Sempre tem um filho da puta. Sempre. Em qualquer situação, conseguimos encontrar aquela pessoa que parece decidida a estragar o que quer você esteja tentando conseguir, ou mesmo aquela que contamina os outros para te atrapalhar. Gente ruim atrapalha a vida de qualquer um. É comum tentarem te ensinar a identificá-las, mas e quanto a entendê-las?

Tem muita coisa nessa vida que as pessoas acham que sabem fazer só por existir. Lidar com confrontos sendo uma das mais comuns. Parece chover no molhado falar sobre gente ruim e como elas funcionam, mas provavelmente tudo o que você sabe sobre elas está errado. Principalmente na hora de resolver seus problemas com uma delas.

O problema da maioria esmagadora da gente ruim é a completa ignorância de sua própria ruindade. E a coisa que mais te afasta de uma solução quando defrontado com gente ruim é a completa ignorância você também é gente ruim. Todos somos gente ruim. Benesse ou maldição, todos nós temos pontos de vista diferentes sobre o mundo.

A chance de alguém chegar nas mesmas conclusões sobre o que é certo ou errado vendo as coisas de outro ângulo é muito pequena. Não existem bons selvagens por pura impossibilidade física: cada um de nós é um universo paralelo. Podemos ESTAR parecidos por convenções sociais, mas não SOMOS parecidos. Concordância é um estado transitório.

É quase certeza que a pessoa que está te sacaneando ou acha que não está te sacaneando, ou acha que você merece o que está acontecendo. Oras, não é quase sempre assim que você acaba pisando na cabeça alheia? Uma ação ruim por ser ruim exige um desprendimento tão grande das normas que aceitamos que só mesmo gente com ‘parafusos a menos’ é capaz de dar cabo de uma delas.

É até fácil listas as condições nas quais você vai taxar uma pessoa de ruim: quando ela está te vencendo (ou já venceu) numa disputa, quando ela não te reconhece como igual e quando ela tira algo que te pertence. Por exemplo: eu acho que fanáticos religiosos são gente ruim, porque eles estão me vencendo numa disputa pelo modelo ideal de sociedade, porque eles não me consideram por ser ateu, e porque eles possivelmente vão tentar me tirar direitos básicos. E eu provavelmente sou gente ruim para eles por não partilhar da mesma religião (como eles podem estar certos se eu também estiver certo? Disputa, reconhecimento e retirada de algo).

É sempre pessoal, mesmo quando envolva muito mais gente. Até por isso regimes escrotamente ruins como o nazista conseguiram tantos simpatizantes: se não mexe diretamente com essas noções pessoais de percepção de ruindade, é fácil se concentrar nas partes boas (ei, eles deram um jeito na economia e recuperaram o orgulho de um povo humilhado).

E isso é muito importante porque o maior erro que eu vejo quando as pessoas lidam com gente ruim é a ilusão de que a ruindade alheia é óbvia e notória. Normalmente não é. Eu normalmente sou um bom diplomata porque a PRIMEIRA coisa que eu tento decifrar é o porquê da outra pessoa achar que está certa. Não digo concordar, mas entender. Se você entende isso, fica imensamente mais fácil negociar.

E normalmente quando eu tento explicar para os outros o resultado das minhas suposições sobre o que deve estar motivando o “ruim”, sou tratado como desertor da causa e recompensado com longas e desnecessárias tentativas de argumentação. Oras, entender não significa concordar. Quanto mais cedo você entende que completos absurdos podem fazer sentido na mente alheia, menos você sofre.

O safado que te fecha no trânsito e o assassino que executa infiéis em nome de seu amigo imaginário celestial compartilham do mesmo senso de propósito ‘correto’. E quanto mais ruim o que a pessoa faz, maior a carga de auto-enganação necessária para isentá-la da culpa. Talvez você consiga um pedido de desculpas de quem jogou o carro na frente do seu, mas vai precisar de muitas armas para conseguir o mesmo de um jihadista, por exemplo.

De uma forma ou de outra, todo mundo sabe o quão enfiado na lama está. Você provavelmente acha que é uma, mas eu digo que é outra. A forma que muita gente teima em racionalizar a ação ruim é como se quem a fez não tivesse sequer uma desculpa para isso e só queria ferrar com a vida alheia. A forma CORRETA é entender que salvo em caso de psicopatas ou pessoas seriamente fora-de-si por drogas ou outras condições psicológicas, quem fez a coisa ruim está atrás de um muro de justificativas para o ato.

E aqui, a divisão entre o que você pode fazer com esse conhecimento: ou tentar arranjar uma solução justa, ou capitalizar em cima da auto-enganação alheia. Gente ruim é fácil de manipular: elas dependem tanto desse processo ilusório de limpeza de suas intenções que ficam abertas para quaisquer sugestões condizentes.

Romário proferiu uma frase muito mais inteligente do que ele mesmo poderia imaginar: “Quem é ruim se destrói sozinho”. Gente ruim fica vulnerável, carente de aceitação e proteção. Mesmo que elas se achem acima disso. A hora mais perfeita para se controlar alguém é logo depois dela ter feito uma merda e causado problemas para outras pessoas.

Lembre-se: ruim todo mundo é, só depende do ponto-de-vista. Quanto mais você ignora a ética, mais vulnerável fica à manipulação. O mundo está abarrotado de gente facilmente controlável por causa disso, mas a mania de achar que fazer a coisa certa é monopólio de nossa mente evita que isso seja usado como ferramenta de moderação social.

E se você não quer perpetuar o ciclo da ruindade, a melhor forma de resolver um problema com gente ruim é não deixá-la acreditar que é ruim. Parece óbvio que a solução é comunicar inequivocadamente para o outro como ele está fazendo mal para você, mas só gente inteligente ou segura o suficiente vai entender esse tipo de recado. Para a maioria dos casos, basta eximir o outro da culpa para conseguir uma negociação vantajosa.

A outra pessoa provavelmente não se importa tanto assim com você para ter te sacaneado só porque você existe. Tem algo além na maioria dos casos. Reclamar do filho da puta pode até ser saudável, mas não te deixa mais perto da solução: enquanto você não souber o que faz aquela pessoa achar que está certa, não tem chances de prová-la errada.

Às vezes basta entender a motivação. Ideias são coisas confusas e escorregadias para muita gente, é relativamente fácil distorcer as coisas até que ela enxergue a sua ideia como extensão da dela, mesmo que sejam diametralmente opostas. O que eu estou sugerindo me faz uma pessoa ruim, mas eu estou tentando encontrar uma forma de diminuir o número de discussões inúteis no mundo. Se alguém quiser me oferecer uma alternativa melhor à manipulação com resultados parecidos, grandes chances de eu aceitar.

Afinal, eu sei que manipular é feio. Preciso dessa crença num bem maior para validar a sugestão e isso me torna vulnerável. Até mesmo gente ignorante e brutalizada tem esse tipo de ponto fraco: a religião está aí para me provar correto. Fazem merdas incríveis em nome de um deus qualquer, e quanto mais se afundam nisso, mais acreditam na santidade de seus atos.

Tratar gente ruim como ruim REFORÇA o problema. Exemplo: sistema prisional brasileiro versus o norueguês. Eles recuperam quase todos, nós pioramos quase todos. A tentação de isolar quem quer que nos faça mal numa outra categoria de seres humanos é grande, mas tende a não ser uma boa ideia.

Não estou advogando um mundo de paz e amor utópicos, estou apenas dando base para a ideia de que nada ajuda mais numa batalha do que conhecer o inimigo. Tem horas que confrontar é necessário, mas mesmo nelas o cuidado de não esquecer que pensamos parecido vindos de pontos-de-vista distintos pode ser a diferença entre o sucesso e a frustração.

Ninguém se acha ruim. Nem eu, nem você. Mas somos. Tudo depende do calo de quem está sendo apertado.

Para dizer que texto curto é coisa de gente ruim, para me mandar abraçar uma árvore, ou mesmo para se perguntar se eu estou lendo muito sobre o EI: somir@desfavor.com

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Comments (7)

  • “Oras, entender não significa concordar.”

    Essa frase me lembrou daquele caso que pegaram um ladrãozinho em alguma parte do Rio, espancaram e deixaram ele nu e amarrado num poste. A Rachel Sheherazade comentou que a atitude da população ao fazer isso com uma pessoa “é compreensível” e expôs o argumento dela do porquê ser compreensível. O que caiu de gente falando que ela apóia justiceiro e faz apologia à violência foi ridículo, dizendo quer ela consentia com esse tipo de atitude porque ela disse que era compreensível pessoas fazerem justiça com as próprias mãos. Toda vez que cai nesse assunto eu cito o exemplo dela e a maioria NÃO ENTENDE que compreender uma linha de raciocínio, compreender o que leva alguém a fazer algo, não significa achar aquilo correto.

  • Tenho utilizado o método de “entrar no jogo do outro”, nao expondo logo sua atitude como algo ruim. Isto, de fato, traz bons resultados.

  • “Às vezes basta entender a motivação. ”
    É aí que está o problema, Somir: Isso é dispêndio intelectual demais para as pessoas. Se não fosse isso até que teríamos uma tentativa um tanto feliz. Afora isso, concordo com teu texto!

  • Paulo Henrique Lima

    Ei, obrigado pelo tapa na cara. A vermelhidão vai valer a pena em gente que, como eu, tem sempre duas frases em mente.

    “Todo mundo que pensa um pouco morre de medo da força democrática [numérica] dos idiotas”.

    “Nunca discuta com um idiota. Para haver comunicação terá de se rebaixar ao nível dele, e ele vai ganhar de você por larga experiência.”

    Novamente, muito obrigado.

  • Texto excelente. Muito bom mesmo, assim como aquele texto em que você introduziu como algo sem tema (já estava pronto pra dar um esporro em você pois aquilo era notariamente um texto com tema, mas depois me contive e percebi que a ideia era justamente brincar com a isso e ver o quanto teria influência a introdução. Genial).
    Tem algumas frases do seu texto que mereciam virar ensinamento na educação básica da população.

  • “E isso é muito importante porque o maior erro que eu vejo quando as pessoas lidam com gente ruim é a ilusão de que a ruindade alheia é óbvia e notória”

    Fez lembrar aquela experiência clássica de Stanley Milgram, em que as pessoas que ministraram choques nas outras, aumentando de forma exagerada as doses a cada pergunta incorreta, invariavelmente culparam o condutor da pesquisa pelo próprio comportamento…

  • “É sempre pessoal”

    Sempre!!!!!

    Adorei o texto, Somir! Mas foi muito curto. Quem sabe você não poderia desenvolver mais o tema ou dar sugestões de livros e caminhos para aprofundarmos o assunto sozinhos?

    Nós somos tão profundamente diferentes, que a comunicação entre nós é praticamente um milagre, de tão rara, de tão complicada, de tão confusa, de tão insuficiente, de tão impossível. Ser compreendido é muito mais difícil do que ser amado/querido. E é infinitamente mais raro. Eu às vezes tenho a impressão de que não expresso nada além de ruídos e não vejo nem escuto nada além do que quero ou aguento. E o pior é que nem tudo pode ser dito porque nem tudo é dizível. Deprimente.

    Não sei como vocês publicitários conseguem se comunicar com tantos universos tão distintos e como convencem tanta gente diferente a desejar e a comprar coisas de que nem precisam.

    A arte da manipulação é coisa de gente ruim, sim, mas também incrível, genial, admirável… Invejo muito!

    Excelente texto. De verdade.

    Guardarei esse trecho especial para a vida:
    “A chance de alguém chegar nas mesmas conclusões sobre o que é certo ou errado vendo as coisas de outro ângulo é muito pequena. Não existem bons selvagens por pura impossibilidade física: cada um de nós é um universo paralelo. Podemos ESTAR parecidos por convenções sociais, mas não SOMOS parecidos. Concordância é um estado transitório.”

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