Obscenidade.

O apresentador Fausto Silva conseguiu receber um novo coração neste domingo, 27, depois da equipe de um outro paciente recusar o órgão. A informação foi dada pela Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. LINK


A companhia Suave, responsável pela apresentação de dança no Ciep municipal Luiz Carlos Prestes, na Cidade de Deus, na Zona Oeste do Rio, com a música “Olha os cavalo (sic) no cio”, recebeu R$ 50 mil em edital da Secretaria municipal de Cultura do Rio no ano passado. LINK


Duas notícias sem conexão, né? Deveriam… mas a escolha do brasileiro médio em discutir elas cria o Desfavor da Semana.

SALLY

Hoje queremos falar sobre um estranho fenômeno que detectamos não faz muito tempo: a seletividade equivocada do brasileiro ao opinar.

A regra era que o brasileiro opinava sobre tudo, desde foguete até cor de batom. Todo brasileiro era técnico de futebol, todo brasileiro era juiz de direito, todo brasileiro sabia sobre tudo. Mas isso parece estar mudando e as notícias que escolhemos para ilustrar o tema de hoje mostram de forma bem didática isso.

Transplante é um tema complexo, com uma infinidade de tecnicidades, variáveis e requisitos que nós, leigos, nem sonhamos em compreender. É considerado um procedimento complicado até mesmo para aqueles que estudaram medicina. Existem muitas zonas cinzentas, muita aleatoriedade e centenas de detalhes que são cruciais.

No entanto, o brasileiro se sente no direito de opinar sobre um transplante de coração, um dos mais complexos de todos. E não estamos falando apenas dos conspiracionistas que dizem que Faustão “pagou” para receber um coração, mas também daqueles que colocam a mão no fogo jurando que tudo ocorreu na mais pura legalidade. Jura? Jura mesmo que vocês acham que tem como saber, ter certeza e afirmar isso?

Se você quer a minha opinião pessoal, eu acho que o Faustão de fato recebeu o coração dentro das regras, mas eu não vou afirmar isso como uma verdade, muito menos brigar por esse ponto de vista. É o que eu acho e não tenho subsídios suficientes para ter certeza. Ah… como é saudável não ter certeza.

Está acontecendo mais ou menos o que aconteceu com as vacinas: o leigo pega uma frase destacada, um fato isolado, uma informação que convirja para seu viés de confirmação e reforce o que ele já pensava e… pronto! Baseia sua certeza nisso. E é uma senhora certeza, uma convicção inabalável. E quem discorda é cego, ingênuo, burro ou mal-intencionado.

Exemplo: a mídia fez o desfavor de divulgar que Faustão era o segundo na fila para transplante e “o paciente que estava em primeiro lugar recusou o coração”. Pronto. Lá vem os argumentos truncados: “Tá muito estranho isso, quem é que recusa um coração?” e diversos desdobramentos especulativos partindo da premissa errada.

Primeiro que não foi o paciente quem recusou o coração, foi a equipe de transplantes dele. Segundo que recusa não é com base em querer e sim em questões técnicas, como por exemplo um tamanho incompatível ou uma incompatibilidade imunológica, só para citar alguns exemplos. O fato do doador ser considerado “compatível” é só um primeiro degrau na longa escada do transplante, uma primeira grande peneira. Uma série de outros requisitos também precisam estar presentes para que o transplante seja realizado com sucesso e sem colocar em risco a vida do transplantado.

Mas o brazuca acha que basta ter o mesmo tipo sanguíneo que dá certo. Escuta um item isolado que corrobora com sua crença (no caso, a crença é a de que rico fura fila de transplante através de pagamento) e se abraça a isso, disparando argumentos toscos feito uma metralhadora de merda. Pensar antes de falar ou não opinar sobre aquilo que não se tem total conhecimento nem pensar. E quando for uma questão a qual não conhecemos bem, o melhor a fazer é calar a boquinha.

Eu gostaria de dizer que tudo isso é fruto de arrogância, mas eu temo que seja pior do que isso. O brasileiro alcançou um patamar de burrice, tosquice, desinteresse pelo conhecimento, menosprezo pelo estudo e falha cognitiva tão profundo que ele sequer sabe que não sabe. Ele não sabe que tem mais para ser estudado antes de opinar. Ele acredita que lendo uma notícia ele detém todas as informações que precisa para formar uma certeza absoluta. Ele vive sua vida assim, tomando decisões na superficialidade e acha que é assim que se faz.

E o mesmo vale para o outro lado, tá? O pessoal “Viva o SUS”, que quando adoece se trata através do plano de saúde. O pessoal que defende com unhas e dentes que nenhuma ilegalidade ou favorecimento acontece no SUS. Acontece sim e eu mesma já vi, ninguém me contou. Não que eu ache que seja o caso, pela complexidade do procedimento que, por si só, praticamente inviabiliza uma ilegalidade, mas, novamente: é apenas a minha opinião. É possível que aconteça. E o SUS não é esse sistema lindo, justo e incorruptível que estão bradando. Mas, é tudo leigo opinando do sofá de casa, com base em suas crenças e no que eles acham que a realidade é, não dá para esperar mais.

“Mas Sally, quer dizer que por não ser profissional da área agora eu não posso mais falar sobre o assunto?”. Não, Pessoa Quer Dizer, não quer dizer isso. Todo mundo pode (ou deveria poder) falar sobre tudo. Todo mundo tem direito a ter uma opinião, desde que a trate como o que é: uma opinião. E, em sendo uma opinião, outras pessoas tem o direito de discordar e uma pessoa mentalmente sã admite que discordem dela sem se irritar, sem achar o outro burro, sem discutir. Ao dar uma opinião, a pessoa mentalmente sã sabe muito bem que aquilo é uma opinião, e não a verdade.

Agora vamos ao contraponto da polêmica do transplante.

Um vídeo sobre uma apresentação realizada em uma escola do Rio de Janeiro viralizou: uma música lastimável sobre um cavalo tarado que rebola e senta foi encenada por dançarinos (inclusive com rebolada e sentada) enquanto dezenas de crianças assistiam, aplaudiam e imitavam. Quando vi esse vídeo, nem dei muita importância, afinal, é só mais um dia normal no Rio de Janeiro. Mas, depois que fiquei sabendo que essas pessoas venceram uma licitação e ganharam 50 mil reais dos cofres públicos para fazer apresentações, a coisa mudou de figura.

Isso seria algo que não demandaria dez anos de faculdade e especialização para opinar: gastar dinheiro público para expor crianças a conteúdo pornográfico é notoriamente uma escolha ruim. Entretanto, eu não estou vendo a mesma comoção. Dinheiro público está sendo gasto para criança ver cavalo tarado que rebola e senta, mas o assunto da semana foi o coração do Faustão. As certezas foram todas sobre o transplante. As brigas foram todas por causa disso. Em vez de combater um problema sério e real, o brasileiro briga com os moinhos de vento que ele mesmo cria, ô povo que gosta de perder tempo!

Aí vai ter quem diga que isso é um problema do Rio de Janeiro. Não é. Vocês têm ideia do quão cagado tem que ser um sistema de licitação de um país que escolhe cavalo tarado que rebola e senta como vencedor para se apresentar em uma escola? Vocês têm ideia de como o Poder Público de todo o país joga dinheiro no ralo (ou no bolso de conhecidos) contratando imbecilidades como essa? Não é exclusividade do Rio de Janeiro. É toda hora, todo dia, em todo lugar!

E não é um caso isolado. Ainda esta semana, outro vídeo viralizou, no qual a diretora de uma CRECHE estava dançando o funk “Ensaio das Maravilhas” (sim, querido leitor, Bonde das Maravilhas, numa creche), uma edificante música com trechos como “desce, sobe, toma rajadão” e “vai bate, com a bunda no calcanhar” em uma creche. Em que mundo é mais fácil contestar um complexo sistema de transplantes do que contestar uma creche que bota as crianças para ouvir e dançar “toma rajadão”? No Brasil.

Sobre isso o brasileiro não tem opinião, né? Sobre pagar 50 mil para rebolar e sentar na frente de criança não tem repúdio, né? Continuem assim, continuem fazendo campanha para o Bolsonaro. Quando a coisa escaralha desse jeito, é óbvio que o povo vai correr para o lado do conservadorismo.

É uma inversão de valores o brazuca ter passado a semana gritando que o SUS é corrupto ou gritando “Viva o SUS” em vez de se perguntar como caralhos o Poder Público gentiona o dinheiro dos seus impostos e licita serviços. Sobre algo de baixíssima complexidade, notoriamente nocivo como criança exposta ao rebola e senta paga com o dinheiro do povo ninguém opina. O grande problema do Brasil é o coração do Faustão.

Que estranho fenômeno é esse? Ter prazer em falar merda sobre o que não sabe e se calar diante daquilo que teria obrigação moral como cidadão de se manifestar? Francamente, eu passo a bola para o Somir, pois eu não consigo entender.

Para defender o SUS mas se tratar pelo plano de saúde, para espalhar alguma teoria da conspiração sobre transplante ou ainda para dizer que o problema do Brasil é o brasileiro: sally@desfavor.com

SOMIR

A gente vive reclamando aqui que esse povo está cheio de certezas sobre coisas que nunca estudou, e no caso do Faustão vimos uma infinidade de pessoas descrevendo em detalhes como o apresentador televisivo definitivamente fraudou o sistema brasileiro para conseguir um transplante de coração. Sally já explicou vários motivos pelos quais não faz sentido considerar essa hipótese sem provas contundentes, mas isso não impediu o povão, né?

Não é um choque que o mundo, especialmente o pós-internet, se afunde em conspirações na primeira chance que tem, mas não estava preparado para a possibilidade do cidadão médio começar a pular assuntos mais simples de opinar para correr atrás dessas certezas analfabetas sobre questões complexas.

Em mais um comício não-oficial do Bolsonaro, um grupo de dança carioca resolveu fazer uma apresentação com música e dança baixarias para crianças, em escola pública usando verba pública. Em tese, já deveria estar bem definido na mente das pessoas que crianças devem ser apresentadas ao mundo de forma gradual, e na medida do possível protegidas das nossas degenerações e vícios mais perigosos, não?

Vejam bem, não é papo de conservador que crianças não podem nem saber onde fica a própria genitália. Eu vivo reclamando que o cidadão médio acha normal uma criança ver cenas de violência, mas entra em choque quando ela é exposta a um peito… sim, tem uma conversa mais complexa sobre como apresentar sexualidade e corpo humano para crianças, de forma a criar adultos mais seguros e responsáveis.

O que não é o caso de uma imbecil aleatória com uma máscara de cavalo rebolando ao som de música pornográfica na cara de crianças. Esse mínimo já deveria estar bem definido. Mas pelo visto, não está. O prefeito carioca fez um vídeo se dizendo horrorizado, mas foi sua secretaria de Cultura que financiou o projeto. Teve gente reclamando sim, mas quando vazou mais um vídeo de gente imbecil dançando e cantando baixarias com crianças em uma creche, não começou uma conversa séria sobre o que está acontecendo.

O povo, cheio de opiniões sobre vacinas, aquecimento global e até o pouso na Lua, não parece preparado para lidar com isso. Fascinante. E deprimente. E eu tenho uma teoria: para boa parte da nossa população, está se normalizando pornografia em forma de música e dança, inclusive para crianças. Formou-se uma indústria ao redor do “patrimônio cultural do país” que é o funk pornográfico, e sua presença ficou tão grande que começa a dar muito trabalho proteger os filhos disso.

Então… o brasileiro aceitou. É meio como o tablet em famílias mais abastadas: todo mundo já deveria saber que criança não deveria ter esse tipo de estímulo o tempo todo, mas ficou tão comum que os pais nem querem mais ouvir falar disso. Seria um trabalho terrível criar filhos sem uma tela os ocupando o dia inteiro.

Da mesma forma, para famílias em comunidades mais carentes, proteger os filhos do exagero sexualizado que se tornou a música popular brasileira (“cavalo tarado” é MPB atual) é a mesma coisa. Virou parte integrante da vida, se você não ouvir funk proibidão, seu vizinho vai, e no último volume. As outras crianças vão dar algum jeito de ouvir, porque querem imitar adolescente e jovens adultos…

Então, parece que a sociedade normalizou tablets e funks com descrições explícitas de sexo. Se não pode vencê-los, finja que não enxergue o problema. O Brasil já é um festival de gravidez de pré-adolescentes, eu nem sei qual é o impacto de gerações crescendo com zero filtro sobre pornografia auditiva, só sei que vamos descobrir. Em 2020 eram 6 meninas abortando legalmente por dia, e quatro estupros de menores por hora. Vamos ver em 2030.

Esse povo vai focar em outras coisas, mesmo que sejam extremamente mais complexas do que tem interesse em aprender, só para ter uma opinião. A minha impressão é que o povo desistiu de lutar contra a pornografia exposta para crianças e tenta compensar com outros vieses conservadores. Coloca o filho para cantar e dançar baixaria com a tia da escola, mas berra na internet que gays são o fim da sociedade…

E para dar aquela relaxada do fracasso da vida cotidiana, vira especialista em tudo o que for mais complexo. Não sabe ensinar para a filha que camisinha evita gravidez, mas sabe os riscos da vacina com mRNA. Não entende que crianças não sabem lidar com sexualidade adulta, mas entende como funciona o sistema de doação de órgãos brasileiro ao ponto de descrever como exatamente ele foi burlado por uma pessoa rica. Claro.

Pode ter opinião sobre o que não é especialista, só não pode ter a ilusão que ela sempre vai se sustentar. Ou achar que ninguém estuda antes de falar e é normal dizer como verdade algo que acabou de tirar da bunda. O ideal é começar com temas mais simples, que você já tem noção, ou que dependa muito mais de experiência de vida do que de conhecimentos técnicos.

Mas, pelo visto, não tem graça. E isso é o suficiente para o cavalo tarado ser barrado por um escândalo, mas continuar rebolando na cara das crianças por todo o país, dê no que der no futuro. Boa sorte para quem tem filho…

Para me chamar de conservador enrustido, para dizer que é arte e eu sou limitado, ou mesmo para dizer que o Faustão pagou para a gente escrever o texto: somir@desfavor.com

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Comments (18)

  • Brasileiro Mé(r)dio não gosta de pensar e nem de ser contrariado. Brasileiro Mé(r)dio gosta é de estar sempre certo e de não ter que se esforçar. Por mais estapafúrdias que sejam, teorias da conspiração são tão bem aceitas por essa gente 8 ou 80 porque são fáceis de engolir e já dão todas as respostas prontinhas e mastigadinhas; enquanto que a realidade, essa chata de galochas, sempre estraga tudo ao mostrar-lhes que o mundo de verdade lá fora não é tão preto-no-branco e muitas vezes os força a encarar e admitir a própria ignorância. Nada incomoda mais o Brasileiro Mé(r)dio do que ter que o trabalho de buscar informações por si mesmo para depois processá-las pensando (cof! cof!) com a própria cabeça. Nada deixa o Brasileiro Mé(r)dio mais desacorçoado do que ter que dizer “eu não sei”.

  • Brasileiro dando palpite errado sobre assuntos complexos que desconhece ao mesmo tempo em que se cala diante de óbvio absurdos que deveriam lhe causar indignação genuína. Tão típico…

  • Somir, mas tu não acha que as crianças “sempre” (com muitas aspas aí) estiveram expostas à nudez, sexualidade e tudo mais na mídia e na tv? Pegando, no caso, por exemplo, a tv nos anos 90 com direito a banheira do gugu e letras do é o tchan cheias de duplicidade de sentido… A minha geração cresceu com isso numa boa e, salvo alguns raros casos, ninguém ficou “desvirtuado”, por assim dizer.

    Daí veio, claro, a era do funk anos 2 mil com letras mais pejorativas e a coisa foi cada vez mais ladeira abaixo. Eu concordo que, diferentemente do passado em que éramos expostos apenas de modo sutil com músicas de duplicidades de sentido, hoje temos pornografia explícita em qualquer lugar, basta ver essas letras de Mc pipokinha por aí. Mas meu ponto é que, nem por isso, as crianças deixaram de ser expostas a conteúdos sexuais na mídia. A questão, talvez, seja mais o que se faz com aquilo que é exposto e consumido, do que a qualidade do conteúdo em si.

    • Pornográfico é a palavra-chave aqui. O pornográfico é o exagero que tem mais a ver com o adulto, que já tem alguma resistência e deseja doses maiores. Eu argumento que o nível de pornografia disponível para crianças e adolescentes hoje em dia é meio como deixá-los comer só doces e fast-food. Sexo não é insalubre, assim como comida não é insalubre. Mas exagere na concentração e isso começa a fazer mal.

    • As crianças da tua geração que cresceram assistindo à banheira do Gugu são os pais que hoje não se ofendem com baile funk em escola. Simples como jogo da velha, concordas?

  • Como dia uma amiga minha, tenho saudades da época em que as pessoas eram apenas desinformadas ao invés de propagarem informações erradas como fatos. Essa polêmica do Faustão tem tantas variáveis envolvidas, e a maioria de nós não domina nenhuma delas. Será que custa muito a gente admitir que não sabe o suficiente sobre alguma coisa? Se muito, que bom que agora tem menos um paciente na fila e que conseguiram salvar a vida dele.
    Sobre as crianças sendo expostas a pornografia, tem uma infinidade de lacradores problematizando que pedir para dar atenção/cuidado/hábitos básicos de saúde física e mental para uma criança é elitismo, é pedir demais dos pobres pais trabalhadores. Os pais têm tempo para choramingar em redes sociais, mas não para prestar só um pouquinho de atenção no que dizem suas crianças.

    • Eu vejo pais que se incomodam com funk explícito e esse tipo de coisa, mas se constrangem de reclamar de forma incisiva pois são taxados de conservadores, de forma pejorativa. A vontade de pertencer ao grupo parece falar mais alto: se as pessoas que eu acho sensatas dizem que está tudo bem em criança escutar isso então vou me calar.

      • Até porque ser chamado de conservador no atual contexto é ficar a um passo da turba problematizadora (uma espécie de Ku Klux Klan “do bem”) com LINCHAMENTO pro seu lado.

      • Já que o assunto envolve exposição precoce a funk pornográfico, vou contar uma situação no mínimo caricata que eu vi há poucos dias.

        Vai ficar meio longo, mas lê quem quiser.

        Eu trabalho na função pública aqui em Portugal (ou África do Norte, como a Sally uma vez disse). Fui para uma escola um dia para trabalhar no programa de férias dessa escola.

        Um dos funcionários da instituição parceira da escola levou uma coluna de som para pôr música para as crianças dançarem e se divertirem. A totalidade das músicas era de funk brasileiro. Tinha “Jogadinha do Paquetá”, “Desenrola, Bate, Joga de Ladinho” e afins.

        Mas qual não é o meu espanto quando ouço tocar uma música (que depois vim a descobrir que se chama “Faz um Vuk Vuk”) que continha a seguinte letra:

        De frente, de lado, por cima, por baixo, gemendo baixinho
        Com amor e com carinho
        Faz um vuk-vuk sentando de quatro
        Vem no chupe-chupe babado e molhado
        Joga de ladinho que eu vou encaixando
        Cara de safada, vai movimentando

        Eu fiquei na dúvida e não disse nada na altura, mas talvez devesse, no mínimo, ter falado com o sujeito para excluir essa música do repertório, embora visse que nem ele, nem mais nenhum adulto ali parecesse perceber, ou estar sendo pago o suficiente para se importar.

        Estamos falando de crianças ENTRE OS SEIS E OS DEZ ANOS. Expostas a funk proibidão. Em Portugal também.

        Aqui também os pais se demitiram do papel de proteger as crianças do que elas vêem pela internet e orientá-las a conteúdos inofensivos. Dá muito trabalho. Pequenos do 1º ao 4º ano aprendendo a fazer dancinhas de TikTok e muitas delas com coreografias no mínimo sugestivas.

        E depois os pais e a imprensa portuguesa reclamam de maneira besta que as crianças estão falando cada vez mais em “brasileiro”, que é como chamam o Português do Brasil, para minha mais profunda irritação.

        Resumindo, não é só aí não que o Barulho Popular Brasileiro anda fazendo estragos. Pessoal aqui na tuga faz um esforço danado para gostar de cada pilha de esterco que sai daí, é deprimente.

        • Que vergonha! É um absurdo que logo as nossas piores coisas sejam sempre as mais propagadas.

          Alguns meses atrás, fui ver minha família estendida. São quatros primos, três adultos e uma criança de sete anos. Ela começou a cantar um funk pesadíssimo e dançou colada no irmão mais velho. Ele ficou chocado e perguntou quem tinha deixado ela assistir coisas desse tipo no Tik Tok. Ela interrompeu para dizer que tinha aprendido na escola. Estuda em um colégio caríssimo e renomado de Brasília, e este não é o primeiro problema de lá que ela que levou pra casa.

          Sabem o que é pior? Só estou vendo pessoas públicas ultraconservadoras (que pregam castidade e que tudo é coisa do capeta) se pronunciando sobre isso ser um problema. Assim fica fácil taxar todo mundo que acha que essa exposição é errada como ultraconservador, e que o outro lado é “pedófilo do kit gay”. Isso é ruim para todo mundo, e só alimenta narrativas extremistas.

          • Sim, acaba que o cidadão médio tem que escolher entre a filha de 4 anos rebolando e sentando ou ser conservador evangélico a favor da castidade.
            Não tem meio termo. Não tem juízo de valor próprio.
            E o pior é: para não destoar do grupo muita gente tolera o rebola e senta, mas fica puto por dentro e na hora do voto secreto, vota contrário a isso. Foi assim que o Bolsonaro ganhou.

          • Caralho, Paula… É de ficar chocado mesmo. Concordo 100% com você. É realmente um absurdo que o Brasil faça tanta questão de divulgar apenas e tão-somente aquilo que tem de pior.

        • “Eu trabalho na função pública aqui em Portugal”.

          Descredibilizei-te neste parágrafo. Todos sabemos que Portugal, Espanha e Grécia não existem mais há bons anos. Não surpreende-me que lhes interessem o lixo cultural brasileiro. Em comparação com os tigres asiáticos e outros países europeus, o que produzem, no quê inovam?

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