Narrativas repetidas.

SALLY

Se você não viu os discursos defendendo o Maduro, temos uma postagem só sobre uma delas (sim, foram vários). Foram discursos lamentáveis, repletos de mentiras, sobre assuntos que não são passíveis de opinião, são mentiras envolvendo fatos comprovados. Mas, por incrível que pareça, acreditamos que o pior desfavor da semana nem foi o discurso em si.

Filho da puta sempre tem, e todos nós vamos cruzar com alguns ao longo da vida. Que eles existam é inerente ao mundo. Que eles conquistem poder também. O grande problema, maior do que os filhos da puta em si, é quem aplaude filho da puta, seja pelo motivo que for. E esta semana vimos muita gente aplaudindo discurso mentiroso de filho da puta.

Além de ser nefasto aplaudir filho da puta que relativiza ditadura, tortura, morte, assassinado, desaparecimento de pessoas, violência sexual e outras coisas da mesma espécie, é especialmente perverso quando quem aplaude dava um piti quando outro político fazia o mesmo. Os mesmos atos, praticados por alguém de ideologia política oposta, eram severamente criticados.

Se você deu faniquito quando Bolsonaro homenageou o Ustra, se você deu piti quando Bolsonaro disse que não teve golpe da ditadura militar, se você deu chilique quando Bolsonaro disse que quem morreu ou foi torturado na ditadura “alguma coisa errada fez”, então, você deve estar no mínimo indignado com esse discurso do Lula.

Quero dizer, se você realmente for contra autoritarismo, tortura, assassinato. E a triste constatação é que poucas pessoas são. Elas são contra que quem pensa diferente delas o faça, mas quem pensa igual? Quem milita pelas mesmas causas? Tá autorizado. É pelas criancinhas? Vamos censurar. É pela democracia? Vamos prender e torturar! É pelo ideal? Vamos passar por cima da Constituição e das leis!

Isso fala muito sobre o povo brasileiro. Que o Lula é um bosta criminoso e inimigo da democracia a gente já sabia desde 2002, mas que o brasileiro é um filho da puta que endossa censura, assassinato, perseguição, prisão e tortura de quem discorda de seu posicionamento político, isso a gente só está constatando agora. E como é triste constatar uma asquerosidade dessas…

Já falamos aqui que Lula foi eleito como salvador da pátria contra um “golpista inimigo da democracia”. Me respondam que tipo de pessoa que veio salvar a democracia exalta em sucessivos discursos um narcoterrorista que até a ONU afirma ser, além de criminoso, um ditador autoritário?

Mas dói tanto no brasileiro dizer “eu errei, eu fui enganado, eu fiz papel de otário por acreditar em um discurso mentiroso” que ele prefere negar a realidade. Afinal, sem acreditar em um salvador, a vida vai ficar muito dura, as esperanças se vão de vez, a depressão vai bater na porta. Vamos todos relativizar, vamos todos fechar os olhos, vamos todos repetir o mantra “pelo menos não é o Bolsonaro”.

E faz parte desse pacto tácito atacar com paus e pedras quem ousa abrir uma frestinha e deixar entrar um pouco de luz. Vai você tentar apontar as semelhanças entre o filho da puta da vez e o filho da puta antecessor e lá vem o grito de “falsa simetria!”. A simetria só é falsa se você levar em conta a alegoria, pois, no discurso, Lula é muito mais correto do que Bolsonaro, mas na prática…

Os mesmos que faziam uma comoção sem fim quando Bolsonaro destratava uma jornalista mulher proferindo uma grosseria qualquer se recusaram a acreditar que uma jornalista da Globo tenha sido agredida pelos seguranças de Maduro. Aqueles mesmos que dizem que não se pode duvidar da palavra da vítima, sobretudo quando ela é mulher.

Negaram, negaram e negaram. “Não tem vídeo, se tivessem agredido alguém tinha filmado”. Inclusive, outros jornalistas foram agredidos, não apenas ela. Mas a negativa continuava. “Não foi agressão, só esbarrou”. Foi um soco no peito. “É da Globo, a Globo é golpista”. Outros jornalistas foram agredidos, inclusive de outras emissoras.

Pouco tempo depois, o Itamaraty solta um comunicado oficial não apenas admitindo que aconteceu como também afirmando que o Presidente Lula lamenta o acontecido. Aí os olhos se voltam para os que até dez segundos atrás negavam as agressões e eles usam sua única carta, eterno coringa, o pilar que irá sustentá-los pelos próximos quatro anos: “Mas e o Bolsonaro que…”.

O BOLSONARO NÃO É O PRESIDENTE. O PRESIDENTE É O LULA. É mais do que natural que todo o foco esteja no Lula, inclusive pela pá de bosta que ele faz e fala diariamente (imagina se o Bolsonaro indicasse seu advogado pessoal e padrinho da sua filha para o STF!). “E o Bolsonaro” é o caralho, quem está fodendo com o povo neste exato momento é o Lula! Bolsonaro tem que ser punido, preso, multado, excomungado, mas os crimes dele não podem mais ser impedidos, os do Lula sim, o que torna mais urgente olhar para o Lula.

Lula passou quatro anos repudiando orçamento secreto e dizendo que no governo dele isso acabaria, no entanto, soltou outra pequena fortuna, mais uma vez, de orçamento secreto esta semana. “Mas e o Bolsonaro?”. O Bolsonaro fez e está errado, espero que seja preso, mas o Bolsonaro não passou quatro anos criticando e dizendo que nunca faria isso. Então, enfia o seu “Mas e o Bolsonaro?” onde o sol não bate e foca nos crimes que ainda podem ser impedidos.

Vamos trazer isso para um caso concreto. Aconteceu o estupro de uma mulher na porta da sua casa em 2022. O estuprador saiu impune. Em 2023, um novo estuprador faz outra vítima. Você sai de casa, vê a mulher sendo estuprada. Você fica indiferente e diz “Mas e o outro estuprador de 2022?”. Você não vai fazer nada só por outro criminoso ter ficado impune? Que lixo de raciocínio é esse, Brasil? O sol fritou os neurônios do povo?

Acordem para a vida. Não dá para viver de “Mas e o Bolsonaro?”. Bolsonaro fez merda e deve ser punido, mas Lula está fazendo merda pode ser freado.

Saibam mensurar a urgência, as prioridades. Quando algum desmando pode ser freado, ele deve ser a prioridade, ao menos é assim que nós pensamos. Ou por acaso durante a pandemia, quando o Bolsonaro endossava Cloroquina e mandava as pessoas saírem nas ruas alguém aqui ficou “Mas e o Lula? O Lula fez tal coisa”. Não. Caímos matando, desmentindo item a item cada mentira, toda semana.

Os erros do antecessor não autorizam os erros do atual Presidente, muito menos são razão para não olhar para esses erros, criticar e pedir punição. Principalmente se levarmos em conta que o atual criticava o anterior e agora está fazendo exatamente igual, o que o torna, além de tudo, um hipócrita.

Quem levanta a bandeira da democracia para se eleger e depois nega as atrocidades cometidas pelo Maduro tem que enfrentar repúdio. É uma questão de moral, de caráter, de vergonha na cara repudiar quem defende ditadura e tortura, qualquer que seja ditador.

Mas, parece que o brasileiro não quer democracia, ele quer que o seu “lado” esteja no poder, para ter benefícios, para estar certo, para sacanear o coleguinha em redes sociais. Não importa a que preço, não importa a que custo.

Continuem abrindo essas portas perigosas que vocês estão abrindo, mas depois, quando as consequências vierem, lembrem-se que vocês estenderam um tapete vermelho para a tsunami de bosta que está por vir e não venham culpando Fulaninho ou Cicraninho: a culpa é de quem tolera, de quem não fiscaliza, de quem consente absurdos por eles convergirem com sua ideologia. Uma hora o absurdo cresce e engole você.

Para dizer que quando Bolsonaro faz é fascismo e quando o Lula faz é um equívoco, para dizer que vai ser lindo ver a Globo se emputecer ou ainda para perguntar “Mas e o Bolsonaro?”: sally@desfavor.com

SOMIR

É impressão minha ou o brasileiro anda com mais medo de ser chamado de isentão do que de defensor da ditadura? Os radicais parecem ter vencido, convencendo o cidadão médio de que não tem crime pior que não tomar um lado entre bandido autoritário de esquerda e bandido autoritário de direita. Criticar Bolsonaro é elogiar Lula e criticar Lula é elogiar Bolsonaro, pelo visto.

Disso reclamamos faz tempo. Basicamente desde que o país entrou nessa de Fla-Flu político. Mas tem algo que ainda não expressamos de forma clara desde o começo do governo Lula: o fato de que tinha que ser muito otário ou iludido para achar que ele seria diferente depois de eleito. Por questão de isonomia, eu combinei com a Sally de pegar esse lado da argumentação hoje.

Quem se lembra de como comentávamos o governo Bolsonaro se lembra também de quantas vezes dissemos como não dava para esperar algo de muito diferente daquele tiozão do Zap alçado ao cargo de presidente. Nós mesmo erramos apostando que ele seria maluco o suficiente para forçar o Brasil a se mexer em busca de um sistema melhor, tática aceleracionista que no final das contas não funcionou: Bolsonaro era preguiçoso demais até para esse grau de incompetência. Entregou o governo para o Centrão e ficou fazendo live de Facebook e ameaça furada de golpe por quatro anos (com pausa para prescrever Cloroquina).

Para quem não se lembrava de Lula, ele sempre foi amigão de ditaduras, desde é claro, que elas se declarem de esquerda. Isso tem raiz no movimento sindical da época da ditadura, muito influenciado pelo comunismo. A mente ideológica do atual presidente foi formada com a impressão de que um Estado forte poderia apertar os cidadãos até eles aceitarem as benesses infinitas do comunismo.

Não à toa, sempre foi fã de Fidel Castro, o ditador sanguinário que conseguiu resistir por décadas no poder em Cuba. Assim que outro ditador, Hugo Chávez, tomou conta da Venezuela, lá estava ele sorrindo ao lado do déspota, defendendo com unhas e dentes autocratas que se diziam parte do movimento socialista.

Lula vem de uma escola de pensamento antiamericanista, resultado até justo das inúmeras intervenções ianques na parte sul do continente, mas que com o passar das décadas, perdeu boa parte do significado. No tempo de Lula, ser contra os EUA era ser contra as ditaduras militares apoiadas por eles. Hoje as coisas são mais nebulosas. Claro que os EUA continuam com a mentalidade de usar todo o mundo para levar vantagem, mas na era da internet as coisas são mais sutis.

Não estamos mais pensando em termos de ditaduras apoiadas pelos EUA e ditaduras apoiadas pela União Soviética, estamos vendo o resultado de uma era de total dominação americana ser confrontada pelo mercado, especialmente o chinês. Mas como temos fresco na memória por causa do governo anterior, o ideólogo não se importa com a realidade, ele só quer estar certo. A ala ideológica do bolsonarismo não dizia nada com nada e estava presa décadas no passado… adivinha só o que acontece com a ala ideológica do petismo?

Lula já demonstrou várias vezes que tolera ditadura se for do time dele, uma boa parte das figuras mais poderosas de seu partido compartilham dessa opinião. Se a Venezuela se diz de esquerda, eles fingem que é democracia e as inúmeras acusações com provas dos crimes cometidos por Maduro e cia. são apenas narrativa.

Quem acreditou que dessa vez seria diferente obviamente não estava prestando atenção em quem estava colocando no poder. Lula e o PT “raiz” são isso mesmo, não importa a mão de tinta identitária que deram na campanha para parecer mais modernos. No fundo, é aquela mesma conversa furada de que se os EUA gostam é ruim, se os EUA não gostam é bom. Vocês “todes” que se fodam, porque a ideologia de Lula e cia. é a solução para tudo, e não tem problema quebrar uns ovos para fazer essa omelete do bem.

Olha a representatividade de quem coloca o seu advogado pessoal, homem branco heterossexual, no STF. Olha só o compromisso com a justiça de quem já disse que vai ignorar a lista tríplice do Ministério Público para ter um defensor pessoal na PGR. Olha só o amor pela democracia de quem finge que não vê um capanga de ditador estrangeiro batendo em repórter brasileira. Lula anotou as ideias de Bolsonaro onde foram úteis e as colocou em prática.

Nós vamos continuar criticando Lula mesmo concordando que Bolsonaro foi um péssimo presidente (para quem queria melhorar o país e até mesmo para quem queria ver ele botar fogo em tudo), porque uma coisa não muda a outra. Eu preferia não ter Lula nem Bolsonaro no governo, e a escolha forçada entre os dois não faz nenhum deles ser melhor no saldo final.

Mas, é claro, o brasileiro médio parece ter viciado de vez na radicalização entre esquerda populista corrupta e direita populista corrupta, vai ficar xingando e criticando quem não escolhe um dos lados e garantir que mais e mais eleições sejam decididas por quem ter mais fanáticos do seu lado. O primeiro passo para sair desse vício de polarização é reconhecer o vício: Bolsonaro era uma merda anunciada, Lula também. A solução nunca foi escolher entre eles, e sim se livrar deles.

Se você acha que tem que escolher entre esquerda e direita em pleno século XXI, você está sendo enganado por um grupo de fanáticos que diz que só existem essas opções. Essa mentalidade política caducou século passado. Acabou. Temos que parar de votar nesses dinossauros, eles são como são e não tem interesse nenhum em mudar. Não dá mais para fingir surpresa quando Lula abraça ditador, ele sempre foi assim, quem votou nele que esqueceu esse fato só para acreditar que escolher um lado não era repetir o mesmo erro.

Lula é isso. Se você achou diferente, errou. Tudo bem errar, mas insistir no erro não dá… tem que aprender algo a cada vez que erra. Eu já aprendi que aceleracionismo pelo Executivo não funciona no Brasil, porque o Legislativo e o Judiciário tem muito poder e não querem mudar uma vírgula no sistema que os beneficia tanto. Se você acreditou que o Lula não seria isso, o que aprendeu com os últimos meses?

Para dizer que eu sou bolsonarista por falar mal do Lula, para dizer que eu sou lulista por falar mal do Bolsonaro, ou mesmo para dizer que ditadura é uma coisa que só os inimigos fazem: somir@desfavor.com

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