Micareta picareta.

De acordo com a Secretaria da Segurança Pública (SSP), 750 mil pessoas, no total, participaram do ato convocado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para este domingo (25/2) na Avenida Paulista, em São Paulo (SP). Nas estimativas do órgão, o número leva em conta o público reunido na avenida, de 600 mil, e também nas ruas adjacentes, onde se aglomeraram 150 mil pessoas. LINK


Micareta da ditadura evangélica ou apenas um bando de gente sem saúde mental? Que tal os dois? Desfavor da Semana.

SALLY

A manifestação vinculada a Bolsonaro que aconteceu na semana passada causou espanto em muita gente e, durante esta semana, vimos várias teorias, algumas estranhas, outras muito estranhas, para tentar explicar o fenômeno. Pois bem, nós também temos a nossa, e ela é o Desfavor da Semana.

Não é de hoje que o brasileiro confunde quantidade com qualidade. Tenho certeza de que o avô de alguém já tomou uma dose maior de algum remédio achando que faria “mais efeito” ou que a avó de alguém já botou uma quantidade acima da recomendada de amaciante na roupa para que fique “mais macia”. Essa ideia do “quanto mais, melhor” é uma construção antiga na sociedade brasileira.

Essa base, misturada a uma série de fatores novos, como por exemplo o uso que se dá às redes sociais e a divisão da sociedade em bolhas e a necessidade de criar conexões em um mundo cada vez mais separado, gerou um status positivo para a idolatria. E idolatria não se refere apenas a pessoas, o mecanismo pode ser usado para venerar tudo (dinheiro, corpo, um cargo, casamento, maternidade, o que for). Como já tem um texto nosso só sobre isso, não vou me aprofundar. Se alguém quiser ler, o texto está aqui.

O brasileiro foi construindo essa falsa aura positiva para sentimentos intensos: quem faz loucuras é quem ama mais (não é, é uma pessoa descontrolada emocionalmente e sem saúde mental), quem se mata de trabalhar é melhor profissional (não é, o bom profissional dá conta de tudo no seu horário de trabalho) e quem realmente é fiel a uma causa a abraça, a defende com unhas e dentes e jamais a critica, se não se torna um traidor.

Pega bem demonstrar intensidade de sentimentos e falas em redes sociais e na vida real. Quando mais “algo” você é (petista, bolsonarista, ciclista) mais a bolha aplaude este membro e mais no topo do status social dela a pessoa fica. O brasileiro encontrou uma forma barata, simples e sem esforço de ter seu status elevado. Estudar e ser uma autoridade na sua área? Não. Levar falas, sentimentos e estilos de vida ao extremo.

Se é um praticante de esporte radical, vai pular do alto de uma montanha amarrado pelos testículos e fazer o Bolas Jump. E será aplaudido pela inovação, pelo risco, pela coragem. Se é uma pessoa que cultua o corpo, vai tomar hormônio de égua no cio, beber suor de mula selvagem e fazer todo tipo de plástica para conseguir um corpo que pareça um personagem do He-Man.

E, se a droga de predileção da pessoa for política, vai abraçar um político ou uma ideologia, aderir a ele e dedicar boa parte do seu tempo a defendê-lo ferozmente, até que essa ideologia se confunda com o que a pessoa é, escravizando-a e obrigando-a a manter esse posicionamento sob pena dela não saber mais o que é sem ele.

É mais uma manifestação desse desequilíbrio emocional, desse sintoma de falta de saúde mental, que as pessoas insistem em desfilar com orgulho, essa intensidade burra e doentia, que deveria depor contra alguém e não a favor. A verdade é que o fato de uma pequena bolha aplaudir, cada vez mais, deixa de ser indício de que se está fazendo algo certo e passa a ser indício de que se está fazendo algo muito nocivo. Mas quem está imerso em uma bolha nunca vai concordar com isso.

As pessoas querem aplaudo, querem pertencer a um grupo, querem ser aceitas e elogiadas. Esse cheirinho vira-lata sempre está presente em algum grau no brasileiro. E o vício em aceitação, pertinência e aplausos é tanto que as pessoas abrem mão gradativamente, mesmo que sem perceber, do seu senso crítico e do seu juízo de valor para manter estes três elementos em suas vidas.

Da mesma forma que temos fã de cantor, de ator ou de ex-BBB, temos o fã de político. E, assim como qualquer outro fã, ele é irracional. Ele pensa que ama seu ídolo (o político, o partido ou a ideologia), mas na verdade ele ama pertencer a aquele grupo e o que aquele grupo representa para ele.

Por exemplo, um desempoderado costuma ter delírios de poder, aí fala em fazer revolução, pegar em armas e coisas do tipo. Faz? Não faz. Nunca faz e nunca vai fazer, afinal, continua sendo um desempoderado. Mas ele projeta suas questões mal resolvidas no que seu grupo representa e adere a ele com tanta força que você não tira nem com intervenção cirúrgica.

A moça que antes ligava 457 vezes por dia para o namorado está transferindo essa compulsão para política. O rapaz que tinha uma coleção gigantesca de pornografia e era viciado nela agora está transferindo essa compulsão para política. Não tem nada novo acontecendo, o mecanismo é o mesmo, apenas o bom e velho excesso do brasileiro, nesse orgulho imbecil se der intenso (= desequilibrado), só que com um novo ídolo: político.

“Ain mas esses bolsonaristas burros, idiotas, cegos”. Não são só eles não, tá? O tanto de bosta aplaudida que o Lula está fazendo é do mesmo nível. Morte de yanomami aumentando, queimada aumentando, doença descontrolada e sem vacina, fala machista, fala capacitista e o muitas outras coisas vêm sendo aplaudidas ou relativizadas pela militância de esquerda. Paquita de político é tudo igual, não importa o lado.

E cá estamos nós batendo na mesma tecla de sempre: a origem de tudo é a falta de saúde mental, o desequilíbrio, o problema de autoestima, a insegurança, a falta de discernimento. Enquanto isso persistir, veremos o brasileiro canalizando sua “intensidade” (= desequilíbrio) para distintos setores. Calhou de, no momento, o nicho em alta ser a política, mas eventualmente isso vai mudar e o brazuca vai levar esse seu comportamento desequilibrado a diferentes setores.

Não é sobre Bolsonaro. Não é sobre os bolsonaristas. Não é sobre ser um absurdo defender o Bolsonaro depois de tudo que ele fez. É bem maior. É sobre uma forma de funcionar que traz muitos ganhos secundários, reduz muitas dores e atenua muitas feridas do brasileiro. O problema é que não reduz dores nem atenua feridas de forma curativa, é como uma droga, que só anestesia sem resolver o problema. Hoje é com político, amanhã será com qualquer outra coisa.

E quanto mais se polariza, quanto mais se esculacha o lado que for, mais a pessoa vai sentir vontade e necessidade de consumir essa droga. Então, se você quer ajudar esses zumbis, que, ao que tudo indica, pelas pesquisas, são quase 90% da população (metade para cada lado), ofereça acolhimento, civilidade e diálogo.

“Mas Sally, eles não querem dialogar”. Sim, concordo. Desconfio até que não saibam. Mas você faz a sua parte. Não ataque, não se incomode com o que falam, não hostilize. O que eles vão fazer é um problema deles. Nós não salvamos o mundo, salvamos apenas a nós mesmos. Salve a você mesmo desse culto à intensidade, seja equilibrado, centrado, emocionalmente estável e não permita que te suguem para tretas, brigas, raiva ou revolta.

Ou, o clássico: miga, seje menas.
Sejem menas, por favor.

Para dizer que não suporta gente burra (isso te torna ainda mais burro que o burro), para dizer que não é nada disso e que é tudo filho da puta mesmo (olá intenso!) ou ainda para dizer que esses intensos criarão filhos intensos e em breve essa será a única forma de funcionar (aeroporto tá aí para ser usado mesmo): comente.

SOMIR

O inimigo do seu inimigo não é necessariamente seu amigo. Por mais que falemos mal de Lula, isso não significa que Bolsonaro seja uma alternativa. Eu nem sei se chego ao ponto de me preocupar com essa parcela considerável dos brasileiros que ainda segue Bolsonaro cegamente, mas com certeza dá um desânimo ter provas que ainda estamos bem longe de ter qualquer tipo de equilíbrio na visão política do brasileiro médio.

E acredito que muito desse fanatismo é resultado da incompetência das nossas autoridades, incompetência intencional causada pela corrupção e incompetência natural causada por falta de cérebro mesmo.

Pessoas muito simples ou muito fanáticas por religião normalmente ficam confusas sobre como ateus conseguem funcionar em sociedade, afinal, sem um deus para punir os pecadores, qual o incentivo de se controlar para não sair fazendo tudo de errado?

Oras, é mais inteligente e agradável seguir regras básicas de convivência e tratar o outro como quer ser tratado. Ninguém precisa de crença religiosa para perceber que um pouco de moderação e cooperação acumula em largas escalas e torna a vida de todo mundo mais feliz e segura. Eu não quero sofrer e não quero causar sofrimento nos outros. É demonstravelmente melhor viver ao redor de gente que gosta de você e se sente segura na sua companhia.

Por que esse aparte? Porque essa dúvida ignorante sobre qual o valor de ser uma boa pessoa sem religião é muito parecida com a dúvida ignorante sobre qual o valor de ter uma organização social e liberdades se você não está levando vantagem imediata. O cidadão médio de países como o Brasil parece não entender que é muito positivo ter um sistema funcional mesmo que você não esteja no poder.

As pessoas acreditam que o único motivo para não ser uma pessoa ruim é ter medo de punição divina e acreditam que a única forma de viver em sociedade é ter poder de forçar o outro a fazer o que se quer. Zero confiança no ser humano. Isso vem de dentro: a pessoa não enxerga a possibilidade de outra pessoa não estar tentando fazer mal para ela e precisa desesperadamente de alguma forma de segurança contra isso. Seja num deus, seja num líder político.

O fanatismo político é resultado de um Estado que não funciona. A pessoa não se sente segura, porque acredita que o outro quer oprimir e roubar as coisas dela, afinal, por qual outro motivo alguém subiria ao poder? Ou ela tem o poder de dominar ou ela é dominada. E como o outro só pode ser uma pessoa horrível (projeção?), é melhor que ela esteja do lado vencedor.

Mas essa é só uma pincelada de utilitarismo, os pontos que a Sally levantou completam o quadro: problemas de saúde mental impactam demais, afinal, uma pessoa 100% utilitarista simplesmente viraria a casaca e ficaria sempre do lado que está no poder. Mas como estamos vendo, uma boa parcela da nossa população se agarra num líder e fica com ele, algumas crenças são tão fortes que passam por cima de qualquer estratégia de poder.

Não é à toa que o movimento bolsonarista se mistura tanto com o movimento evangélico. Quando o sistema falha com o cidadão, ele vai buscar algo para complementar. A “teologia da prosperidade” tão popular no movimento neopentecostal cai como uma luva nas mãos de quem quer transformar fé em poder político, afinal, o pastor já está prometendo dinheiro para o pobre fiel, não custa nada prometer o poder de controlar a sociedade também. O diabo vira o comunista, querendo roubar o que você tem e o que te foi prometido pelos “enviados de Deus”.

Não é curioso que o capeta moderno quer roubar o seu dinheiro ao invés de te tentar com ele? O inimigo te dava poder e dinheiro para te afastar do seu deus, que pregava humildade e moderação. Mas como muda a forma de vender o deus cristão na sociedade ocidental, muda também a forma como vendem o diabo. A esquerda precisava pregar o fim das religiões para incomodar as igrejas no século passado, mas até mesmo movimentos de esquerda altamente integrados com a fé cristã, como o próprio lulismo, são demônios. Se o foco é dinheiro, a ideia de redistribuição de renda dos comunistas é um pecado para esse novo deus que vai te dar um carrão e uma casa com piscina!

Souberam isolar a esquerda da religião evangélica, afinal, sem abraçar os preceitos do capitalismo libertário americano, você não pode mais ser considerado parte do povo de Deus. Mas não pode ser libertário nos costumes, é claro. É uma bagunça ideológica sem fim, que rende livros e teses de doutorado para tentar fazer senso, mas no final das contas a gente pode resumir no fanatismo político-religioso que o bolsonarismo conseguiu gerar. No mínimo um quarto da população brasileira está fanatizada pelo bolsonarismo evangélico, outro quarto preso no assistencialismo hipócrita do lulismo, e o resto cada vez mais pressionado para escolher um dos lados.

Se o Estado funcionasse um pouco melhor e tivéssemos mais competência nas autoridades, o fanatismo teria menos apelo. A fala bizarra de Michelle Bolsonaro sobre como “precisamos resolver essa coisa de separação entre política e religião” é prova de um sistema falindo por incompetência generalizada. O vácuo de capacidade básica de organizar o Estado acaba sendo preenchido, e a gente não tem como saber por quanto tempo entidades puramente fisiológicas como o Centrão vão conseguir manter a situação estável. E francamente, se os corruptos do Centrão são a nossa única proteção contra o fanatismo, estamos colando a sociedade com cuspe.

E mesmo que não achemos provável um golpe de Estado por essa massa de gente maluca e incompetente que é eleita por popularidade entre malucos, o sistema ainda pode falhar por falta de manutenção e a acúmulo do peso da incompetência de quem simplesmente não entende por que não cometer crimes se não tiver ninguém para punir…

Para dizer que sentiu um cheiro de comunismo, para dizer que é confortável quando os vilões são burros, ou mesmo para dizer que eu preciso escolher um lado (leia o texto de ontem): comente.

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Comments (6)

  • Entendo e concordo com boa parte do texto. Mas definir uma manifestação toda, seja qual lado for, como fanatismo nos impede de avaliar a realidade sob diferentes perspectivas. Bolsonaro pode ser tudo de ruim, mas hoje enfrenta a mídia e o STF contra ele num evidente movimento politico. Palavras do Barroso “derrotamos o Bolsonarismo”, se isso não soa estranho para vocês, sinto muito.
    Bloqueio de contas de influencers de direita (constantino, guilherme fiuza, barbara, revista oeste,…) a lista nao termina por aí. Somado a isso toda uma passagem de pano para as atitudes do molusco.
    As pessoas se revoltam com o que veem e tomam Bolsonaro como o extremo oposto.

  • Badalhocas Perdidas

    O brasileiro encontrou uma forma barata, simples e sem esforço de ter seu status elevado”. Não é só pra conseguir “status elevado” que o brasileiro age assim, Sally. O brasileiro sempre busca “uma forma barata, simples e, principalmente, sem esforço” pra fazer TUDO. Estão aí as gambiarras, jeitinhos, atalhos, malandragens e esquemas que não nos deixam mentir…

  • Quem não sabe quem realmente é, sempre vai vincular sua identidade a um grupo (social, político, religioso), de cuja aceitação tem crônica dependência. Quem não compreende bem o mundo que o cerca, por ignorância pura e simples ou por cegueira ideológica, sempre vai depender de outros (líderes, gurus, pastores) que lhes “interpretem” a realidade. Quem não tem noções de civilidade e de certo e errado só consegue viver sem tocar o zaralho no mundo se tiver medo de algum “bicho-papão” que esses outros lhe enfiaram na cabeça através de muita doutrinação. Por fim, o mundo estaria bem melhor se essas pessoas percebessem que a “salvação” que tanto buscam lá fora sempre esteve dentro de si mesmas e se cada um procurasse primeiro resolver a própria vida antes de tentar consertar o mundo. A maioria, infelizmente, ainda não está pronta para essa conversa…

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