Aborto de lei.

A Câmara de Vereadores de Maceió (AL) promulgou uma lei que obriga as mulheres a assistirem a imagens do próprio feto antes do aborto. A determinação prevê ainda que a rede pública de saúde do município oriente as gestantes sobre os riscos e as consequências da interrupção da gravidez, nos casos legalizados. LINK


Sério que isso não valeu a atenção da mídia? Desfavor da Semana.

SALLY

A Câmara Municipal de Maceió sancionou uma lei que torna obrigatórias uma série de medidas para mulheres que decidam realizar um aborto. Como bem explica a notícia, elas serão obrigadas, entre outros absurdos, a ver fotos do feto antes de realizarem o procedimento de aborto legal.

Não estamos falando de um projeto que será discutido e levado a votação. Ele já foi aprovado. Não estamos falando de pessoas que fazem aborto como controle de natalidade, estamos falando de mulheres que ou foram estupradas ou estão correndo risco de vida por causa da gestação.

É importante dar nome aos bois nessas horas. O Projeto de Lei foi de autoria do Sr. Leonardo Dias. “Mas Sally, ele é do PL, você esperava o quê?”. Que a oposição vote contra. Essa excrescência foi aprovada em fevereiro deste ano com 22 votos a favor e uma abstenção. Que a oposição acione o judiciário, pois notoriamente inconstitucional esse lixo.

Também esperava que a população mostre alguma indignação, principalmente os grupos que se dizem defensores dos direitos das mulheres. Em vez de aplaudir cantora que inventa crime de racismo dizendo que revistaram seu cabelo quando câmeras provam que nada disso aconteceu, poderiam, quem sabe, se preocupar em proteger mulheres que estão em uma condição de fragilidade e ainda terão que passar por esses abusos.

A mulher que vai fazer um aborto para salvar sua própria vida ou por ter sido vítima de um estupro está, no mínimo, muito fragilizada. Ter que passar pelo passo a passo que essa lei obriga, na minha opinião, se equipara a tortura: ver foto do seu feto, ver vídeos de abortos, ser ameaçada com infertilidade, infecção e morte e todo o resto que essa aberração prevê.

Não era para esse grau de involução acontecer no Brasil. O país deveria ser melhor do que isso. Não era para o povo aceitar calado um bosta dessa, ao menos não aqueles que dizem militar pela causa das mulheres. Onde está Janja, a arauta da causa feminina? Onde estão as feministes? Onde está o partido que se elegeu criticando a forma como Bolsonaro tratava as mulheres?

Eu prometo para vocês que vai ter gente arrombadíssima falando “Ain mas não estão proibindo aborto”. Pessoas incapazes de ter um pingo de empatia e pensar que uma mulher com uma gestação que a coloca em risco de vida ou que acabou de sofrer um estupro pode não ter condições emocionais de passar por essa Via Crucis que a lei impõe e sim, isso ser um impeditivo para aborto. O brasileiro, na sua maioria, é bicho.

Vocês já pararam para se perguntar por qual motivo o Brasil está na contramão do mundo e continua escrotizando mulheres dessa forma? Por qual motivo todo político leva a amante para fazer aborto, mas quer negar esse direito ao povo? Por qual motivo essa campanha constrangedora de equiparar aborto a assassinato de bebês não é combatida, mesmo por quem se diz militante da causa feminina?

Já pararam para pensar que convém a todo mundo (menos ao povo) que o brasileiro continue fazendo filho desenfreadamente?

Eu não acho aborto algo legal, agradável, desejável. Mas as outras opções são piores. Crianças nas mãos de pais que não estão aptos a criar crianças, crianças nas ruas (aceitem, o sistema de adoção brasileiro não funciona), criança sendo vítima de toda sorte de barbaridade. Não é curioso que a militância dos direitos humanos não esteja empenhada em fazer uma campanha para desmistificar aborto?

Não convém. Melhor famílias cheias de filhos que dependam de benesses governamentais. Melhor para pastor evangélico, melhor para a igreja católica, melhor para a esquerda, melhor para a direita. Qualquer pessoa, partido ou entidade que baseia sua atuação em manipular pessoas fica feliz quando nasce uma criança que não vai ter plenas condições de desenvolvimento intelectual e cognitivo.

Mas, de todos esses, apenas um grupo se diz defensor dos direitos das mulheres. O mesmo grupo que está calado diante dessa atrocidade de Maceió, que não teve a decência de votar contra, contestar ou ao menos gritar quando essa porcaria foi aprovada. Subir a rampa com mulher e índio é fácil, quero ver fazer algo efetivamente por esses grupos.

É chocante o silêncio generalizado diante da barbárie que é essa lei. A militância tinha que estar explodindo, a mídia tinha que estar cacetando, o povo tinha que estar pressionando. Isso tinha que chegar na OMS, na ONU, na puta que pariu. A indignação tinha que ser estratosférica. No entanto, quem está transbordando indignação é uma argentina que nem mora no Brasil. Que bosta, hein?

Não convém a ninguém que mulher brasileira não saia parindo feito coelho. Pelos mais diferentes motivos, convém a todos os que estão no poder e cada um deles cria um discurso alegórico para te convencer de que seus motivos são nobres.

Não é pelos bebês, não é pelas mães, não é pelos direitos humanos, não é por porra nenhuma que não interesses de cada um desses grupos. Não seja infantil de acreditar que tem religião ou político pensando no bem-estar do povo. Não estão. Nunca. Eventualmente quando o bem-estar do povo casa com seus interesses, eles podem fazer algo útil, mas não é pensando em vocês.

Estou afrontada, estou indignada, estou enojada com essa lei bizarra. Não apenas com essa lei, mas com o fato dela ter sido discutida, aprovada e de não ter uma grande comoção contra ela. Se Bolsonaro fosse o Presidente, certeza que a Globo News falaria disso 24 horas por dia com chamadas sobre o “retrocesso” que esse governo está impondo ao Brasil e aos direitos das mulheres.

Todo mundo caladinho. Todo mundo conivente. O amor venceu.

Para dizer que nem ficou sabendo, para dizer que enquanto isso Janja está viajando e gastando ou ainda para dizer que não tem problema pois quando brasileiro quer fazer aborto vai na Argentina que é liberado e gratuito: sally@desfavor.com

SOMIR

Eu pensei em começar meu texto dizendo que “a estupidez venceu”, mas temo que tenha sido o contrário. A esperteza de um grupo de manipuladores baratos que venceu. Aborto se discute em boa parte do mundo, e por mais que eu tenha a minha visão bem definida, eu entendo de coração quem acha o tema complicado e quer discutir como o Estado lida com isso.

Não é que a minha escolha sobre como lidar com o tema – a de que deve ser legalizado e grátis na rede pública de saúde – seja a única forma possível de entender a coisa. A lógica que sigo chega a essa conclusão, mas existem outras, que pesam responsabilidade pessoal e até mesmo sequelas físicas e mentais do procedimento. Essa conversa faz sentido, ela chega em algum lugar se for avançada.

O que se demonstra totalmente errado é a forma histérica como o tema se desenvolve no Brasil. Aborto virou uma espécie de bomba atômica de popularidade, algo que se for defendido por um político pode acabar com sua carreira e irradiar tudo ao seu redor pelo resto da vida.

Isso não é discutir o aborto, isso é proibir a discussão do aborto. Os religiosos/políticos que fazem sua carreira ao redor das ditas pautas comportamentais perceberam que esse tema pega um atalho para o cérebro reptiliano do cidadão médio, criando uma fúria imensa que se transforma em votos e contribuições financeiras.

Podemos presumir que a combinação de repressão sexual e instinto de proteção de crianças seja poderosa demais para o brasileiro médio conseguir resistir. Impede que mulheres tenham poder de decidir o que fazer com o próprio corpo e ainda dá uma sensação agradável de estar protegendo bebês indefesos. É tipo crack para conservador: uma dose e eles não conseguem mais parar.

E como nunca podemos esquecer que o povão brasileiro é conservador até dizer chega (no discurso), votem eles no PT ou no PL, é claro que as câmaras legislativas de todos os níveis de poder viraram uma Cracolândia de demagogia cristã. O povo vota com gosto em candidato que diz que é contra o aborto, porque não tem conhecimento sobre basicamente nenhum dos outros temas relevantes para seus representantes.

Se você faz da sua imagem o combate ao aborto, o povão tem algo no que se agarrar para racionalizar um voto. A tática começou a ter um sucesso exponencial desde a primeira eleição pós-Lula, com Dilma e Serra, que não tinham histórico de conservadorismo comportamental, tendo que fazer declarações públicas sobre sua rejeição à liberação do aborto no Brasil.

Desde então, virou questão de vida ou morte política se posicionar. Claro, o brasileiro médio também se diria contra o aborto antes disso, mas não tinha essa conotação de fator determinante na possibilidade de eleição para um cargo de grande visibilidade. O candidato podia só ficar na dele, agora todo mundo tem que fazer seu juramento antiaborto de forma bem pública, Lula precisou fazer, os ministros do STF recentes precisaram também.

Um caso como esse de Maceió só demonstra como a retórica antiaborto saiu vitoriosa. Só para não perder o hábito: essa ideia de forçar a mãe a ver imagens do feto e passar por um exército de pessoas tentando demovê-la do procedimento é ideia de americano, mais uma muamba cultural trazida para cá pela “nova direita”. Se os americanos estão fazendo alguma bobagem, pode ter certeza de que acaba aqui uma hora ou outra, nossa política comportamental nada mais é do que sermos macaquinhos de imitação dos ianques.

Se você não está completamente drogado com o poder de manipular o povão com um tema tão simples, consegue perceber claramente como é uma prática análoga à tortura psicológica: colocar uma mãe que está num momento difícil (porque no Brasil não existe aborto eletivo, não por vias legais) para sofrer mais pelo que aconteceu com ela? E é intencional. O vereador que defendeu a lei disse na sua rede social que não podia proibir de vez, mas era o melhor que podia fazer.

Não é sobre aumentar a quantidade de informação de uma grávida prestes a abortar, é sobre reprimir o comportamento. E para reprimir, violência psicológica sobre uma pessoa fragilizada. Esses são os cidadãos que se dizem defensores da palavra de seu deus, arautos da moral e dos bons costumes. Discutir aborto é razoável, ser contra o aborto é uma posição válida; querer torturar psicologicamente uma pessoa que foi estuprada ou está correndo risco de vida por uma gravidez é maldade pura. Não acredito em deus, mas o diabo está parecendo mais realista.

A desculpa é que é sobre informar, a verdade é que é sobre dissuadir. Ninguém esconde que o objetivo é tornar o aborto tão mais traumático que as pessoas vão desistir disso. E só conseguem fazer essa crueldade porque o país aceitou lidar com o tema dessa forma histérica. A direita usa e abusa disso para ganhar poder, a esquerda se esconde para não arriscar popularidade. Quem paga o preço? A mulher que já está num dos seus piores momentos da vida.

Passou uma lei permitindo tortura psicológica em Maceió. E sobrou para a gente aqui no Desfavor mencionar isso, porque ninguém quer se meter com essa história, sofra quem sofrer com isso.

Para dizer que seu deus irá me punir por ser contra tortura, para dizer que é só não ser estuprada, ou mesmo para dizer que depois que o bebê nascer eles querem que se exploda: somir@desfavor.com

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Comments (12)

  • EU FALEI QUE PT NÃO IA APROVAR ABORTO NENHUM. Quem ainda acha que esquerda é sinônimo de feminismo ou aborto nesse país, desculpa, mas é um OTÁRIO.

    Eu falei e vou continuar falando: aborto nunca será aprovado nesse país. NUNCA. Até Paraguai e Suriname são capazes disso eventualmente, mas Brasil? Esquece.

    Meu consolo é que vai todo mundo se foder com essa porra. Vai sobrar pra cada fdp de esquerda, direita, anarcocapitalista, o caralho que for.

  • Tão aberrante quanto essa própria lei em si é o silêncio ensurdecedor de um bando de pretensos militantes pelos direitos humanos que gritam contra tanta coisa mas se calam diante de uma barbaridade como essa.

  • Retrocesso atrás de retrocesso, reposição populacional feita majoritariamente por gente fodida e malnutrida que mal sabe falar ou escrever (o famoso Brasil Profundo). Vai chegar num ponto que a degradação será tanta que o brasileiro médio nem vai mais ser considerado Homo sapiens, será uma espécie à parte.

  • Dois textos fortes essa semana, diretamente relacionados. A exorbitante população de rua e a insistência em proibir aborto.

  • Que horror!
    Maceió não é aquela cidade que tem bairros afundando por conta da extração de sal gema pela Braskem e que tinha o maior índice de homicídios por 100 mi habitantes do país?

  • Em suma, as mulheres de Maceió serão punidas por terem sido estupradas ou por estarem correndo risco de vida por causa de uma gestação. Considerando que estupradores no BR quase nunca são condenados, a única pessoa que será tratada como criminosa será a vítima, de forma institucionalizada e no pior momento da vida dela.
    Não sei e nem quero saber o que a tal militância feministe está falando a respeito, mas sei que há algumas ONGs que atuam para ajudar de maneira segura em países que proíbem o aborto. A Women on Waves foi até estudo de caso quando estava na faculdade, embora eu não tenha certeza se voltaram a operar no Brasil após a pandemia. E tem os países fronteiriços, mas é triste que a maioria das pessoas que precisam de recorrer a esse tipo de ajuda não tenham essas informações.

    • Provavelmente a militância até falou algo el redes sociais, mas não fez o barulho que sabe fazer. Sabemos bem o tipo de embate que essas pessoas protagonizar quando estão motivadas. Não chegou nem perto disso.

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