Desfavor do ano: Desinformados.

O fato escolhido: Donald Trump venceu a eleição para presidente dos EUA. Desfavor do ano pelo tamanho e pelos motivos óbvios, mas também por ter escancarado uma era de desinformação.

SALLY

Desfavor do Ano, a coluna onde analisamos todos os desfavores da semana de 2016 e escolhemos o maior deles. Sem dúvidas, em 2016 o maior desfavor que aconteceu foi a eleição do Donald Trump para Presidente dos EUA, e tudo que isso implica.

Na verdade, o problema em si nem é Trump. Trump é um sintoma do que está acontecendo com a sociedade para que ela vote em um homem que defende tortura, preconceito e desrespeito. O rei está nu: os valores propagados exaustivamente em discurso politicamente corretos se provaram definitivamente falsos. As pessoas só são corretas no discurso, na ação, a preferência é outra.

Se tem uma coisa que não faltou em 2016 (e nos últimos tempos) são grupos politicamente corretos fazendo barulho e se achando empoderados. Grupos que oprimiram uma boa parcela da sociedade para se adequar a seus padrões e pensamentos, sob pena de retaliações, public shaming e intolerância. Na base desse tipo de intimidação fizeram sua voz prevalecer, dando a falsa impressão de que eram maioria e de que quem não adequasse seu pensamento a esses “mandamentos” era uma má pessoa que merecia uma reprimenda. Durante bastante tempo, isso colou. Mas a eleição de Trump expôs uma verdade inconveniente: essas pessoas não representam a maioria. Não apenas isso: a maioria está bem de saco cheio delas.

Gritaram, espernearam, militaram e não adiantou nada. Trump venceu, apesar de notícias que informavam que Hillary tinha 90% de chances de vencer, apesar das inúmeras pesquisas que mostravam uma grande reprovação social, apesar de tudo, ele venceu. Votos silenciosos, não declarados, ocultos, mostraram uma reação a esse patrulhamento do politicamente correto e, com ela, outras verdades inconvenientes sobre como o mundo mudou e como vamos ter que aprender a nos adaptar a esta nova realidade.

A mídia, que já foi toda poderosa, formadora de opinião e manipuladora das massas, foi rebaixada a uma insignificância surpreendente este ano. Toda a mídia, desde o jornalismo até as celebridades, militaram com força contra Trump e… adivinha? Ele ganhou. Mídia não elege mais presidente, na verdade, a mídia está tão cagada, que não consegue mais nem vender produto. Esse modelo antigo, engessado, onde a mídia se rende à anunciantes fazendo sempre mais do mesmo, condicionando seu conteúdo à aprovação de anunciante, caiu. A mídia hoje ficou renegada a fofoca, clickbait e futilidades, graças a esse câncer chamado anunciante. A poderosa da vez é a internet.

Internet elege presidente, vende produto, produz fama. Youtuber tem mais fama e influência que galã global. Rede social influencia mais do que Jornal Nacional. A mídia ficou obsoleta, não se atualizou, engessada por anunciantes que, tal qual um parasita burro, matou o hospedeiro. A mídia, tão esperta e poderosa, caiu. Os politicamente corretos, tão presentes e influenciadores, foram colocados para escanteio. A lição que fica? Não tem mais hegemonia, não tem mais porto seguro. O mundo está mudando de forma rápida e constante e quem ficar encostado em um pilar achando que está seguro vai cair quando esse pilar ruir.

No geral, as pessoas parecem confusas, sem entender o mecanismo. Ficam tentando usar regras antigas para encaixar os novos eventos. Não vai encaixar, vão ter que fazer malabarismos argumentativos vergonhosos, no melhor estilo militante de esquerda. O modo de funcionar do mundo mudou, e pegou a todos de surpresa. Ninguém esperava que Trump vencesse, e quando ele venceu, as pessoas de dividiram em dois grupos: quem refletiu e percebeu a chegada de um novo tempo em matéria de funcionamento de sociedade e quem ficou tentando encaixar o ocorrido em antigos padrões de funcionamento.

Muita gente ainda está sem entender direito o que aconteceu e o que sentiu. É uma merda que o Trump ganhe, ele é um lixo humano. Porém, é ótimo que uma nova forma de funcionar se inicie, a antiga era um horror. Então, é possível se alegrar por ver os ventos da mudança soprando sem necessariamente ficar feliz pela vitória do maluco laranja. Sim, é possível ficar feliz e triste em um único evento. É ok ter sentimentos contraditórios, é ok ficar feliz e triste ao mesmo tempo com algo.

O mais chocante nesse “marco cagado” que foi a vitória de Trump é o tapa na cara que gerou. Se fosse um evento mais palatável, menos radical ou mais gradativo, teríamos tempo de digerir e assimilar aos poucos a mudança. Não. Foi um balde de gelo na cabeça. Por isso chocou, deu o que falar. A verdade já estava aí, a tempestade estava se formando, mas ninguém viu. Quando tudo desabou, fomos pegos de surpresa. Eu não esperava que o Trump fosse ganhar. Somir não esperava que o Trump fosse ganhar. Não vi ninguém que tenha conseguido antever essa virada de pêndulo.

Sim, meus queridos, o mundo muda querendo você ou não, se adaptando você ou não, gostando você ou não. Para viver e sobreviver você tem que estar pronto para jogar tudo que conhece no lixo e reconstruir realidades, conceitos e mecanismos de funcionamento da sociedade. As pessoas vão conseguir? A maioria não. Porque o desconhecido, a incerteza, o não saber sempre foram o calcanhar de Aquiles da humanidade, religião tá aí para provar. Pessoas precisam de explicações e certezas para se sentirem seguras.

Então, temos essa massa de perdidos na vida que buscam incessantemente por explicações fechadas em padrões antigos para situações novas e não conseguem entender o mundo. São maioria e o fato de vagarem como zumbis intelectuais pelo mundo vai trazer consequências que afetarão a todos nós. Essa massa que não entende nada é maioria, vota e faz filho, pode acabar conduzindo os poucos que entendem. Temos obrigação de ser atento, bem informado e pensar fora da caixinha para não sermos atropelado pelas mudanças como fomos por essa eleição do Trump. Cansativo, porém necessário.

O mundo provou que pode mudar à revelia das pessoas, querendo elas ou não, entendendo elas ou não. A maioria das pessoas não viu o que estava acontecendo e sequer entendeu depois que aconteceu. Está provado que podemos ser atropelados pelos fatos e mudanças. Hora de ficarmos um pouquinho mais espertos e aprender a inovar, antever, só assim seremos operadores da mudança e não consequência dela. O mundo é daqueles que conseguem ver um passo além.

Para discutir sua ambivalência em relação ao Trump, para dizer que ainda não entendeu whats the fuck está acontecendo ou para dizer que hoje não é dia para pensar e sim para beber: deixe seu comentário.

SOMIR

Eu tenho uma teoria anti-conspiratória: ninguém está no controle da humanidade. Ninguém e todo mundo, ao mesmo tempo. É até tentador pensar que existem grupos e instituições mandando e desmandando nos rumos da nossa sociedade, influenciando e manipulando todos nós com um objetivo comum, mas o que parece mais óbvio é que na verdade o mundo é uma coleção caótica de vontades pessoais únicas que vão se adaptando umas às outras constantemente.

Quando enxergamos grupos como a mídia, a religião, os Estados, as elites e tantos outros ditando os rumos das pessoas, na verdade é o cérebro humano procurando padrões. Não cabe na cabeça de ninguém que cada pessoa é um universo paralelo e único, então é mais simples hierarquizar as mentes em grupos de controle. Políticos controlando a mídia, religiões controlando Estados, ricos controlando pobres… realmente faz sentido pensar assim para uma mente que precisa encontrar padrões para entender a realidade. Mas a verdade, cruel até, é que não tem ninguém no volante. Todas as relações de controle e poder são minúsculas em escala, e mensagens passadas a uma distância grande o suficiente ficam completamente ininteligíveis.

Está bem teórico, eu sei… um exemplo então: vamos presumir que o dono da Globo queira que o Aécio ganhe a próxima eleição. Sim, ele tem mais força pra ajudar que o cidadão médio, mas o sistema funciona de tal forma que ele não pode simplesmente dizer para seus funcionários na telinha pedirem o voto na cara dura. Mesmo que não existisse uma lei contra isso, o dono da mídia ainda tem que fazer a mensagem escorrer por várias pessoas até chegar no povão. E cada uma dessas pessoas tem suas convicções, além de capacidades diferentes de compreensão e difusão da mensagem. Se o âncora do jornal não passar credibilidade para o cidadão, se a relação humana entre quem dá a notícia manipulada e quem a recebe não for de confiança, pouco importa ter o maior canal de TV do país. Cada relação de convencimento acontece numa escala minúscula entre pessoas, humanos com seus universos paralelos mentais.

Tudo isso pra dizer que esse ano está provando minha teoria com louros: a internet escancarou como o ser humano funciona nessa pequena escala de convencimento e basicamente está alheio às mensagens de grupos poderosos. As pessoas mal entendem o que está acontecendo! Pouca gente entende o que lê, pouca gente se importa com os rumos em geral da sociedade. O funcionamento da manipulação no mundo está vinculado a pequenas causas e a interesses pessoais de curtíssimo prazo. Mais do que isso e não “cabe” na cabeça da maioria avassaladora das pessoas.

Trump bateu em basicamente todas as minorias, falou bobagens espetaculares, tinha quase que toda a mídia tradicional contra ele e um grupo muito vocal (e histérico) de detratores berrando sem parar na internet. Conseguiu votos suficientes para ganhar. No voto popular até perdeu para Hillary, mas jogou com as regras do jogo e com os votos válidos: os do colégio eleitoral. Mas se formos parar pra pensar nos números finais, mais de 50 milhões de americanos não deram a mínima para o poder da mídia e para as táticas histéricas do politicamente correto. O que me faz pensar não que o mundo mundou, mas que… talvez fosse uma ilusão, um falso positivo, que a mídia tinha esse controle todo.

Como eu disse antes, o cérebro humano é viciado em buscar padrões para entender o mundo ao seu redor. Se o candidato com mais apoio da mídia ganhava antes, só podia ser resultado da mídia apoiando. Mas, nada como um tapa na cara como foi esse de Trump em 2016 para nos fazer rever o mundo. Talvez a mídia que sempre tenha se adaptado à vontade da maioria e colhido os frutos de um falso poder por décadas. Quando a internet entra no jogo da mídia, pulverizando de forma incontrolável a informação e suas análises, só começamos a ver mais do que as pessoas realmente pensam, não necessariamente uma nova forma de pensar.

Tanto que… Trump ganha com o voto principalmente de homens brancos. Uma verdade que não gostamos de admitir é que na verdade as pessoas se importam com o que lhes afeta diretamente, conceitos como justiça social e direitos humanos ficando relegados a um segundo plano. Se a pessoa está com medo de pessoas marrons explodindo por aí, vai achar o máximo banir todos os muçulmanos do país. E pouco importa os inocentes que vão pagar por isso. Na balança pessoal, a sensação de segurança própria passa por cima da liberdade e da dignidade de milhões. Quem estabelecer essa relação humana com o eleitor e disser o que ele quer que seja dito consegue influenciar. Quem estiver do alto de um pedestal cagando regras de como temos que ser e pensar “em abstrato” vai virar ruído.

A informação está superestimada nesse mundo. Seja por seu excesso ou pela inocência de acharem que só ela basta. Quando os receptores dessa informação não sabem o que fazer com ela, apelam para o menor denominador comum: a necessidade pessoal. E aí não existe habilidade maior ou menor de manipular, só a de estar no lugar certo na hora certa e saber espelhar o que as pessoas JÁ decidiram que querem, mas talvez só não tivessem coragem de admitir. Os americanos estavam de saco cheio de imigrantes e de politicamente correto. Não necessariamente por entenderem bem o que ambas os conceitos significavam, mas por ser mais ruído na cabeça deles enquanto tinham problemas mais pessoais para resolver.

O desfavor do ano é o reforço da ideia de que as pessoas só escutam o que querem e o modelo de manipulação em larga escala está se provando apenas uma ilusão que tivemos no passado. Somos uma massa amorfa que acha que tem algum controle… não temos.

Para dizer que isso foi profundo, para dizer que eu fui manipulado a escrever isso, ou mesmo para dizer que eu só descobri que a merda fede: somir@desfavor.com

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Comments (5)

    • Tenho de concordar…

      E uma vez li que um sistema parecido com o de lá é que deveria ser o daqui; e, por mim, bem que “os pesos” poderiam ser de acordo com os IDHs (sim, tenho “invejão” de Curitiba e – até – do resultado curitibano…).

  • Só eu que acho que essa eleição americana foi roubada? O cara é milionário, pode comprar quem ele quiser. Sem contar que não há um dia fixo para se votar, e sim um prazo final. As urnas já estavam funcionando 1 mês antes da terça feira. Tempo suficiente para, no mínimo, trocarem as cédulas.
    E que método arcaico para se fazer uma eleição. Literalmente uma zona. Tinha zona eleitoral até dentro de supermercados. Hoje, banana: 2 dólares, carne: 5 dólares, votação: no fundo da loja. Até por aqui o negócio parece ser mais organizado.
    Isso não é tradição, é burrice, atraso e fraude. Porque é compreensível que no século XVIII não fosse possível se chegar a tempo. Mas para quem se considera uma nação moderna e democrática deviam atualizar e acabar com esse colégio eleitoral. Acredito que mais pesssoas se importariam e participariam sabendo que seu voto é o que realmente vale.

    • Não acho que seja não. Se Trump é rico, Hillary (que não é pobre) tinha a máquina toda a seu lado, pois Obama fez o possível e o impossível para que Trump não ganhe. Além disso, o voto no papel é muito mais seguro que urna eletrônica.

  • Os dois textos se complementam, mas o penúltimo parágrafo do do Somir foi genial, especialmente este trecho: “não existe habilidade maior ou menor de manipular, só a de estar no lugar certo na hora certa e saber espelhar o que as pessoas JÁ decidiram que querem, mas talvez só não tivessem coragem de admitir.” Perfeito. Concordo com ambos, no entanto. E, como a Sally disse, o mundo mudou – de uma forma que ainda “digerimos” – e, gostemos ou não, teremos que mudar junto com ele.

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