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Retrospectiva 2014

Sim, você vai ver muitas retrospectivas de 2014 por aí, mas nenhuma tão nua, crua e sangrando como a nossa. Vamos relembrar o que houve de melhor em matéria de desfavores neste ano?

O ano teve violência para todos os gostos. Pai matando o próprio filho com ajuda da madrasta, criança esquecida em carro morrendo, serial killer semi-analfabeto que, apesar da baixa instrução, deu um olé na polícia por meses matando mais de 40 pessoas e só sendo preso quando decidiu voluntariamente se entregar.

Teve gente morrendo linchada aos montes, inclusive por causa de meros boatos de internet. Teve vítimas da polícia, algumas esquecidas, outras que ganharam os jornais em função de algum contato que lhes garantiu voz. Teve morte em presídio, teve morte em igreja, teve morte de jornalista, teve morte de turista. Em matéria de violência e crime, teve de tudo um pouco.

Teve uma leva de gente fazendo justiça com as próprias mãos, aplaudida por boa parte do povo. Teve gente amarrando “criminoso” em poste e, ato contínuo, colocando criminoso para gerir o nosso dinheiro com seu voto. Teve barbárie policial impune, desde arrastar o corpo de uma mulher baleada amarrada na viatura até agredir, prender e torturar manifestantes e trabalhadores. Teve policial de UPP matando quem deveria proteger. Estuprando moradoras e imprensa retratando isso como um caso isolado. Alias, tudo que foi feio e errado esse ano foi pintado pela imprensa e pelo governo como “um caso isolado” ou “uma minoria”.

Também teve impunidade, teve sim senhor! Nacional e internacional. Oscar Pistorius, que encheu a namorada de tiros, saiu inocente do tribunal, como se a tivesse matado por acidente, sem querer. Os condenados por escândalos de corrupção estão quase todos soltos e nenhum devolveu o dinheiro roubado. Os policiais que cometeram abusos estão muito bem, obrigada.Só tem o rigor da lei para os inimigos ou para aqueles com os quais não nos identificamos, aqueles que não “poderia muito bem ser eu”.

Passarelas despencaram e mataram gente. Enchentes e deslizamentos também. Falta de hospital ou de condições de trabalho para profissionais da saúde fizeram pessoas morrerem na fila esperando por cirurgias. Fome e sede mataram também. Falta de remédio, falta de saneamento básico, falta de segurança pública, enfim, falta de vergonha na cara dos nossos governantes fizeram milhões de vítimas que apenas organismos internacionais noticiam – e são acusados de conspiradores e pessimistas pelos que estão no poder.

O Brasil passou vergonha com a Copa do Mundo. Gastou rios de dinheiro para construir estádios mal feitos, mal projetados, que começaram a desabar antes mesmo de ficarem prontos, durante sua construção. A PresidAnta foi xingada várias vezes para o mundo inteiro assistir. A Seleção perdeu vergonhosamente. O nome do Brasil ficou desvalorizado depois de um mega-evento que alavanca qualquer país que não seja de todo incompetente. Salto final: a festa foi uma merda, todo mundo saiu falando mal e ainda pagamos caro.

Caiu avião. E como caiu avião. Caiu avião e sumiu avião, sem deixar vestígios. Epidemias mataram no mundo todo: ebola, gripe aviária e tantas outras. Não surgiu nenhuma cura para nenhuma doença significativa e o Brasil pouco contribuiu para a ciência este ano. O Exoesqueleto, uma promessa de mobilidade para pessoas paralisadas, foi o fiasco dos fiascos.

Votaram na Dilma mais uma vez. Votaram no PT mais uma vez. Não obstante a explosão do maior escândalo de corrupção do Brasil e um dos maiores do mundo, votaram mais uma vez. A economia já mostra as consequências dessa imbecilidade. Outros países estão tomando medidas judiciais contra os desmandos do PT, apenas o Brasil insiste em protagonizar o vexame da impunidade e ouve o então Presidente da República como mera testemunha de um escândalo de corrupção ocorrido, literalmente, debaixo das suas barbas.

Morreu muita gente boa. Não morreu o Sarney, não morreu o Bush. Morreu autor, morreu ator, morreu cantor, morreu trabalhador. Morreu também a Petrobrás, falida, sucateada, desmoralizada. Lula não morreu, Dilma não morreu.

A selfie, um sintoma grave do narcisismo social que nos assola, se consolidou. Pessoas tirando fotos de si mesmas em uma ode ao ego que, infelizmente, ganhou aceitação social. Uma cruza de egoísmo e futilidade. Também se consolidou a ditadura da beleza, não importa o padrão da vez, com tudo que tem direito: procedimentos estéticos arriscados, dietas malucas, saúde sacrificada em detrimento de vaidade, sempre de forma hipócrita, negada com a maior cara de pau. Ninguém nunca fez nada, tomou nada. Dentes excessivamente brancos, caras excessivamente preenchidas com botox, cabelos excessivamente alisados fazem das pessoas todas iguais, padronizadas, desumanas.

Um raio partiu a mão do Cristo Redentor no Rio de Janeiro. Para quem acredita em Deus, taí um sinal bem claro de insatisfação. Pedofilia manchou o nome da igreja católica e inúmeros casos de estupro o nome de igrejas evangélicas. Roubos marcaram ambos. O Brasil continua sendo um dos países com maior porcentagem de pessoas religiosas do mundo, e, não sem relação, um país com baixo índice de desenvolvimento humano, ficando atrás até mesmo de países africanos pobres.

O ensino continua precário. Crianças e adolescentes chegam ao final do segundo grau sem saber ler nem escrever, analfabetos funcionais, em função de uma política de aprovação automática que visa apenas angariar números para o político da vez. Mas não faz mal, entram na faculdade pela janela, através de um falho e bizarro sistema de cotas, como se todo negro fosse pobre e todo pobre fosse negro. Saem profissionais medíocres que abundam no mercado, reduzindo o salário dos bons, já que para cada bom profissional existem mais 20 dispostos a trabalhar por um décimo do preço e ninguém se preocupa com a excelência na prestação de serviços, apenas com economia porca.

O Governo bateu recorde de arrecadação, ou seja, nunca nos tomou tanto dinheiro como nos tomou em 2014. Em compensação, gastou mais do que arrecadou, entenda-se, gastou uma quantia indecente de dinheiro, uma vez que arrecadou como nunca. Os gastos secretos do governo nunca foram tão altos como em 2014, entretanto, não temos segurança pública, saúde pública, transporte público, nem nada público de qualidade.

A suposta geração de empregos que teria que acontecer, também não aconteceu. Muito pelo contrário, segundo dados oficiais dos próprios órgãos do governo, está em decréscimo. Até o comércio, que ouviu uma promessa de benefícios com a infinidade de eventos que aconteceram, teve prejuízo com eles. Nem mesmo o natal salvou, foi um dos piores anos para o comércio na última década.

Fanáticos deram as caras: Estado Islâmico, Coreia do Norte, evangélicos. Não importa o gênero, eles trazem a intolerância com o diferente, a verdade absoluta e inquestionável, a vontade de silenciar quem destoa dos seus argumentos. Esse estilo de vida parece estar sendo incorporado ao povo brasileiro, que deu um show de agressividade e intolerância no período eleitoral. #SomosTodosMacacos.

O egoísmo da geração selfie já se faz sentir na criação dos filhos. É criança tendo braço dilacerado por tigre e pai colocando a culpa no zoológico, é criança sendo esquecida em carro enquanto mulher faz as unhas. Pais delegando a terceiros a responsabilidade pela criação de seus filhos. Prioridade: ter celular da moda para ostentar, parecer feliz em redes sociais, estar dentro do padrão estético vigente. Pessoas cada vez menos altruístas tem cada vez mais filhos, afinal, na contramão de qualquer país civilizado, o Brasil premia com dinheiro cada filho feito.

A crise na criatividade fez 2014 um ano improdutivo para as artes no Brasil. Bons filmes, bons roteiros, boas músicas, em geral, são todos releituras de algo que já foi feito. O vasto acesso à informação por smartphones, que nada mais são do que computadores de bolso, não serviu para que as pessoas busquem matéria prima para novas criações e sim material para copiar. O Google é nosso novo cérebro: quer saber alguma coisa? Pergunte ao Google e atrofie seu cérebro, porque pensar é obsoleto.

Ficou muito por dizer, não caberia em uma única postagem. Talvez Somir complemente a minha postagem amanhã. Talvez vocês complementem nos comentários. Talvez não falemos mais sobre isso, para, quem sabe, ainda sermos capazes de soltar um “feliz ano novo” amanhã. 2014: já vai tarde!

Para dizer que Desfavor deveria ser patrocinado por antidepressivo, para dizer que achou a retrospectiva da Globo mais alegre ou ainda para temer a quantas estará meu humor quando o carnaval chegar: sally@desfavor.com

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