Macaquice.
Era óbvio que geraria reações enfurecidas, porque não vivemos mais num mundo que sabe lidar com esse tipo de ideia. Campanha equivocada, reações bizarras e vitória do racismo: desfavor da semana.
SALLY
Lamentável. Parece que não tem jeito, a imagem de símios no geral está irreversivelmente vinculada a negros. Uma pena que todos insistam em reforçar essa comparação babaca, se apenas parassem de fazer escândalo quando ela acontece, cedo ou tarde ela se perderia no tempo.
Mas não, tem que dar valor, tem que dar significado, tem que repercutir. Será que as pessoas que o fazem percebem que só estão reforçando, e não combatendo o problema?
Desde a escola é assim que a coisa funciona: se alguém te dá um apelido desrespeitoso, escroto, nocivo, o quanto aquele apelido vai pegar depende basicamente de você. Quanto maior sua reação a ele, mais você mostra que aquilo te atingiu. Por consequência, mais as pessoas que querem te atingir irão utilizá-lo, uma vez que ele se mostrou eficiente para o que pretendem. Porém, quanto menos importância você der, menos ele será falado, pois será ineficiente para os fins pretendidos: te humilhar, te irritar, te segregar.
Pouco muda na vida adulta. Temos o componente criminal, que todos sabemos que não basta para coibir falas racistas, tanto é que elas continuam ocorrendo, eu arrisco dizer, cada vez mais. O que antes era piadoca sem graça, agora está se transformando em fala raivosa, um downgrade, na minha opinião.
Não é calando a boca das pessoas com ameaças que se muda o racismo, é conscientizando. Uma sociedade continua sendo igualmente tóxica se seus membros acreditam que negros são similares a macacos, ainda que eles não possam expressar abertamente como pensam. Impedir de falar (ou tentar impedir de falar) não melhora uma sociedade. Educar e conscientizar sim.
Suponho que a campanha fosse por essa mesma linha de pensamento: acabar com esse tabu, dessensibilizar, mostrar que é hora de superar esse trauma todo à palavra “macaco”, pois biologicamente falando, o DNA de todos nós, negros, brancos ou amarelos, tá igualmente pertinho do DNA dos símios. Além disso, o criador das imagens rotineiramente usa macacos em muita coisa que faz. Ele se justificou usando a frase “somos todos macacos” (que já foi um grande fail publicitário uma vez, mas por motivos diferentes).
Deixar de usar macacos por ser uma campanha contra o racismo é que seria racismo, mas uma massa enfurecida com sanha de reparação dificilmente vai perceber isso. Quem tem a certeza absoluta de que negros não são macacos não vai achar esse cartaz ofensivo, vai olhar para o macaco como qualquer outro animal, o que, por sinal, deveria ser a regra. Não vai dar importância a essa vinculação babaca que se faz entre negros e macacos, por não querer dar voz ou palco a idiotas.
A ofensa está na cabeça do ofendido. As coisas têm a importância que a gente escolhe dar a elas. Só pode te atingir o que você permite que te atinja. Essa campanha seria uma excelente oportunidade para que, todos juntos, como sociedade, superássemos essa eterna vinculação de negros com macacos.
Infelizmente não deu, ao que tudo indica, não se pode falar a palavra, não se pode mostrar uma imagem, não se pode colocar no mesmo ambiente macacos e negros pois isso é imediatamente entendido como racismo. Uma pena. Parece que vai demorar mais do que eu pensava para ver essa evolução acontecendo e a fala de racistas ser simplesmente ignorada, sem receber atenção, sem ter ibope, sem ter a capacidade de causar danos. É assim que se tira poder de racista.
Claro, sempre existe a possibilidade de terem causado polêmica proposital, para ter visibilidade ou sei lá qual ganho secundário. Nesse caso, é um desfavor maior ainda dar atenção para essas pessoas. É morder uma isca, é dançar como um fantoche que recebe o comando. Se as pessoas que fizeram isso tocaram em um ponto sensível para ganhar visibilidade, bem, conseguiram, parabéns, quem se chateou foi lindamente manipulado.
Não existe isso de publicidade negativa no mundo da publicidade. Hoje em dia, muitas vezes, compensa mais receber uma enxurrada de ódio e críticas em troca de muitos cliques, inclusive financeiramente. Então, todos que criticaram, que interagiram, que de alguma forma deram atenção a essa campanha, podem ter dado dinheiro aos envolvidos. Parabéns, viu?
Em algum momento, uma das partes vai ter que desistir dessa briga, e, acreditem, não serão os racistas, pois são pessoas que precisam se sentir poderosas por serem desempoderadas. A melhor chance que temos é que os alvos de ataques racistas simplesmente parem de se importar, parem de repercutir, parem de dar voz a esse tipo de babaquice. “Lutar contra” algo nunca resolve, só cria mais daquilo, pois fortalece quem o faz com a recompensa de provocar uma reação.
É bastante óbvio. Tão óbvio que eu me pergunto se ambas as partes não estão gerando um ganho secundário aí, pois só isso justifica essa insistência em atitudes erradas. Será que os alvos do racismo, ainda que inconscientemente, não gostam desse papel de vítima pública, dessa repercussão? Isso os faz, muitas vezes, intocáveis. Algum ganho secundário tem nessa dinâmica nefasta que se arrasta por tantas décadas, se ambas as partes não estivessem se beneficiando de alguma forma, já teriam parado.
É isso ou presumir que aqueles que se ofendem são burros demais para perceber um mecanismo que a gente entende desde a terceira série do primário. Como eu não acredito de forma alguma que sejam burros, abraço a teoria do ganho secundário.
O que não é crível de forma alguma é que, a esta altura do campeonato, uma pessoa com um mínimo de raciocínio e discernimento não perceba que está alimentando o ego de um racista cada vez que se ofende de forma pública. Ou não tem um mínimo de raciocínio, ou tem um ganho secundário inconsciente. Escolha um, preferencialmente em silêncio, pois em ambos os casos você será chamado de racista.
Macacos só são símbolo de uma fala racista por uma convenção social, que infelizmente os próprios negros se encarregaram de validar, ao se deixarem afetar por ela. O outro lado, o dos racistas, é comporto por pessoas doentes, com sérios problemas mentais e de autoestima, cabe a quem é saudável da cabeça se retirar dessa dinâmica.
Ao se ofenderem com essa campanha, os próprios negros estão se vinculando a macacos. Parem, por favor, vocês são o lado capaz e saudável da equação, só vocês podem esvaziar o racismo não dando poder a ele. Apenas parem.
Para dizer que este texto dá cadeia, para dizer que foi corajoso publicar algo que não será compreendido ou ainda para dizer que concorda em silêncio para não ser chamado de racista também: sally@desfavor.com
SOMIR
Eu consigo me colocar no lugar do artista que criou essa campanha: se a grande ofensa que os torcedores racistas querem usar é chamar negros de macacos, o ideal é esvaziar o discurso deles dizendo que macaco todo mundo é. Eles são só macacos de pele clara gritando contra macacos de pele escura, e quando apontam o dedo para o outro, na verdade estão apontando o dedo para eles mesmos. Se você parar para pensar por alguns segundos, deve ser capaz de chegar à mesma conclusão sobre a proposta do material, nem é tão profundo assim.
Consigo também me colocar no lugar do executivo que teve que aprovar essa campanha. Provavelmente achou que ganharia uns pontinhos de modernidade com os jovens e tiraria das suas costas a reclamação constante de não fazer nada contra os imbecis sendo racistas nos estádios. Parecia uma excelente ideia, e provavelmente ninguém chegou até ele para dizer que isso tinha tudo para dar errado.
Mas não consigo realmente entrar na cabeça de quem bateu o olho na campanha e achou que uma instituição do tamanho do maior campeonato de futebol do país iria fazer uma campanha em pleno 2019 com o único objetivo de chamar negros de macacos. Não estou negando a realidade, foi uma enxurrada de críticas, e não só de desocupados do Twitter, mas inclusive de atletas. Veículos de imprensa voaram no pescoço da organização da Serie A, dizendo que aquilo era absurdo e racista. Foi isso que aconteceu, mas eu simplesmente não consigo regredir minha capacidade cognitiva de tal forma que consiga enxergar racismo na campanha…
O que não quer dizer que esteja absolvendo a decisão de lançar essa campanha: entendo a lógica e acho bizarro que alguém acredite que a ideia era ser mais racista, mas quando falamos de questões do tipo, o senso de humor e o senso crítico da humanidade acabou. Mesmo que você, indivíduo, ainda seja capaz de lidar com essas informações e chegar às conclusões mais óbvias, como grupo nosso Q.I. médio para lidar com diferenças entre as pessoas caiu vertiginosamente. Talvez alguns indivíduos sejam tão simplórios mesmo, ao ponto de ver a imagem de um chimpanzé e achar que isso só pode significar ódio de brancos contra negros. Mas eu apostaria mais que a média das pessoas que bateram nessa campanha SABIAM que ela não era racista, mas fizeram a acusação do mesmo jeito, só para estar do lado “certo” da execução em praça pública. Se você não pegar uma pedra para jogar no acusado da vez, corre o risco de ser jogado ao lado dele e virar alvo também.
Nós que somos brancos, negros, amarelos, vermelhos e todas as outras combinações de cores com um mínimo de inteligência estamos nos tornando reféns de brancos, negros, amarelos, vermelhos e todas as outras combinações sem capacidade intelectual básica de compreensão da realidade. Os apedrejamentos começam tão rápido que é evidente que os primeiros ofendidos são justamente aqueles que não conseguem pensar mais do que meio segundo antes de jogar uma pedra. E são essas pessoas assustadoramente burras que estão tomando a dianteira da discussão nos dias atuais.
As pedras são jogadas tão rápido que é quase questão de instinto jogar também. Seres humanos evoluíram para ficar em harmonia com o grupo, então se não dá tempo de pensar, o reflexo é escolher o lado mais numeroso de uma disputa para aumentar suas chances de sucesso. Gente muito limitada se ofende na velocidade de uma sinapse, começa um movimento de linchamento e quando percebemos, a maioria está seguindo sem questionar. É óbvio que não houve sequer intenção racista na campanha dos chimpanzés, só viu essa ofensa quem não tem nada na cabeça além de uma comparação crua entre macacos e negros.
Os ativistas e os estagiários da grande mídia não são mais sofisticados do que chimpanzé = negro: por isso chiliques na rede social e matérias dolorosamente burras achando que a ação da liga italiana era exatamente a mesma coisa do que o imbecil da torcida imitando macaco para o jogador negro. E se fosse só a burrice, vá lá, educação resolve isso em algumas gerações. O pior, para variar, são os desonestos intelectuais, que só partem para cima dessas polêmicas por ganhos pessoais: entendem que não era a intenção, entendem que não é a mesma coisa de que uma ofensa racista, mas mesmo assim escolhem tornar pública essa opinião para fazer pose de progressivo ou só para causar problemas para alguém que detestam por causa da cor da pele e nada mais.
Essa gente não vai melhorar. Vai continuar escrevendo artigos em grandes veículos de mídia e tendo muita audiência usando o racismo como método de atrair mais atenção, e por consequência, dinheiro e poder. Especialmente para esses oportunistas, é terrível que a humanidade pare de usar a comparação entre negros e macacos: se evoluirmos para longe disso, desaparece uma vantagem competitiva. Não dá para ganhar atenção criticando qualquer imagem de chimpanzé se as pessoas não acharem mais que é uma ofensa específica contra um grupo humano. E digo mais: é basicamente o mecanismo por trás da palavra “nigger” nos EUA. O termo derrogatório usado para ofender negros simplesmente não desaparece, muito porque foi adotado pela população negra. É um pequeno poder ter a palavra à disposição e saber que qualquer outra pessoa que usar pode ser apedrejada imediatamente. Ao invés de se livrar da palavra ou desarmá-la para nunca mais ofender as próximas gerações, ela é mantida como uma mina linguística pronta para explodir a cada conversa. É trocar o bem comum no longo prazo por ganhos momentâneos.
Então, embora eu entenda a campanha dos italianos, jamais deixaria ir para a rua se tivesse algum poder por lá: vivemos num mundo de gente muito mal informada, com preguiça de pensar, e principalmente, cheia de gente tão escrota que faz questão de não deixar a humanidade seguir em frente com essa estupidez imensa de comparar negros com macacos só para poder tirar alguma vantagem disso. Não importa a cor, o ser humano é um merdinha egoísta. Somos todos macacos mesmo, mas não gostamos de ser lembrados…
Para dizer que achou o desenho bonitinho, para dizer que adora a falta de tato dos italianos, ou mesmo para dizer que ser atacado no Twitter é prova de mérito: somir@desfavor.com
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Etiquetas: publicidade, racismo
Anônimo
Macacaralho, Macacaralho
Macaquinho tão legal
Macacaralho, Macacaralho
Esse bicho é animal
Estuprador Pedófilo Satânico Nazifascista
Tudo na boa e velha política de terra arrasada. Aquela velha rixa do nós contra eles pra formar rebanhos de grupos de interesse pra se manipular conforme a conveniência política.
Militâncias como a do feminismo, do “movimento negro” e dos “transsexuais” são experts nisso.
O problema é que o feitiço em certos casos se vira contra o feiticeiro, sendo que Trump e Bolsonaro são os exemplos mais óbvios disso. E sim, eles também blefam para manter seu rebanho fiel.
Anônimo
Lembrei do Somir “gritando” naquele texto da Mônica LGBT: EU ODEIO GENTE BURRA!
Se um dia vocês voltarem a fazer vídeos, dê vida à essa frase.
Se tirar o linchamento virtual e postagens genéricas resumidas em feminismo/dar a bunda/Trump ruim, até que o Twitter é uma ferramenta interessante. É incrível ter tantos cientistas e escritores tão acessíveis pra todo mundo, não podemos deixar essa rede social morrer por causa de adolescente retardado (e véio retardado também, desde a eleição do Bolsa de Cocô eles vem empesteando o Twitter).
Sally
Twitter é a única rede social que eu respeito hoje em dia, pois biscoiteiro não se beneficia