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Sonhos.

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| Sally | | 152 comentários em Sonhos.

Os americanos tem um ditado que eu gosto muito: “Happywife, happylife”. Em uma tradução livre significa: “esposa feliz, vida feliz”. Ou seja, se você quer uma vida boa, harmônica e sem muitos problemas, o primeiro passo é manter sua esposa ou sua companheira feliz. Não que a felicidade de uma mulher deva ser condicionada a um homem, jamais. Burro aquele que atrela sua felicidade a terceiros. Escolhi a frase para abrir a postagem de hoje porque me parece que falta um pouco dessa boa vontade no homem brasileiro. Falta a consciência de perceber e respeitar o querer alheio.

Você, Amigo Cueca, pense comigo: qual era seu sonho de infância? Talvez ser astronauta, policial, cowboy ou algum tipo de herói. Quando você foi crescendo, como esses sonhos foram se transformando? Um super-herói que podia salvar o mundo? Umesportista famoso e respeitado por todos? Uma pessoa bem sucedida, reconhecida como vencedora? Normalmente os sonhos dos homens vão evoluindo até chegar a um denominador comum: reconhecimento, sucesso, poder, dinheiro e/ou fama. E isso geralmente se traduz pelo seu trabalho ou ofício, seja ele um neurocirurgião, seja ele um jogador de futebol. No fundo o desejo costuma ser o mesmo: ser reconhecido como um sucesso, como alguém que é bom no que faz.

Infelizmente, para as meninas a história é, ou melhor, era, um pouco diferente. Quem foi criança como eu na década de 80, ganhava um fogãozinho de brinquedo, uma boneca estilo bebê e outra boneca estilo Barbie. Desde pequena era estimulado brincar de cuidar, brincar de ser uma família, brincar de casar. Isso é bom? NÃO, isso é PÉSSIMO e eu discordo totalmente. Se tivesse uma filha faria tudo diferente, mas era assim que as coisas eram e o fato de eu abominar não faz com que o tempo retroaja e as coisas mudem. A realidade que lhes apresento é essa: meninas cujo sonho de infância é ter um marido, ter filhos, ter uma família. Quem já foi contaminado, leva isso dentro de si em maior ou menor grau. Espero sinceramente que isso esteja mudando nas crianças de hoje.

Mas como você, Amigo Cueca, não vai se relacionar com as crianças de hoje, se não vai ser preso por pedofilia, vamos conversar um pouquinho sobre a sua realidade? Como você se sentiria se alguém sambasse em cima do seu sonho de ser bem sucedido, de ser reconhecido profissionalmente, se ter seu talento elogiado? Certamente muito mal. Agora imagina se quem fizesse isso fosse a pessoa que você ama e confia: sua parceira. O quanto a mais isso te doeria? Suponho eu que bastante. E se além disso tudo, a pessoa que te proporcionou essa frustração ainda te ridicularizasse e achasse uma grande besteira esse seu querer, quão dolorosa a coisa se tornaria?

Sim, eu sei. Vai ter muita feminista de cabelo em pé se ler alguns trechos fora de contexto. Leiam tudo, por favor. Não acho bonito mulher depender de homem para ser feliz e não é isso que venho colocar na mesa para ser debatido. O foco deste texto é: concordando ou não, achando bonito ou não, querendo ou não, muitas mulheres nasceram e foram programadas para entender como realização um casamento, uma vida a dois, uma família. Tomara que elas lutem contra isso e consigam novos quereres. Mas se não, será que tendo ciência disso, com esta informação esmiuçada aqui, Vossas Excelências os Homens poderiam ter um cuidado um pouco maior com os relacionamentos?

Jamais defenderia alguém ficar com uma pessoa que não ama ou qualquer outra forma de mentira. Verdade, sempre. O que defendo é que tratem o relacionamento com mais respeito, com mais consideração, tendo em vista que ele pode sim representar o sonho de infância daquela mulher. Dificilmente uma mulher pisoteia o sonho de infância de um homem, mas rotineiramente homens tratam com descaso e desamor o sonho de infância de mulheres.

Vai ter quem diga que podemos lutar contra essa “programação social”. Sim, eu concordo, podemos tentar lutar contra, olha aqui a pessoa cuja identidade tem escrito “solteira” aos 35 anos e não tem filhos. Pessoa que ganhou um bebê quando ainda era um bebê. Pessoa que ganhou uma Barbie noiva e hoje não tem qualquer resquício de vontade de entrar em uma igreja. Mas, percebam o termo que usei: TENTAR. Podemos tentar lutar contra, mas, Amigo Cueca, dependendo de como foi a criação, do quão enraizado isso está, da história de vida da pessoa, pode ser que não seja possível pegar esse sonho, jogar no lixo e construir um sonho novo.

“Isso é coisa que a sociedade coloca na cabeça de vocês”. Sim, concordo. Mas não se engane, tem coisas que a sociedade coloca na cabeça de todos nós, todo dia, toda hora e que não conseguimos ficar indiferentes. Um exemplo pessoal: eu tenho a plena consciência de que o ser humano não é monogâmico. O tempo todo vemos exemplos de traições em relacionamentos onde havia a proposta da fidelidade. A monogamia é uma dessas coisas que a sociedade colocou na minha cabeça. Eu sei disso. Eu consigo me livrar disso e ter um relacionamento aberto? Não, eu não consigo. De jeito nenhum. Isso e uma coisa que a sociedade colocou na minha cabeça e não sai por nada.

Então, a sociedade coloca coisa na minha, na sua, nas nossas cabeças. Vocês homens não são imunes a isso nem as mulheres são inferiores por conta disso. Da mesma forma que pode ser extremamente doloroso para uma mulher você dizer que não vai casar porque acha isso “uma besteira”, seria doloroso para você ouvir uma mulher dizendo que não vai te dar fidelidade “porque isso é uma besteira”. Dói ver seus valores sendo desprezados, tratados como “uma besteira”. Quando desprezam seus valores, estão, de certa forma, desprezando você.

“Mas Sally, então porque a mãe deu uma Barbie noiva para minha namorada agora eu sou obrigado a casar com ela?”. É… tens aquário em casa? Não estuprem a lógica. Ninguém é obrigado a responder pela felicidade de ninguém. Se você não quer casar, você não casa. O grande objetivo deste texto não é fazer você se violentar para realizar o sonho de alguém e sim te ensinar a ter um pingo de RESPEITO, EDUCAÇÃO E CONSIDERAÇÃO quando estiver falando sobre o sonho da pessoa. Porque aos ouvidos de uma mulher, faz muita diferença um “Eu sei que é seu sonho, mas para mim seria algo muito ruim. Não tem como a gente chegar a um meio termo?” do que um “Fala sério, palhaçada, casar pra que? Que besteira isso”.

Se os sonhos das mulheres, quaisquer que eles sejam, fossem tratados com mais respeito, educação e consideração por vocês, Cuecas, os relacionamentos seriam mais serenos. Mas não. Vocês menosprezam os valores alheios, esculhambam, desmerecem e se mulher chora, grita ou esboça alguma reação que gere um incômodo, ela é histérica, maluca, chata, mimada ou pentelha. Querem imprimir o desrespeito aos valores alheios e se a mulher se magoar com isso, ela é fresca. Mas se ela desrespeita os seus valores, o tempo fecha, não é mesmo?

Alguém aqui já viu uma mulher dizendo a um homem “Pra que você quer ser presidente dessa empresinha de merda? Que besteira!”. Não. Até mesmo quando o sonho da vida do homem é um devaneio como escalar o Himalaia ou ser um cantor famoso, a mulher costuma ficar ao lado e dar apoio. Olhe à sua volta, geralmente é assim que as coisas são. Mulher não emite juízo de valor sobre o sonho do homem, os apoiam, querem vê-los realizados. Já o contrário…

Talvez você, Amigo Cueca, não tivesse a noção de que se tratava de um sonho. Pois agora tem, a desculpa acabou. E não me refiro apenas a formar uma família, a ter uma casa. Falo de forma ampla: qualquer sonho daquela mulher, ainda que seja igualmente escalar o Himalaia. É seu dever como parceiro apoiar o sonho da pessoa e não sabotá-lo. Se o sonho da pessoa não é condizente com o seu planejamento de vida, beleza, vai cada um para um canto, cada um segue seu caminho, mas sem menosprezar o sonho alheio, porque isso é de uma falta de respeito e magoa em um grau que talvez vocês nunca tenham noção.

Aprendam a identificar quais são os sonhos das suas parceiras. Prestem atenção nelas. Observem, escutem, preguntem. Aposto que se fizer uma enquete aqui nos comentários e perguntar às mulheres quais são os sonhos dos seus parceiros, elas saberão a resposta na ponta da língua. Já se a pergunta foi feita aos homens, duvido que muitos saibam e duvido mais ainda que muitos acertem. Talvez sua mulher nunca tenha te dito qual é o seu sonho e talvez isso seja culpa sua, que por algumas vezes tenha dito algo que o ridiculariza ou o menospreza. Quem você pensa que é para decretar que o seu sonho é mais válido do que o sonho de outra pessoa?

Daí vem a grande pergunta: porque mulheres insistem em relacionamentos com homens que cagam e andam para seus sonhos? Talvez porque é assim que as coisas são, desde sempre, e a maioria das mulheres não vislumbre qualquer possibilidade de um comportamento diferente. Sonho de poder, dinheiro e sucesso profissional é válido, sonho de casar, ter filhos, ter uma família é medíocre. Está batido o martelo, e aquele que se opuser vai ser execrado socialmente. Boa sorte para quem tentar. Se o seu sonho não for bem visto aos olhos do homem, vira “besteira”.

Talvez a cabeça de muitos de vocês que me conhecem melhor esteja dando um nó agora: porque estou falando sobre isso se meu sonho não é casar e ter filhos? Pois é, tem gente que só consegue conceber um texto defendendo uma premissa se esta premissa for em causa própria. Da mesma forma que quando defendo homossexuais me “acusam” de ser lésbica. Não passa pela cabeça que alguém possa se dar ao trabalho de argumentar para tentar induzir a uma reflexão, sem qualquer ganho imediato pessoal? Que pena.

É extremamente cruel dar fogãozinho, bebê de brinquedo, filme de princesa da Dinsey e Barbie noiva para uma criança e vinte anos depois dizer que tudo isso que ela acalentou por tantos anos não passa de uma “besteira” e que, “sinto muito, a sociedade mudou”, ter uma família agora é considerado uma ambição medíocre.

Isso vem criando uma geração de mulheres frustradas, infelizes, que topam tudo para realizar seu sonho escondido: já que é socialmente aceito desvalorizar esse sonho, elas se permitem relacionamentos com pessoas que não os respeitam e tentam, desesperadamente, vivenciar um sonho unilateralmente que só seria pleno a dois. Hordas de casais casados onde as mulheres experimentam a mais profunda solidão e desamor e nunca terão esses sentimentos validados, pois seu sonho é “ridículo”.

Mulheres que, para serem respeitadas, arrumam sonhos paralelos, socialmente aceitos, como um cargo de chefia, quando o que querem mesmo é aquele sonho de uma família, se estrumbicando todas para equilibrar um cargo desgastante com um lar levado aos trancos e barrancos, pode medo de parecerem medíocres. Acabam sem conseguir dar conta de tudo e no saldo final sobra culpa, cobrança e frustração.

Acredito que para as próximas gerações seja mais fácil, pois felizmente estão parando de massificar a cabecinha das meninas com ilusões Disney, com a Barbie noiva, com a obrigatoriedade de ter filho e marido para se considerar feliz. Essa nova geração vai poder desenvolver uma ambição de acordo com o seu querer, sem uma imposição social violenta empurrando. Mas a nossa geração, a geração que foi criança na década de 80, se fodeu: teve a massificação do sonho da família e, em um twist inesperado, na hora de realiza-la, a viu tornar-se obsoleta e condenável.

Chega, é hora de libertar as mulheres. Libertar não é apenas fazer um discurso feminista de que não precisa de homem e não precisa casar e ter filhos. Libertar é permitir, inclusive, que o sonho da sua vida seja casar, ter filhos, ser esposa de alguém, se assim ela o quiser e assim lhe for indispensável para ser feliz.

Homens: por mais que eu discorde, por mais que seja uma merda, as mulheres da minha geração nasceram e cresceram sendo programadas para casar, para ter uma casa, para ter uma família. Desde pequenas fomos bombardeadas com todo tipo de estímulo para isso. Será que vocês poderiam não desmerecer isso? Será que vocês poderiam investir minimamente no relacionamento e topar a realização desse sonho, caso desejem continuar com essas mulheres?

O pior é que eu tenho certeza que muitas mulheres estariam dispostas a sentar, conversar e tentar alcançar um denominador comum. Não o fazem em função do desprezo com que seus sonhos são tratados. Porque quando alguém te menospreza, te ridiculariza, a tendência é que a boa vontade com essa pessoa caia até alcançar o zero. A mágoa daquela desconsideração mina as chances de um diálogo decente. E não me refiro a falar com mimimis, momozinhos, apelidos ou como se fala com um filhote de gato. Me refiro a falar com RESPEITO, EDUCAÇÃO E CONSIDERAÇÃO. Não precisa de mimimi para falar com RESPEITO, EDUCAÇÃO E CONSIDERAÇÃO.

Em resumo: observe, se interesse e participe dos sonhos da sua parceira. E se isso não for possível por total incompatibilidade, afaste-se com RESPEITO, EDUCAÇÃO E CONSIDERAÇÃO em vez de atacar seus sonhos como um motivador ridículo e não válido para o fim do relacionamento. Permitam que as pessoas tenham os sonhos que quiserem, e, acima de tudo, que puderem.

Para ignorar tudo que eu disse e meter o malho na mulher cujo sonho é casar e ter uma família, para dizer que ainda está transtornado pela supressão de Siago Tomir ou ainda para perguntar onde foram parar os palavrões: sally@desfavor.com


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