariano sempre fede mais: somir@desfavor.com

SALLILAH

Eu sempre tento avisar! Sempre! Mas não adianta, Somirberg é teimoso e só faz o que ele quer! Isso não vai dar certo, está na cara que estamos correndo um tremendo risco: o rapaz acaba de sair da prisão, não sabemos muito bem como ele vai se posicionar e em uma primeira análise, me parece um tipinho subcelebridade complexado louco por fama e poder. Não gosto de gente assim. Eu sei que o mais seguro seria contratar alguém para nos ajudar nesta empreitada, mas sinto uma dor no peito, uma falta de ar só de pensar em gastar dinheirrra…

Vejam bem, nada contra o plano de Somirberg, o plano é bom: criar um Estado nosso usando a dinheirrra dos outros. Porque qualquer coisa usando a dinheirrra dos outros me interessa. O problema é a pessoa escolhida para nos ajudar. Não confio nele, esse livrinho de autoajuda que ele acaba de lançar é vergonhoso, ele tenta levar crédito por uma série de ideias que nem ao menos são dele! Como se não fosse a coisa mais comum do mundo colocar a culpa em nós pela incompetência militar e por um desempenho bélico que deixe a desejar! Estão todos fazendo isso.

Sim, Adolph é eloquente e pode ter algum poder de persuasão, mas é um recalcado. Gente recalcada é sempre um perigo. Olha para a vida dele! Toda cagada! Esse complexado pode dar muito trabalho. Começa que ele foi fruto de um relacionamento extraconjugal de um homem com sua prima, o que por si só já gera um complexo de inferioridade e impureza. Para piorar, de seis irmãos ao todo, apenas ele e mais uma sobreviveram, o que me leva a crer que saúde também não seja seu forte, gerando ainda mais preocupação. Já imaginou se com o plano em andamento o filho da puta adoece? Ele acaba de sair da prisão, nós é que teríamos que gastar dinheirrra no tratamento dele! Gastar dinheirrra não! Sinto até uma taquicardia.

Além disso, o rapaz é meio estranho: esse amor desproporcional pela mãe somado ao desejo incontrolável de ser artista, que só piorou com a morte de seus pais me passa a impressão de que ele não tem a estrutura emocional necessária para o nosso plano. Além disso, outros complexos atormentam sua mente, pois o rapaz é praticamente um rejeitado profissional: primeiro o pai se recusando a aceitar que ele fosse artista, depois duas reprovações seguidas na Academia de Artes de Viena e ainda foi rejeitado pelo serviço militar do exército Austro-Húngaro por ser considerado fisicamente inapto. Como deve ser a cabeça de alguém com esse histórico?

Ele é um perdedor tão fodido, mas tão fodido, que chegou a viver um tempo em um abrigo para mendigos. Vocês tem ideia do que acontece quando você dá algum poder, por menor que seja, para um perdedor, rejeitado e complexado? Basta olhar para seu histórico: ninguém nunca lhe deu muita moral. Mesmo aceito pelo exército alemão, era utilizado como mero mensageiro. Convenhamos que sanidade mental não é seu ponto forte: se porta como se fosse alemão e não é, se porta como se fosse loiro e alto e não é, se porta como se fosse inteligente e seguro e não é. Esse sujeito é um fracassado que se tiver um mínimo de poder nas mãos vai fazer merda.

A maior prova disso foi a cagada que fez naquela risível tentativa de tomar o poder, em um plano descompensado, mal feito e precipitado que lhe rendeu a prisão. Esse parece ser o tipo de pessoa certa a usar como peão no nosso pequeno jogo de xadrez? Não passa de um macaco austríaco com uma navalha, um maluco sem bom senso. Nunca se sabe o que pode sair da cabeça de um maluco recalcado.

Somirberg insiste em ressaltar que o comportamento submisso de Adolph na prisão comprova o quanto ele é covarde e controlável, mas eu não estou tão certa que ele seja assim em liberdade. Um amigo em comum reforçou esta ideia de frouxidão dizendo que a cela onde Adolph estava preso mais parecia “uma loja de doces” e que ao contrário dos demais detentos, não se interessava por cigarros e sim por chocolates, mas eu não sei, pobreza é uma mazela terrível que deixa sequelas indeléveis. Não gosto de contar com pobres, cedo ou tarde eles causam problemas.

Além disso, Adolph é o tipo de pessoa incapaz de assumir as merdas que faz. A culpa é sempre do outro. Dotado de uma paranoia preocupante, vê inimigos imaginários por todos os lados. Não sabemos quando e o quanto ele vai se voltar contra alguém, o que é preocupante, pois se alguém tem que ser vítima, somos NÓS, APENAS NÓS! Vai que esse papo de “remoção irrevogável de todos os judeus” acaba se estendendo a mais alguém? Perigoso, muito perigoso, inclusive porque já tive notícias dele se voltando contra outros grupos. Não tolero dividir minha vitimização com ninguém! Se for o caso de trabalharmos com esse menino, sugiro que ao menos façamos algo para enervá-lo bastante, de modo a assegurar que nosso povo seja seu único alvo .

Eu sei que ele já nutre uma pequena antipatia pelo nosso povo por ter sido solenemente rejeitado em sua adolescência por aquela conhecida nossa… como era mesmo o nome da moça? Stephanie eu acho. Perdeu a linha, stalkeou a menina, ameaçou sequestrá-la e no final, como todo descompensado, quando viu que não tinha jeito, veio com aquele papo de se suicidar no rio Danúbio. Também sei que a condição de “preso” pode conferir uma carta bravura à imagem derrotada de Adolph, pois certamente ninguém saberá das regalias que ele tinha na prisão, mas ainda assim, acho que existem melhores candidatos ao papel que Somirberg deseja outorgar-lhe.

Agora cá entre nós, temo que essa experiência de rejeição o tenha traumatizado para todo o sempre com as mulheres. Sei de fonte segura (minha amiga Marie, um tanto quanto… dada) que Adolph só possuí um testículo. Adora escrever poesias. Adora pintar. Prefere doces a bebidas e cigarro. Tem adoração por sua cachorra e a leva consigo para cima e para baixo… sei lá, essa porra não é viado não? Tô achando que ele dá ré no croquete. Pelo visto, além de estragar nosso plano por ser um pobre, complexado e mentalmente instável, ainda há o risco de um atrito direto com Somirberg caso Adolph lhe faça algum tipo de investida. Tenho o pressentimento de que isso não vai dar certo.

Para fazer piadas politicamente incorretas, para lamentar que os protagonistas dessa historia não tenham sido argentinos ou ainda para reclamar de mais uma semana temática cujos textos você percebe menos de 10% das referências: sally@desfavor.com

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