Infinita complexidade.

Já parou pra pensar que a cada vez que você pensa sobre o porquê pensou em uma coisa também existe um porquê do porquê? E assim por diante? Provavelmente infinitamente? É isso que eu chamo de infinita complexidade do pensamento, ou para soar menos arrogante: o pensar em falso. Eu sempre acreditei que esse fosse um problema de pessoas muito inteligentes, uma espécie de falha previsível no processo do pensamento quando “superaquecido”. Sempre, até pensar melhor sobre isso…

E sim, isso aqui tem todo o jeito de ser uma grande pensada em falso. Na dúvida, vamos dizer que estou filosofando, parece um desperdício de tempo mais digno falando assim. E filosofando, busco a resposta de uma pergunta que parece até primordial: quando parar de pensar em algo? Quando aceitar que você já chegou na melhor resposta possível com o conhecimento que tem? E, óbvio, tomar as atitudes condizentes com a resposta encontrada. Porque até o conhecimento pode cair nessa armadilha da complexidade infinita.

Estou entrando num buraco aqui… está na cara. Mas, continuemos: digo que conhecimento pode chegar nesse grau de infinidade considerando que a nossa própria capacidade de relacionar informações e a predisposição (genética, até) de encontrar padrões pode causar uma explosão na quantidade de variáveis e possibilidades de cada informação que você já possui. Em algum campo de conhecimento, pelo menos, uma pessoa deve acabar se desenvolvendo. E com o acúmulo daquelas informações, qualquer outra diferente que seja adicionada num campo distinto do já “dominado” tende a ser comparada e aplicada ao que já se entende para formar novas relações. Até por isso tanta gente aprende melhor com metáforas e analogias.

Se alguém entende muito sobre engenharia, por exemplo, pode acabar enxergando o campo da medicina de forma completamente diferente do que alguém que estudou artes, por exemplo. A informação original aplicada a duas pessoas diferentes, por mais simples que seja, gera uma quantidade enorme de conexões únicas com o conhecimento já adquirido por elas, tornando-se exponencialmente mais complexo quando analisado. E daí podem surgir muitas das nossas desavenças comuns na humanidade: a mesma informação modificada por toneladas de dados internos que cada um de nós tem, exclusivamente.

Voltando ao exemplo anterior, diante da informação de um aceleramento no batimento cardíaco, o engenheiro pode pensar rapidamente na relação de eficiência do processo de bombeamento da válvula em questão e os riscos relacionados com o funcionamento acima da capacidade sugerida. Um músico pode enxergar tudo como uma variação de ritmo, um momento onde a música da vida precisa passar mais emoção. Ambos estão certos. A informação foi trabalhada com a complexidade que cabia a cada um. Se o engenheiro pode enxergar a beleza dos mecanismos em sincronia e derivar daí o valor da vida em geral como a incrível união de partes separadas para formar o todo, o músico também, mas enxergando o universo como uma sinfonia onde incontáveis instrumentos soam em harmonia.

E eu estou só filtrando por algo banal como profissão. Imagine só adicionar aí histórias de vida não só das pessoas como das que as cercam? Cada informação, que provavelmente já chega complexa pela visão de outra pessoa que a compartilhou, torna-se ainda mais única no momento em que é armazenada e tratada num dos tantos universos paralelos e únicos que formam a humanidade consciente.

A busca pela verdade deve considerar tantas variáveis ao mesmo tempo que fica impossível alcançar qualquer coisa além da melhor resposta possível no momento. Deveríamos partir do princípio que estamos errados em pelo menos alguma parcela de cada visão de mundo que temos. E não necessariamente por falta de esforço, mas pela infeliz desconexão de escala entre o que somos capazes de processar e o que nos é disponibilizado para analisar. A realidade é complexa demais para o sistema que temos. Deveríamos ter essa noção. Mas, ela é incrivelmente rara.

Comecei o texto dizendo que acreditava que complexidade infinita era problema apenas daqueles que tinham a capacidade de notar o momento onde a curva da incerteza cresce de forma exponencial, mas que estava revendo essa noção. Quando pensamos num mundo onde tanta gente parece ter certeza absoluta daquilo que acredita, ao ponto até de ser violento diante da ideia de que outras pessoas enxergam as coisas de forma diferente, parece mesmo que na média o problema é a falta de complexidade. Mas, não dá pra defender a infinita complexidade da informação ao mesmo tempo que considera que a maioria das pessoas não lida com essa questão.

A informação pode se tornar infinita com qualquer um, basta que seja capaz de absorvê-la. E por mais que não sejam todas que sejam palatáveis para o cidadão médio, algumas vão passar por esse filtro. Mesmo com o algoritmo da rede social selecionando apenas aquilo que reforça visões prévias de uma pessoa, ela não consegue escapar de comparar fatos novos com toda a bagagem que já tem. A complexidade está lá, do mesmo jeito. Então, o que falta para gerar um mínimo de humildade realista em quem cospe fogo pelas ventas toda vez que lê ou ouve algo diferente do que já acredita?

Pelo o que entendo, falta coragem para lidar com a complexidade. Não é fácil se colocar na posição de dúvida razoável. É um ponto de compreensão da realidade que exige esforço para ser navegado até uma solução. A dúvida razoável surge quando sua visão de mundo não é mais capaz de te dar uma melhor resposta possível. O mesmo mecanismo que faz funcionar o cérebro da pessoa capaz de lidar com o pensamento complexo está presente no que da prefere não fazer. A informação infinita é inevitável, muda apenas a estratégia de combate à dúvida.

Por um lado existem aqueles que se afundam no pensar em falso e acabam não fazendo nada, por outro existem os que fecham propositalmente em seus processos mentais a porta que leva até lá. A questão é entre essa porta e o poço do pensamento infinito está um corredor repleto de portas. Muitas não levam a lugar algum, mas sempre vai existir uma que te deixa mais perto da verdade. Sim, podemos pensar para sempre nas motivações de cada ação, opinião ou fato buscando sempre a motivação da motivação; e sim, podemos simplesmente colocar um cadeado nessa porta e viver sem o risco de cair num abismo que aparentemente não tem fim, mas… a verdade, a verdade não está nem em um lugar, nem em outro.

Pensar em falso não é a busca pelo o que ainda não sabemos, porque é vivenciar uma falha previsível nas nossas capacidades cognitivas sem buscar alternativas. Pensar enlouquece. Não aceitar a complexidade, por outro lado, é também chafurdar em limitações, antes mesmo de sabermos o tamanho delas. O problema é o mesmo, só muda o lugar onde se está quando finalmente se desiste de viver no mundo real.

Para dizer que ainda está esperando uma conclusão, para dizer que eu realmente estou precisando da Sally, ou mesmo para dizer que pelo menos foi um post: somir@desfavor.com

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Comments (23)

  • Penso, logo…

    Comento no Desfavor

    O problema é que, desta vez, as teorias filosóficas do Somir não me abriram brecha pra acrescentar dado novo algum (pelo menos, por enquanto), por isto acho melhor nem publicar este com…Não, perai. Deixa eu fazer duas perguntas:

    Qual o limite da razão?

    Se, ‘pensar é loucura’, então todos nós temos um pouco de medico e louco mesmo?

  • Somir, apostei caixa de cerveja com meus colegas que vc seria capaz de dar conta da RID na ausencia da Sally. Meus colegas TODOS falaram que vc ia dar perdido. To ganhando! Vc vem postando e ainda respode comentarios. Eles se foderam! Me ajuda a ganhar a causa nobre. CERVEJA, yes!!!

    • Não só estou dando conta, como me livrando da ditadura dos horários. Os textos estão prontos quando estão prontos! Bebamos a isso!

  • Uma hora é preciso “arredondar” para fins práticos. É mais ou menos como a definição informal de infinito pra matemática: um número grande pra caralho. Ou seja, é o número finito seguinte a onde você já perdeu o saco de contar.

  • ” Deveríamos partir do princípio que estamos errados em pelo menos alguma parcela de cada visão de mundo que temos. E não necessariamente por falta de esforço, mas pela infeliz desconexão de escala entre o que somos capazes de processar e o que nos é disponibilizado para analisar”.

    Essa passagem me fez lembrar deste site: https://www.ideaconnection.com/solve-problems.html

    É um site interessante, voltado para qualquer um que tope desafios e problemas de áreas não necessariamente da própria pessoa, que vem apresentando resultados positivos, dos quais os melhores são remunerados.

    De fato, pesquisadores de Harvard tem demonstrado que, na resolução de problemas, grupos de áreas não relacionados a esses problemas são melhores para pensar em soluções a partir propostas inovadoras. Mas, para tanto, a descrição do problema não poderia ser pautada exclusivamente pelas especificações e pelo ponto de vista do especialista que necessita de ajuda, caso contrário impediria o aparecimento de soluções de áreas aparentemente pouco ou nada relacionadas.

    • [cite]De fato, pesquisadores de Harvard tem demonstrado que, na resolução de problemas, grupos de áreas não relacionados a esses problemas são melhores para pensar em soluções a partir propostas inovadoras.[/cite]

      A tendência de um especialista é especializar até mesmo os seus problemas… quem vê a dificuldade tende a colocar ela no meio até mesmo da pergunta que faz. Pelo o seu link, acredito que tenha mercado até pra quem seja capaz de criar as perguntas certas para se aproveitar do conhecimento alheio… é como se a profissão do futuro MESMO fosse saber o que pesquisar no Google.

  • Já tinha ensaiado algum pensando sobre isso. É nesse momento que você enxerga a complexidade das complexidades, deixa de ver apenas o “eu” tão solitário e vê como ele se conecta a de outros e as vezes se perde em meio a tantas variáveis. Um local um tanto quanto sem regra onde tudo pode ser certo ou errado ou sem resposta.

    Dizem que pensar de mais enlouquece, mas não o fazê-lo te limita e te poupa de um desafio e tanto .

    • Vou criar uma fundação e oferecer um prêmio milionário para quem conseguir responder a pergunta: “quando se está pensando demais?”.

      Perder a regra do certo e do errado no meio de um pensamento é tanto um “barato” quanto desesperador.

  • E ainda, podemos dizer que como tudo ou quase tudo tem um lado bom e ruim, até o lado ruim de algo tem um lado bom, e até o lado bom do lado ruim de algo tem algo ruim… por exemplo:
    a gordinha não faz um regime.
    Lado ruim: não se relacionará com rapazes.
    Lado bom de não se relacionar: Não terá stress por causa do lado ruim de se relacionar com rapazes. (não enfrentará brigas etc)
    Lado ruim de não enfrentar brigas: não aprende nada sobre relacionamentos. Não tem experiência de vida nessa área.
    Lado bom de não ter experiência: se ela decidir iniciar um relacionamento, tudo será novo.
    ..
    e vai infinitamente. Sendo assim, cada escolha não faz o menor sentido. Porque estamos pensando?

    • Sendo assim, cada escolha não faz o menor sentido. Porque estamos pensando?

      Temos que gastar calorias com alguma coisa…

      • Sendo assim, cada escolha não faz o menor sentido. Porque estamos pensando?

        Temos que gastar calorias com alguma coisa…

        …E rumos “dos cruzamentos de escolhas” ainda (possivelmente) existem, e mesmo assim, são várias big pictures…

  • Outra coisa interessante que acho que tem certa relação com o post seria que, segundo a pnl, tudo tem um lado bom e ruim, ou seja, toda situação, decisão, coisa ou pessoa na vida tem vantagens e desvantagens. Ex:
    – Aplicar na bolsa de valores: Alto ganho e altíssimo risco. Tem que estudar muito.
    – Jogar na loteria: Investimento quase nulo, mas quase impossível ganhar.
    – Jogar jogos on-line com jogadores fracos: Fácil ganhar, mas não se aprende muito.
    – Jogar com jogadores bons: se aprende muito, mas é difícil ganhar.
    – Estudar para ganhar dinheiro: Esforço físico quase nulo, alto esforço intelectual. Tem que ser mais esperto que os outros, então exige um alto nível de complexidade. Dependendo das teorias estudadas, mais se confunde do que se clareia a mente.
    ..
    Isso me faz chegar a conclusão de que qualquer decisão tomada… É NEUTRA.

    • Bom ponto. No final das contas os gostos acabam definindo qual vantagem vai ser “artificialmente inflada” para gerar alguma segurança na decisão. Talvez esse processo deveria ser puramente inconsciente para não nos enlouquecer, mas cismamos de trazer ele para o racional…

        • Não sei se você está certo, mas eu li a mesma informação. Minha curiosidade é se o inconsciente de quem pensa demais fica maior em escala do que quem evitar racionalizar muito as coisas…

  • Muito bom esse texto, achava que eu era louca por ter um poço sem fundo de questionamentos sobre questionamentos.A sensação de filosofar é a mesma de colocar um espelho de frente o outro e criar aquele corredor de reflexos que não tem fim nunca.Para não surtar de vez penso também que devemos chegar a uma conclusão que seja a nossa verdade…a nossa resposta satisfatória.Talvez uma outra pessoa precise ir um pouco mais longe nesses questionamentos para chegar a um ponto final que lhe baste.O importante é não ultrapassar a nossa linha pessoal de sanidade.

    • O importante é não ultrapassar a nossa linha pessoal de sanidade.

      Não ajuda essa linha sempre estar mudando de lugar. É como estar num campo minado e só ter as pernas para identificar as bombas…

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