Sem noção.
A gente já tinha decidido pelo tema de como o brasileiro médio estava com a mentalidade toda torta em relação à guerra na Ucrânia e a pandemia quando surge a seguinte notícia:
Em uma série de áudios gravados hoje e enviados a um grupo de amigos no Whatsapp, o deputado estadual e pré-candidato ao governo de São Paulo Arthur do Val (Podemos-SP), que afirmou estar fazendo coquetéis molotov na guerra da Ucrânia, descreve suas impressões sobre as mulheres do país e, em um dos trechos, afirma que elas “são fáceis, porque são pobres”. LINK
Então, vocês vão ter as duas coisas, o texto da Sally feito antes dessa notícia, e o texto do Somir feito depois. Desfavor da Semana.
SALLY
Sábado passado a gente falou sobre o desfavor que é resolver qualquer problema, divergência ou até mau-caratismo matando inocentes. Esta semana vamos falar do desfavor que é o brasileiro lidando com isso e com qualquer assunto que demande um mínimo de seriedade e informação.
O brasileiro continua um povo ignorante, egoísta e arrogante. Tudo é sobre ele, ele sabe tudo mesmo sem estudar e quem discorda dele é burro. Não dá para acreditar na quantidade de gente que está fazendo malabarismos para defender a morte de civis inocentes, o aprisionamento de crianças em jaulas longe de seus pais, a destruição de lares e a violação de direitos humanos. Depois vocês não entendem como elegem presidente bosta. O presidente é só um retrato do povo.
Não me importa o que a OTAN descumpriu, não me importa o que a Ucrânia fez, não me importa absolutamente nada: a resposta não pode ser matar inocentes. Não é normal, não é saudável, não é aceitável tolerar a morte de inocentes sob nenhuma circunstância – e me espanta que tanta gente no Brasil discorde disso. Falta o mínimo do mínimo nessas pessoas, falta humanidade, falta consciência, falta ser gente.
É um conceito que independe de ideologia, de política, de circunstância. Não estou falando deste caso concreto, estou falando que matar inocentes não é aceitável. Nunca. “Ain mas e o Afeganistão? E o Paquistão? E as invasões dos EUA?”. NÃO É TOLERÁVEL, NÃO É ACEITÁVEL, NUNCA. Dois errados não fazem um certo. Se mais pessoas o fizeram, criticarei mais pessoas, mas jamais autorizarei a que alguém o faça.
“É complexo”. Sim, nós mesmos falamos isso sábado passado. É complexo de entender as origens do conflito, que remontam de décadas e de questões subjetivas, mas é muito simples de entender que nada justifica o que está acontecendo. Não é nada complexo entender que nada justifica a morte de inocentes, nem mesmo o fato de já ter sido feito antes. Eu não sei que futuro espera pelo Brasil com tantas pessoas relativizando a morte de inocentes e não repudiando com força essa barbárie.
Outro tipo nefasto que vimos desfilar esta semana é a pessoa que quer de alguma forma se promover ou fazer dessa tragédia algo referente a ela. Por exemplo, gente tirando foto de biquini “pedindo paz”. Minha senhora, como seu cu vai ajudar, me diga? Assuma que quer biscoito e poste sua foto em busca de elogio. Teve gente reclamando que essa guerra atrapalhou suas férias ou sua viagem. Como cabe tanto arrombamento em uma pessoa?
Tem também os especialistas em achismo. Gente que não sabe nem apontar a Ucrânia no mapa, mas tem toda uma opinião incisiva formada, cheios de certezas e soluções. Você vai olhar para a pessoa, ela tem 37 anos, mora com os pais e deve ao banco, não consegue resolver a própria vida, mas sabe facilmente como solucionar um conflito internacional.
Tem os levantadores de bandeira que, por sua ideologia estar alinhada (ou por acharem que está) com a Rússia, fazem malabarismo para justificar o que está acontecendo. Pouco me importa o que o outro lado fez, invadir um país independente e matar inocentes não é solução. Nunca. Para nada. Mas a pessoa gosta de vestir a camisa pró-Russia, daí ela sai bostejando cheia de orgulho da vergonha que está passando: EI! OLHA PRA MIM! OLHA COMO EU SOU PRO RÚSSIA! EU SOU MUITO! EU SOU MESMO! OLHA PRA MIM!
Tem os fetichistas de tragédia, que ficam catando, olhando ou compartilhando as fotos de feridos, de sofrimento, de destruição. Imagina o grau de problema de cabeça que tem uma pessoa que procura, olha ou compartilha uma foto de uma criança destroçada por uma bomba. E são muitos: as mídias que mais estão ganhando visualização são as que estão postando as fotos mais pesadas.
Tem também o pessoal bélico, que sai brigando com quem discorda deles. Uma coisa é se declarar contra a morte de inocentes, outra é ir até quem discorda de você e começar a bater boca. Não gosta do que a pessoa é? Acha um absurdo o que ela falou? Não siga. Bloqueie. Se afaste. Caso contrário, você só está usando uma enorme tragédia para dar vazão à sua sede por tretas.
Ninguém é obrigado a concordar com você. Deixe os outros pensarem diferente e faça como a gente: ache-os babacas e diga aos seus amigos e aos seus leitores que eles são babacas. Precisa ir lá confrontar a pessoa e começar uma discussão? Você quer convencer o mundo todo a pensar como você?
Você deve ter coisas mais importantes para fazer na vida do que discutir com pessoas, não é mesmo? Não, a pessoa TEM QUE convencer, pois é um absurdo viver em um mundo de gente que não concorde com ela e que não veja as suas verdades. Tá cheio desse tipo de pau no cu. Uma coisa é manifestar a sua opinião, todo mundo está no direito, outra é ir até quem discorda e ficar tentando convencer a pessoa. Chatooooooo. Inconveniente. Desocupado.
E tem esse outro tipo fascinante, que é o passador de pano do passador de pano. Tanto Bolsonaro quanto Lula estão se mantendo “neutros” e eu estou vendo uma pá de gente criticar ferrenhamente essa invasão à Ucrânia e de-to-nar quem se omite ou passa pano para o Putin. Mas, quando se cita seu político de estimação, começam a passar pano. Você é contra e vai votar em quem é a favor ou se omite? Como assim, meu querido?
Eu só quero ver se, em outubro, não vão colocar no comando do país alguém que, segundo eles próprios, foi abjeto, repulsivo e imperdoável por passar pano para Putin. “Acho horrível, condeno, mas voto em quem o faz”. Desculpa, mas se você realmente achasse inadmissível, não votaria em quem o faz.
Por fim, tempo o tipo “foda-se”. A pessoa que segue sua vida como se nada estivesse acontecendo, pois nada é importante, só sua cervejinha, seu encontrinho, sua roupinha nova. E estas pessoas, além da falta de noção, trouxeram outro risco: covid.
Fevereiro foi o mês com mais contágios no Brasil, desde o começo da pandemia. Mas a maior parte das pessoas acha que está tudo bem, que a pandemia já acabou e que o seu carnaval é a coisa mais importante do mundo. Saiu em vários jornais internacionais o brasileiro pulando carnaval com questionamento se é realmente momento para isso, tanto pela comoção gerada pela situação mundial quanto pela pandemia.
Foda-se. O brasileiro só pensa em si mesmo. Foda-se que o vírus circula mesmo entre vacinados e quanto mais ele circula, maiores as chances de uma mutação, ele não se importa. Se ELE está com três doses de vacina e ELE não vai morrer, ele vai sair.
Foda-se quem convive com eles e não tem três doses de vacina. Foda-se o resto do continente, mesmo que crie uma nova variante que devaste seus vizinhos, como foi a de Manaus. Foda-se matar quem mora no país ao lado. Foda-se gerar complicações mundiais. Foda-se todo mundo que não seja eu.
Esse tipo de pessoa animalesca, que, tal qual um bicho, vive apenas para saciar suas vontades imediatistas, é um câncer. São cães bípedes que atrasam a sociedade, são peso no mundo que consomem comida e não dão nada em troca.
Pessoas sem senso de coletividade nem empatia que desgraçam a vida de quem está tentando fazer a sua parte e ajudar. Mas quando alguém de alguma forma se volta contra elas, ficam pedindo empatia em redes sociais. Falta bullying, falta reprovação social contra essa postura egoísta. No Brasil você pode ser um escroto e não sofrer por causa disso.
É isso, esta semana o brasileiro tornou o que já estava ruim em algo ainda pior com sua inconsciência, egoísmo e imbecilidade. Nascer no Brasil é comorbidade.
Para dizer que não está nem aí para guerra (deveria, vai te afetar muito), para dizer que não está nem aí para a pandemia (deveria, vai te afetar muito) ou ainda para dizer que não está nem aí para o Desfavor (o que está fazendo aqui então?): sally@desfavor.com
SOMIR
A Sally, como pessoa que se organiza e adianta as coisas, termina o texto do Desfavor da Semana na sexta-feira. Eu termino o meu um minuto antes de postar. Tínhamos concordado que havia muitos paralelos entre a forma sem noção que o brasileiro lidou com a pandemia e a forma como lidou com o assunto da guerra. Egoísmo, arrogância e falta de senso comum.
Eu pretendia fazer meu texto com paralelos dos comportamentos numa sociedade que parece viciada em atenção de rede social e perdeu completamente a capacidade de definir o valor da própria opinião. Mas eis que um deputado brasileiro que tentava ser governador de São Paulo tem áudios absurdos vazados na grande mídia.
Sally até poderia refazer seu texto, mas achamos melhor manter o que já tinha sido feito: no final das contas, é um texto que explica muito bem o tipo de mentalidade de quem entrou na histeria de mocinho e bandido empurrado por ambas as máquinas de propaganda dessa guerra. É gente que só quer levar vantagem mesmo.
Por isso, fica comigo a missão de se arrepiar com o grau de escrotice desse cidadão. E olha que eu vou ligar meu grau de escrotice no máximo primeiro: se você é homem, você sabe bem o que é esse tipo de conversa. É o superlativo masculino. A gente fala bobagens inacreditáveis entre nós, com a compreensão coletiva de que estamos exagerando o máximo possível para dar uma “graça” na fala. É tipo o “eu te mato”, é um exagero na fala para passar uma emoção mais forte.
E eu acredito que mulher também tem a sua forma de superlativo em conversas internas. Talvez menos porque são melhores em expressar sentimentos e não precisam dos “truques” que homens precisam; mas mesmo assim, o que eu quero dizer aqui é que eu entendo alguém falar uma merda bem sexista e de baixo nível às vezes. Se estiver claro para todos que é um superlativo e não tiver ninguém que se ofenda ouvindo, é o tipo de coisa que acontece sem consequências todos os dias. Assim como eu acho que não entenderia uma mulher falando comigo exatamente como falaria com outra mulher, eu acho que mulher não tem como entender de verdade o que um homem fala para outro numa situação dessas. Elas se entendem, nós nos entendemos.
Dito tudo isso: não estou chocado com o grau de babaquice da fala do Mamãe Falei porque ele objetificou mulheres, estou chocado porque um político eleito brasileiro foi para a Ucrânia supostamente ajudar um dos lados da guerra e achou aceitável mandar áudios de lá como se estivesse falando num bar com amigos íntimos. Olha o grau de insanidade!
A pessoa não tem a menor noção de que vive num mundo com mais pessoas. Meteu na cabeça que ia fazer uma ação de publicidade usando uma guerra onde está morrendo gente de forma horrível, e estando lá não conseguiu sequer entender a situação do local. Paradoxalmente, foi sua viagem até a Ucrânia que explicitou como ele não tinha a menor ideia do que era a Ucrânia naquele momento.
Você está no meio de uma guerra, supostamente do lado do povo sofrendo a agressão, cercado por homens que viram suas mulheres e filhos irem embora para que eles pudessem arriscar sua vida contra o segundo maior exército do mundo. E ele estava pensando em tirar foto para rede social e de olho nas loiras desesperadas que ficaram presas por lá. Eu nem estou exigindo coerência intelectual de sentir a gravidade da situação, eu só estou pedindo o mínimo de inteligência para disfarçar seu egoísmo.
Voltando ao que seria o tema original desta coluna, é mais ou menos como o brasileiro que foi pular carnaval com a pandemia longe de estar sob controle: coloca o interesse do momento na frente de tudo, não se esforça nem um pouco para enxergar a situação ao seu redor e ainda tem a cara de pau de tirar onda com isso. Não se sente na obrigação nem de fingir que se importa com algo além de si mesmo.
A “sorte” dessa situação é que o deputado paulista mexeu com mulher e ativou a cultura do cancelamento por tabela. Duvido que se tivesse falado algo estúpido que não atacasse diretamente um dos grupos protegidos (só na fala) da sociedade moderna, iria pagar o preço que pagou. Isso também me preocupa, foi uma coincidência que ele tenha falado sobre se aproveitar de mulheres desesperadas em zona de guerra e até mesmo cutucado um pouco o ego da mulher brasileira (a gente sabe que teve isso, não?). Se não fosse esse elemento, seria só mais uma babaquice incapaz de derrubar a carreira desse cidadão.
Evidente que eu acho de péssimo gosto falar sobre “mulher fácil por ser pobre”, mas acho que pouco se fala sobre o dano que um cretino desses faz na imagem (já ferida) do brasileiro. Na primeira oportunidade o brasileiro vai para outro país agir como explorador? Não só o imbecil se arriscou a ser preso pelo exército russo (ou ucraniano depois das falas) e criar um incidente diplomático terrível (com o mundo todo), como também vai deixar o povo que ele disse ir ajudar com nojo de brasileiro por muito tempo.
Tudo porque queria fazer graça na rede social e passear um pouco. Quem vazou o áudio era um amigo de merda, não posso fingir que não, mas uma pessoa que manda um áudio desses para qualquer pessoa que não tenha certeza absoluta que nunca ia trair sua confiança é uma pessoa que coloca seu ego acima da razão. Eu sei muito bem para quem eu posso falar QUALQUER coisa e me sentir protegido (Sally é uma delas – se eu dissesse algo assim pra ela, ela me xingaria sem parar, talvez até deixasse de falar comigo, mas nunca me trairia), e eu duvido que Mamãe Falei não soubesse também. Ele mandou esse áudio pra fazer pose pra gente que não tinha certeza absoluta que não o entregaria.
Arriscou (e perdeu) sua carreira para pagar de machão para gente que nem ligava tanto assim pra ele. Esse é o grau de isolamento mental dessas pessoas. Pessoas que fazem leis! E para colocar a cereja no bolo de merda, ainda sujou a terceira via e o MBL. Posso não gostar deles, mas era ALGUMA coisa que não era Bolsonaro ou Lula, nem que fosse pra lembrar o brasileiro que existiam outros caminhos.
É um misto de burrice, egoísmo e desempoderamento na necessidade de querer posar de machão para gente aleatória enquanto se aproveita do sofrimento de um povo que está tomando bomba na cabeça. É por isso que esse país não vai pra frente. É por isso que a pandemia matou aqui provavelmente mais do que a maioria das guerras dos últimos séculos.
É gente sem noção de tudo.
Para dizer que eu sou feministo, para dizer que já não gostava deles mesmo, ou mesmo para dizer que está triste por não terem pegado ele na Ucrânia mesmo: somir@desfavor.com
Anônimo
Mamãe, Falei… Demais!
fernanda
Aparentemente vc não querer nem Lula e nem Bolsonaro te torna um “fascista, comunista, globalista, isentão”, mas o Putin explodindo criancinha é uma “questão complexa” de se explicar, segundo o raciocínio dos sub-humanos do twitter.
Opinião impopular: boa parte da galera da Esquerda e da Direita, principalmente a ala politica, nem se importa de verdade com o que o MamãeCaguei disse. Esse “cancelamento” é mais politico do que moral. No fundo os dois lados estão contentes porque a suposta terceira via, agora, se encontra no mesmo lamaçal que eles. Todo mundo ali tem uma merda pra jogar na cara do outro.
Alias, alguém tem que avisar pro bicicleto e pro “deputuber” que ,a partir dos 30 anos, essa desculpa do “sou jovem” não cola mais (pelo contrário, fica mais feio ainda).
W.O.J.
“Esse “cancelamento” é mais politico do que moral. No fundo os dois lados estão contentes porque a suposta terceira via, agora, se encontra no mesmo lamaçal que eles. Todo mundo ali tem uma merda pra jogar na cara do outro.”
Concordo, Fernanda. E é muito triste ver que, com essa ânsia toda que cada facção tem de ter “uma merda pra jogar na cara do outro”, chamar isto aqui de pocilga já não é mais só um insulto raivoso, mas mera constatação da realidade.
Anônimo
Incrível! 2022 já está ficando marcado como o ano em que idiotas arruinaram suas carreiras por falar merda sem pensar. Primeiro foi o Bicicleto, agora o Mamãe Falei. Quem será o próximo?
Anônimo
Isso aí é a pornozação das relações humanas. As pessoas não enxergam mais um ser humano quando olham pra outro indivíduo. Enxergam um pedaço de carne, um brinquedinho, apenas um meio de realizar suas depravações sexuais, morais, egoístas e perversas.
Anônimo
Arthur Moledo do Val não é aquele cara que fazia dobradinha com o Kim Kataguiri que esmerdeou ainda mais a parada no YouTube com o BICICLETO?
Sim, esse é o nome do cidadão.
Anônimo
Todo político devia fazer essas viagens. Pelo menos ficam lá longe e não tem tempo de criar leis merdas e/ou inúteis.
Fábio Peres
O deputado em questão já tinha perdido a carreira quando renegou e desprezou Bolsonaro, tentando se afiliar a um certo “lado cinza-cor-de-rosa” do espectro político, aquele que banca o responsável da boca pra fora. Ser escroto (ainda que falando verdades) e imbecil, nesse caso, é apenas mais um detalhe.
No mais, quanto ao texto da Sally: é evidente, pandemia nenhuma acaba porque os infectologistas dizem que vai acabar – ainda mais no Brasil, com nosso contrato social “mais-ou-menos-adaptável-às-circunstâncias”.
Sally
Não tem infectologista no Brasil dizendo que vai acabar, muito pelo contário
Fábio Peres
Infelizmente, Sally, a palavra do infectologista é a que menos vai contar nessa hora.
Daniele
Como se SP fosse a Dinamarca e não tivesse seus próprias problemas.
Porque esse cretino não vai pôr a mão na massa em algum problema local?
É porque ajudar pobre não dá voto no publico dele né.
Sally
Olha, eu já me dava por satisfeita se não se portasse de forma escrota com pessoas que estão em situação de extrema vulnerabilidade e sofrimento…