Confiar desconfiando.

Digamos que você tenha uma meta, pode ser uma dessas resoluções de ano novo ou algo surgido de uma necessidade pontual, o que importa aqui é que você acredite que te seja benéfico e principalmente que ela apresente grandes dificuldades para ser alcançada… o que é melhor, confiar ou desconfiar de sua capacidade de conseguir o objetivo?

E só para adiantar: é mais um daqueles textos onde eu provavelmente não vou chegar a conclusão alguma. Adoro esses, e vocês? Bom, não adianta muito agora, eu vou escrever do mesmo jeito. Só nos resta continuar. Poderia argumentar seguindo a maioria dos conselhos que se dá num tema desses, o de que confiança move montanhas e que acreditar na sua força é o primeiro passo para ter essa força. Mas, tem algo preocupante aqui… na vida real a tendência é falharmos mais do que acertarmos, principalmente quando se coloca um desafio considerável no seu caminho.

Na rede social pode ser tudo bonito, pode ser só vitória, mas no fundo sabemos – ou deveríamos saber – que isso não reflete exatamente a verdade. Como a confiança fica quando lidamos com a noção de um obstáculo grande demais? A falha diante da expectativa de sucesso é um baque, um choque violento na sua visão de mundo que pode se transformar em duas ideias problemáticas: a de que sua confiança não tinha base, gerando desânimo e confusão; ou mesmo a ilusão de que basta insistência para a realidade se curvar às suas vontades.

Porque quando funciona, nunca é a força de vontade sozinha. É algo eficiente na resolução do problema encontrando um momento propício. Se é a melhor solução dificilmente se sabe. Vamos usar um exemplo: atirar dez vezes à esmo e acertar um tiro no alvo gera um resultado parecido com um certeiro vindo de mãos treinadas no final das contas. Atirar era condição necessária para chegar a esse objetivo, e assim que ela é cumprida, começa a possibilidade de acertar um. O que pode gerar o falso positivo que foi a quantidade de tentativas que acertou o alvo… mas na verdade o que realmente alcançou o objetivo foi a vez onde isso foi feito de forma correta.

Sei que pode parecer filosófico (vulgo papo de maluco nesse caso) demais entrar nesse ponto, até pela obviedade, mas é importante entender que o que gera o resultado esperado é a ação certeira, não a insistência nas tentativas. Depois que você tem o bilhete premiado de loteria nas mãos, não faz mais diferença se você comprou só ele ou se comprou cem! Era só aquele que importava e os outros tornam-se desperdício de dinheiro. Claro que antes eles aumentam as probabilidades, mas estamos falando da hora H, do momento onde a sua tentativa realmente dá frutos.

A confiança não foi o elemento definidor do sucesso, a não ser que seu objetivo seja efetivamente ter mais confiança… o que fez tudo funcionar da forma desejada foi a capacidade de pensar e agir corretamente no momento da oportunidade. A confiança pode ter te incentivado a tentar essa ação, ou mesmo te dado forças para continuar na carga, mas ela não gerou o fato. Estou falando disso porque está na hora de trazer a irmã gêmea malvada da confiança para o assunto: a desconfiança.

Se acreditar em si mesmo te dá forças para agir, é o desacreditar que pode te ensinar como agir. O atirador treinado do exemplo anterior teve que ceder o ponto da sua incapacidade antes de ficar bom nisso. Não bastava acreditar em si mesmo para ser eficiente no que pretende fazer, muito pelo contrário: só da aceitação da inépcia que surge o desejo do aprendizado. E no final do dia, é o desconfiado que acabou tomando mais atitudes relevantes para a resolução de seus problemas.

Mas é claro, nada é de graça nessa vida! Quem não confia em si mesmo continua propenso a falhar, e aí surge o risco de outro falso positivo: o de que a falha era esperada e condizente com seu modelo de realidade. É da mente humana reforçar ideias baseadas em fatos previsíveis. Se você acredita que vai errar e erra, a noção solidifica-se na cabeça. Ou seja: no sentido oposto, quem desconfia de sua capacidade acaba mais propenso a desistir diante da dificuldade. O que por sua vez também contribui negativamente para a meta que se deseja alcançar.

Aparentemente é necessário um equilíbrio quase que irracional de coragem e medo diante de um problema grandioso. Confiança para tentar, desconfiança para não tentar de qualquer jeito. Mas, como dosar? Porque uma falha pode ser resultado tanto de incapacidade quanto de escolha equivocada de oportunidade. O confiante e o “desconfiante” podem dar com os burros n’água por uma série de fatores fora de seu controle, e mesmo ao lidar com esse momento de falha ainda se faz necessária essa dosagem de crença em si. Confie demais e continue tentando à toa, confie de menos e desista antes da hora.

Tem que existir um equilíbrio, mas… onde ele está? Não tenho uma resposta, tenho uma teoria (com “t” minúsculo mesmo): confiança e desconfiança devem ter sempre o mesmo peso, mas nenhuma delas precisa ter um peso específico. Num exemplo bem físico: não faz diferença para a posição da balança se os dois pesos iguais em cada um dos pratos pesarem um ou cem quilos, só importa que eles sejam iguais. Quem tem muita confiança tem que balancear com muita desconfiança, quem tem pouca, idem.

Se você está despejando uma quantidade enorme de força de vontade sobre um objetivo, tem que desconfiar demais da sua capacidade de alcançá-lo. O desequilíbrio pode te levar a não enxergar pontos fracos na sua estratégia e até mesmo a uma frustração paralisante ao lidar com as dificuldades dele. Os excessos deixam sua guarda aberta se ficarem só de um lado: com grandes poderes vem grandes responsabilidades, já dizia o Tio Ben. Confiança é acreditar que vai passar por uma porta de aço maciço, excesso de confiança é acreditar que vai derrubá-la com murros. Quem não duvida do próprio potencial está muito propenso ao erro.

E no sentido oposto, se você não está particularmente confiante ou mesmo motivado para fazer algo, pode baixar o seu grau de preocupação com a dificuldade: a própria falta de confiança vai te dar uma visão mais derrotista, incentivando você a trazer artilharia mais pesada naturalmente. Quanto menos peso de um lado, menos do outro, até para evitar uma sensação de dificuldade tão grande que te faça bater com força demais. Voltando ao ponto do que configura sucesso no seu objetivo: não é o tamanho da atitude, e sim a eficiência dela. Desequilíbrios entre confiança e desconfiança geram golpes com a força errada.

E é muito por isso que eu mantenho essa “cruzada” contra o discurso de auto-ajuda padronizado que se repete por aí: como se bastasse acreditar muito no que se quer fazer para conseguir o resultado desejado. Como se o segredo fosse colocar todo o peso no prato da confiança e ganhar a vida no grito… não deixa de ser fechar os olhos e atirar em todas as direções até acertar alguma coisa. Desconfiança é parte integrante do processo, o reconhecimento da incapacidade te dá a medida da atitude que deve ser tomada. E mesmo assim, sempre em medidas iguais.

Tomou uma decisão que vai dar muito trabalho? Confie muito que vai conseguir se achando um incapaz ou confie pouco acreditando que talvez pode conseguir, outras combinações tendem ao fracasso ou à dependência da sorte. O que também não costuma ser boa ideia. Normalmente a maior dificuldade é trazer as duas para o mesmo nível, até por isso escrevi anteriormente que era um equilíbrio quase que irracional. Mas como normalmente o ser humano tende ao exagero nessa área, costuma ser mais simples só perceber qual delas está pesada demais. Lembrando que excesso de desconfiança tende a te deixar mais habilitado a resolver um problema. Se você desconfia demais da sua capacidade de realizar sua meta, já fez metade certo, agora é só colocar toda sua força nisso.

E… se eu confio nessa teoria? Mais ou menos.

Para dizer que eu deveria dar palestras motivacionais para suicidas, para dizer que tem que ter muita confiança para escrever essas coisas, ou mesmo para dizer que desconfia que eu estou prestes a me inscrever numa academia: somir@desfavor.com

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Comments (18)

  • Tem que existir um equilíbrio, mas… onde ele está? Não tenho uma resposta, tenho uma teoria (com “t” minúsculo mesmo): confiança e desconfiança devem ter sempre o mesmo peso, mas nenhuma delas precisa ter um peso específico. Num exemplo bem físico: não faz diferença para a posição da balança se os dois pesos iguais em cada um dos pratos pesarem um ou cem quilos, só importa que eles sejam iguais. Quem tem muita confiança tem que balancear com muita desconfiança, quem tem pouca, idem.

    Ótima teoria !

    [OFF] Você não têm ideia do que eu guardo (principalmente) do que considero de melhores textos e trechos (e comentários) de todos…(risos)

      • Por medo eu até imprimiria…

        Quanto aos textos eu nem sempre lembro quando o título não parece do tema em si e a minha seleção para comentários é porque eu acho difícil pra pesquisar e daí “relembrar”, ou algo assim…

  • Achei muito bonita a ilustração do texto. Como não encontrei nada pelo URL da imagem na Internet, gostaria de saber se foi você quem desenhou.

    • Não, foi uma foto que eu tratei com um filtro de Photoshop. Adoraria ter o tempo de fazer ilustrações próprias para as postagens do desfavor, mas ainda é um sonho distante. Mas agradeço por ter gostado!

  • Ótimo!

    Você poderia aproveitar o gancho pra escrever um livro de antiautoajuda e humor negro: “Como desconfiar de si mesmo pode te ajudar a alcançar suas metas em 7 passos.”

    Passo 1: Você não é especial. Aceite.
    Passo 2: Sonhe menos e faça mais.
    Passo 3: Ninguém tem inveja de você.
    Passo 4: Como o excesso de desconfiança pode te salvar da mediocridade.
    Passo 5: Reconheça a sua incapacidade.
    Passo 6: Menos autoestima, mais realidade.
    Passo 7: Não se matou até agora? Você é um quase vencedor! Quase parabéns!

  • Eu sempre estive em um dos extremos e esse texto veio na hora certa não seu se sua teoria funciona mas estou disposto a tentar “Tomou uma decisão que vai dar muito trabalho? Confie muito que vai conseguir se achando um incapaz ou confie pouco acreditando que talvez pode conseguir, outras combinações tendem ao fracasso ou à dependência da sorte.” só esse trecho já é bem mais realista do que qualquer livro de auto ajuda

    • Minha experiência é essa de que o desequilíbrio te bota no estado mental errado para lidar com uma situação dessas. O que quase sempre me mata é a confiança excessiva, achar que vai resolver na hora qualquer merda que vier. Você é time #confiança ou #desconfiança?

      • Time confiança exagerada eu tice muita coisa na vida de mão beijada devido ao fator sorte então isso acabou me dando confiança e inflando meu ego então eu acabava tentando fazer muita coisa sem de fato estar preparado só depois que eu deixei de ser sortudo e ter tudo fácil na vida que eu vi que toda aquela confiança não valia nada, por que eu tinha expectativas demais sobre mim mesmo depois disso fui pro outro extremo que é a desvalorização total eu perdi totalmente a confiança em minhas capacidades mas como você mesmo disse no texto tem que ter um meio termo,enfim to tentando equilibrar essa balança

        • Entendo isso de ser enganado pela sorte, entendo mesmo… mas, já que estamos falando de equilíbrio: às vezes é bom lembrar que sorte também pode ser algo que vem para quem dá condições para ela. Quando o momento favorável termina, o difícil é descobrir o que foi um fator externo puro e o que a gente fez de certo para permitir isso.

          Sorte para nós (mas só a merecida)!

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