Peraí, isso não são lobos...Certa vez ouvi que o vírus da gripe era muito mais evoluído que o que causava o ebola. Parecia estranho que o menos poderoso fosse mais avançado, mas era justamente por isso: Não é uma boa estratégia de sobrevivência matar quem te mantém vivo.

E toda vez que eu traço esse paralelo, entendo melhor o que aconteceu com o mundo. Se tivessem gerado qualquer outro desequilíbrio mental, as coisas teriam desabado em pouco tempo. Perdoem-me a vagueza, escrita ainda não é uma arte que domino. Vou tentar contextualizar melhor:

Uma série de descobertas sobre o funcionamento do cérebro finalmente criou a mais poderosa ferramenta de controle já criada: O gás DOc, que acabamos apelidando de Gás Dócil com o passar do tempo. Os efeitos definitivamente corroboravam com o nome. Pessoas expostas à substância tinham seu humor controlado em questão de minutos. Para o bem e para o mal. A gama de emoções humana se resumia, quase que definitivamente, basicamente à apatia depois de poucas sessões de inalação.

E como ele funcionava diretamente no cérebro, raríssimos efeitos colaterais foram encontrados. Era difícil notar alguma sequela física, e até por isso passaram-se anos e anos antes da imprensa finalmente ter acesso ao que acontecera aos “terroristas” abandonados em porões de prisões de segurança máxima.

A opinião pública não pareceu satisfeita com isso. Os aplicadores foram acusados de aplicar uma pena irreversível em acusados ainda em julgamento. A comparação com uma lobotomia (embora infundada, já que a vítima ainda funcionava socialmente) selou o caso.

O escândalo sacudiu a sociedade por mais ou menos um mês, e presidentes de grandes nações assinaram compromissos públicos de não utilização do Gás DOc. Não antes de argumentar que era muito seguro, é claro.

E como todos aqueles governos tinham oposições sedentas por simpatia popular, vários sensores específicos foram instalados nos locais onde essas aplicações do gás dócil foram comprovadas. Era basicamente o fim da impunidade no Escândalo DOc.

Mas como todos aqueles governos também não eram conhecidos por se entregar facilmente, começou o grande problema: A pesquisa e o desenvolvimento ultra-secretos de um gás parecido que burlasse os sensores. O resultado foi melhor do que o encomendado.

O DOc 2 era mais poderoso, duradouro, hereditário e não deixava rastros reconhecíveis por nenhuma tecnologia existente. É extremamente difícil achar o que não se está procurando. Ele voltou a ser usado impunemente por agências secretas, e não podemos dizer que isso foi ruim: O número de atentados suicidas diminuiu consideravelmente nos anos seguintes.

A situação realmente se complica quando essa substância cai no setor privado. Alguns países terceirizam seus sistemas correcionais, alguns países não fiscalizam muito bem quem os mantém livres de problemas.

A tecnologia necessária para a produção do DOc 2 se populariza rápido demais. O mercado negro se encarrega de espalhar pelo mundo amostras, equipamentos e a matéria prima necessária. Embora a mídia mais uma vez perceba o ocorrido e ataque impiedosamente, desta vez não havia mais como fazer a contenção.

Governos e empresas inescrupulosas não perdiam tempo: Estima-se que mesmo com o aviso prévio, mais da metade da população em países pobres havia sido exposta ao gás em questão de dois anos. O número de ditaduras cresceu exponencialmente, e para ser honesto, os países compostos por uma maioria exposta acabavam bem mais seguros e organizados, apesar de governantes e elite abusarem do poder como nunca.

A tentação era muito grande. A resistência cada vez mais fraca. Uma “bomba” de DOc 2 acabava com uma manifestação popular em minutos. E essa manifestação dificilmente aconteceria novamente, nem mesmo os filhos das pessoas “domesticadas” pelo gás estavam livres. Ele passava diretamente pelo cordão umbilical e amansava a nova geração antes mesmo desta nascer.

Meio século após a criação do gás original, a absoluta maioria da população humana tinha sido furtada de virtualmente todas suas emoções. Os desejos mais primais dos poucos livres restantes podiam ser satisfeitos sem a menor resistência. Alguns continuaram íntegros, mas o poder subiu à cabeça de milhões de homens e mulheres diante de bilhões de expectadores passivos.

Como a imprensa começa a falhar consideravelmente nesta mesma época, não temos muitos relatos das barbaridades cometidas pelos “lobos”. As “ovelhas” com certeza não parecem se importar em serem objetos nos passatempos sádicos daqueles monstros. Mas não demora muito para as coisas tomarem um rumo inesperado.

O comprometimento emocional e a empatia pareciam extintos. E a sociedade começava a funcionar cada vez melhor entre as ovelhas. Por mais que os lobos tentassem, e acreditem, eles tentaram… Nada parecia abalar suficientemente a rotina da humanidade.

Li o estudo de um psicólogo lobo que explica bem o que aconteceu. O senso de função social humano é tão forte quanto o de sobrevivência. Quando o gás tirou qualquer ruído emocional do processo, sobraram bilhões de pessoas dispostas a encenar um mundo perfeito. O cinismo e a rebeldia não tinham mais lugar.

Coisas que nos complicaram por milênios pareciam ser resolvidas em questão de meses. A violência e as guerras foram abolidas, o meio-ambiente era bem cuidado como nunca, vícios como alcoolismo e tabagismo viraram coisas obsoletas, dezenas de curas para doenças até então incuráveis… Ninguém fazia corpo mole, ninguém exagerava na dose. O único objetivo dessas pessoas era alcançar os resultados necessários para viver numa sociedade ideal.

O curioso é que os únicos elementos podres ali eram aqueles que tinham se mantido livres do gás. Embora ainda muito livres para aprontar qualquer coisa com as ovelhas, o repúdio frio e justo delas começa a realmente machucar o comparativamente frágil emocional humano normal.

O bom exemplo tem um poder incrível. Cada vez mais lobos se submetem ao gás por não aguentarem a sensação de serem atrasos para aquela sociedade ideal. Alguns até se submetem voluntariamente a ocupar as vazias prisões daquela sociedade. O mundo caminhava a passos largos para um estado utópico de paz e segurança.

Você deve estar se perguntando se eu estou falando do mesmo mundo no qual você vive. E sua questão é válida. O problema daquela sociedade sem emoções era justamente conseguir o que queria.

Os sonhos e desejos humanos que eles herdaram foram criados numa época onde era basicamente impossível realizá-los. Tínhamos objetivos e mais objetivos para ocupar mais de um século de trabalho duro deles. Só que eventualmente eles conseguiram. Os raros lobos ainda vivos tinham se afastado da civilização. Tinha acabado oficialmente qualquer possibilidade de problemas naquela sociedade.

Ninguém estava feliz, ninguém mais tinha essa capacidade. Trabalhar por anos e anos e não ter como aproveitar os louros dessa vitória é algo complicado. Tão complicado que a nova humanidade simplesmente não sabia mais o que fazer. Lutaram para conseguir um mundo ideal, mas não tinham o que fazer com ele.

Até o Dia da Explosão. O que ninguém tinha imaginado é que não éramos uma sociedade de pessoas boas e justas. Éramos bilhões de psicopatas tentando se encaixar numa sociedade. O estado de normalidade escondia todo mundo à plena vista. Bastou uma das ovelhas perder o controle e tudo desabou.

Rápido. Deixava de ser gripe e virava ebola. Até onde eu sei, foi um pai de família que perdeu a cabeça depois de uma de suas crianças trocar de canal no meio de um filme. Ao invés de pedir educadamente para retornar a atração desejada e ser atendido, como sempre acontecera, daquela vez ele simplesmente se levantou, pegou uma faca na cozinha e estripou todos os outros habitantes da casa.

Pelo menos é isso que está noticiado na imprensa deles. Não achei nenhum indício de crime cometido por ovelha antes desse. Mas depois… Nas primeiras vinte e quatro horas pelo menos um décimo das pessoas expostas à notícia repetiram o ato.

E o crescimento continuou, exponencial. Éramos ideais quatro bilhões de humanos há duas décadas atrás. Somos algumas centenas de milhões hoje. Não foi uma guerra, foi um massacre. Hoje sabemos que o efeito do gás, apesar de hereditário, dilui-se com o tempo. Talvez tenha sido isso, mas basta estudar a história da humanidade antes da grande contaminação para entender que essa não é a nossa forma natural de lidar com as coisas.

Cada dia mais nascem pessoas livres do efeito. Os últimos fora de controle estão sendo presos ou se matando. Temos toda a capacidade de recuperar nossa sociedade, mas não podemos fazer isso se não entendermos nossa natureza. Não precisamos mais do gás, aliás, nunca precisamos. Por favor não façam essa irresponsabilidade de pulverizar mais uma vez esse veneno nos sobreviventes. Nunca é tão fácil.

Espero que meu apelo chegue a tempo.

Ass: Lobo solitário.

Ei, parece legítimo!  ATENÇÃO: Texto de extremo bom-gosto. 

Numa piscina pública:

HOMEM: Você… *olhando ao redor* está sozinha por aqui?
GAROTA: Sim.
HOMEM: Seus pais não estão por perto?
GAROTA: Eles me deixaram aqui e depois vem me pegar.
HOMEM: Uma menininha tão bonita quanto você? Sozinha… você não acha perigoso?
GAROTA: Não. Eu sou bem esperta. *sorrindo*
HOMEM: Posso me sentar aqui?
GAROTA: *dando de ombros*
HOMEM: E qual é o seu nome, menina esperta?
GAROTA: Julia!
HOMEM: Prazer, Julia. Meu nome é Rodolfo. *oferecendo a mão*
JULIA: *rindo enquanto cumprimenta*
RODOLFO: Quantos anos você tem, Julia?
JULIA: *fazendo o número 8 com os dedos*
RODOLFO: Eu tenho 39. Você sabe fazer 39 com os dedos?
JULIA: *abrindo e fechando os dedos freneticamente enquanto ri*
RODOLFO: Hahahah… Está um dia tão gostoso, e você aqui sentada longe da piscina.
JULIA: Essa piscina é chata… eu queria ir naquela com o escorrega!
RODOLFO: Você gosta de piscina com cachoeira?
JULIA: Gosto!
RODOLFO: Na minha casa tem uma piscina com cachoeira.
JULIA: *arregalando os olhos*
RODOLFO: Mas eu deixo ela desligada… é chato quando não tem ninguém para brincar nela.
JULIA: Os seus amigos não vão na sua piscina?
RODOLFO: Não. Eles não gostam de piscina, nem de videogame, nem dos brinquedos que eu tenho. Eu comprei um monte de doces para eles e ninguém apareceu…
JULIA: Sua casa deve ser bem legal… *olhar de cobiça*
RODOLFO: Se você fosse minha amiga, eu te levaria lá.
JULIA: Mesmo?
RODOLFO: Quer ser minha amiga?
JULIA: QUERO!
RODOLFO: Que legal! Eu tenho uma amiga muito bonita agora!
JULIA: *rindo*
RODOLFO: Quer ver a minha piscina com cachoeira?
JULIA: Os meus pais…
RODOLFO: Eu te trago de volta antes deles voltarem.
JULIA: Hmmm…
RODOLFO: Você não era minha amiga?
JULIA: Sou!
RODOLFO: Então… você não vai na casa dos seus amigos? Vem comigo.
JULIA: Tá bom…
RODOLFO: Mas vamos sair quietinhos, ok?

Rodolfo sai de mãos dadas com a criança, como se fosse sua filha. Coloca-a confortavelmente instalada no banco traseiro de seu carro e sai dali em direção à sua casa.

Chegando lá, ambos passam horas brincando na piscina, no videogame e com diversos brinquedos espalhados pelo ambiente. Julia parece estar se divertindo muito, mas o passar do tempo vai colocando uma certa aura de incômodo em sua angelical face. Quando os dois adentram o quarto de Rodolfo para ver um desenho:

JULIA: Rodolfo?
RODOLFO: Quer mais chocolate?
JULIA: Não. Você mora sozinho?
RODOLFO: Moro. Por isso que eu gosto de trazer amigui…
JULIA: Porra, tem alguma coisa de errado comigo?
RODOLFO: Que boquinha a sua, hein?
JULIA: Já era para você ter tentado alguma coisa, né?
RODOLFO:
JULIA: Tenho mais o que fazer do que ficar brincando de boneca com um marmanjo. A essa altura do campeonato era para você pelo menos estar tentando alguma coisa para me deixar pelada! Brincar de médico, nunca ouviu falar?
RODOLFO: Eu nunca… é… faria…
JULIA: Eu sei que você é pedófilo. Quer dizer, estou começando a achar que é bicha ou que é tipo Michael Jackson, ambos.
RODOLFO: Você… sabe… o que é um pedófilo?
JULIA: Sei mais do que você, pelo visto. E como eu não vi uma porra de um livro nessa casa toda, devo saber mais do que você em praticamente tudo.
RODOLFO: Nunca vi uma criança falar… desse jeito.
JULIA: Filho, eu tenho 26 anos de idade. Nesse corpinho de 8.
RODOLFO: Eu devo estar alucinando.
JULIA: É uma condição raríssima… Minha mente se desenvolve, mas meu corpo não. Aliás, de tão rara tem o meu nome. Único caso conhecido… bom, único que não terminou todo deformado.
RODOLFO: Então… você é maior de idade?
JULIA: Sim. Comigo pode ser pedófilo e não ir para a cadeia. Se era isso que estava te impedindo…
RODOLFO: Você estava fingindo?
JULIA: Ei, eu também tenho minhas necessidades. Pelo menos uma parte do meu corpo desenvolveu do jeito certo. Parece até piada que seja justo…
RODOLFO: Mas você gosta de mim?
JULIA: A menina da casa SOU EU! Veja só, eu sou realista. Nenhum homem normal vai se interessar por mim, vocês são o que me resta.
RODOLFO: Mas e os meninos da sua idade… física?
JULIA: EU não sou pedófila. Aceito vocês por uma necessidade, mas acho horrível.
RODOLFO: O que você quer de mim?
JULIA: Começa com CA, mas não é a cachoeira da piscina.
RODOLFO: Ca?
JULIA: *suspiro* Olha, não vamos criar confusão. Dos pedófilos que eu já encontrei, você é o mais bonito. A maioria é muito velha ou muito gorda, normalmente os dois. Eu até entro no papel de novo se você preferir, mas vamos continuar com isso direito porque eu estou na seca faz teeempo…
RODOLFO: Então você quer ser abusada?
JULIA: Não se abusa quem consente, mas se te ajuda, podemos chamar disso.
RODOLFO: É que tudo isso é muito estranho, sexualmente.
JULIA: Muito engraçado vindo de um pedófilo.
RODOLFO: Eu não escolhi ser assim!
JULIA: Mas escolheu me levar para casa! Mas deixa pra lá, eu não ligo, é o preço que eu pago. Vamos ser adultos, ok?
RODOLFO:
JULIA: Ok, péssima escolha de palavras. Nós queremos a mesma coisa, isso é o que importa.
RODOLFO: A gente pode pegar leve por enquanto. Não quer ver o desenho?
JULIA: Não! Não quero! Eu aguentei uma tarde chatíssima fingindo ser uma criança, o mínimo que eu mereço em troca é ser mais uma de suas vítimas.
RODOLFO: Não sei se eu estou… preparado.
JULIA: Você tem um pinto? Você se sente atraído sexualmente por crianças? Então você está preparado!
RODOLFO: Não gosto assim… é muita pressão.
JULIA: Tira a roupa!
RODOLFO: Acho melhor eu te levar de volta…
JULIA: FICA PELADO AGORA!
RODOLFO: *tirando a camisa, constrangido*
JULIA: É assim que a mamãe gosta… Dá uma reboladinha…
RODOLFO: *rebolando desengonçadamente*
JULIA: Hahahaha! Tira essa calça…
RODOLFO: Olha, não está funcionando…
JULIA: Eu não mandei tirar a calça?
RODOLFO: Ok. *lágrima escorre*
JULIA: Hã? Tira a cueca!
RODOLFO: Eu…
JULIA: TIRA A CUECA, SEU BANANA!
RODOLFO: *obedecendo*
JULIA: PFFT! Só isso? Não virou pedófilo à toa, hein?
RODOLFO: *caindo no choro*
JULIA: Larga de drama.
RODOLFO: P-p-p-posso… me… me… v-v-v-es… tir?
JULIA: *suspiro* Pode.
RODOLFO: *correndo para o banheiro*
JULIA: Você tem cigarro? Oi?

Depois de alguns minutos trancado no banheiro, ouve-se um som de tiro.

JULIA: Bom, acho que hoje eu volto de táxi.

E todos foram felizes para sempre.

FIM

Este corpo não te pertence!

Mimimi: Falaremos sobre o assassino de Deus no Desfavor da Semana. Hoje é mais um texto CHATÉRRIMO porque eu estou com saudade de escrevê-los.

Ismael definitivamente não estava feliz com o devastador câncer que o colocara naquela cama de hospital, mas havia um certo conforto em dividir seus últimos momentos com suas pessoas mais queridas. Ao seu lado, segurando sua mão de forma carinhosa, sua companheira de décadas tentava segurar o choro.

“Tudo vai ficar bem…” – Difícil era saber a quem ela tentava reconfortar.

Ele responde com um sorriso condescendente, sabendo que não era hora de apontar a iminência de sua partida. Primeiro o frio, depois a dormência. Alguns flashes de enfermeiras e médicos em movimentos frenéticos dividem espaço com uma escuridão surpreendentemente confortável. Num horizonte difícil de precisar, enxerga uma luz surgindo tal qual o Sol nascente.

Era sua hora. O sentimento de paz e a liberdade das constantes dores que assolaram seus derradeiros anos corroboram com a última frase que ouvira de sua esposa. Ismael caminha até a luz.

O ambiente vai ficando mais definido de acordo com sua aproximação. A escuridão cede o suficiente para que perceba uma espécie de trilha no chão. Setas luminosas que o guiavam até a fonte de luz e calor piscavam de forma ritmada.

“A vida após a morte é… didática… Quem diria?” – Ismael mal consegue conter sua curiosidade, mas um pensamento perigoso desacelera o ritmo de seus passos: “E se eu rezei para o deus errado? Assim que eu chegar naquela luz eu vou saber, para o bem ou para o mal… E mesmo se eu tiver acertado, quase nunca fui de ir em igreja…”

“EI!” – Uma voz infantil o pega de surpresa.

Ismael se volta para a origem do som e percebe um garoto negro, maltrapilho, no máximo dez anos de idade, aproximando-se de forma apressada.

“E aí, como é que foi a sua vida?” – O menino parece empolgado.

“Foi… foi boa. Muito boa para ser sincero. E a sua?”

“Morri com dez anos de idade numa favela da Libéria.”

“Eu… eu… não sei nem o que dizer… Mas eu tenho a impressão que agora vai ficar tudo bem.” – Ismael tenta parecer confiante, tomado pela compaixão por aquele garoto que com certeza sofrera demais em vida.

“Claro que vai! Consegui o Pequeno Mártir e Copo de Cólera na mesma vida! Com esses pontos eu consigo desbloquear a Classe Milionária!” – O garoto sai correndo desembestado e atravessa a luz antes mesmo que Ismael consiga perguntar sobre o que ele estava falando.

Ainda confuso, o recém-falecido mal percebe que continua seguindo rumo ao seu destino. Um poderoso flash de luz o cega logo que faz a travessia. Sua visão volta aos poucos, e o que encontra logo após retomar o foco é um colossal ambiente que parece ter saído de um filme de ficção científica. Iluminação poderosa, sons confusos e incontáveis telas virtuais até onde a vista alcança. Milhares de outras pessoas manipulam essas telas.

Perdido, ele se volta para uma senhora mais ou menos de sua idade que estava passando ao seu lado:

“Eu nunca imaginei que fosse ser assim…”

“Nem eu. Quando eu fiquei sabendo que a Classe Bilionária tinha virado apenas sorteio, me senti roubada! Deveria ter gastado com a Milionária ao invés de ficar acumulando pontos com quase 80 anos de vida sofrida. Tem gente que entrou há pouco mais de 20 anos e já está na lista dos mais ricos do mundo. Absurdo!” – A idosa segue em direção a um dos monitores, deixando Ismael ainda mais desconcertado.

Tentando se adaptar, ele segue até um dos monitores vagos. Uma infinidade de números, letras e símbolos se prova impossível de decifrar para alguém que sequer conseguia entender um videocassete em vida.

“O senhor está bem?” – Um homem vestindo um macacão branco com um desenho estilizado do planeta Terra no peito aproxima-se.

“Você trabalha aqui? Quer dizer… trabalha como… anjo… ou algo assim… Você entende, né?”

“Sim senhor. O senhor está enfrentando problemas com o painel de retorno?”

“Painel de retorno?”

“Senhor, eu preciso realizar um procedimento de rotina.” – O homem puxa um equipamento do bolso e escaneia Ismael dos pés à cabeça. “O senhor poderia me dizer o seu nome real completo?”

“Ismael de Souza. O problema é que eu nunca fui muito bom com tecno…”.

“Ok. O senhor acredita que está morto?”

“Eu… sim… acho… Por quê?”

“Ok. Aguarde um momento.” – Ele coloca a mão no ouvido e começa a falar olhando em outra direção: “Temos um queimado aqui no setor 9983BR. Memória original sobrescrita, código Y62.”

“Queimado? Eu vou para o Inferno?” – Ismael começa a entrar em pânico. Agora começava a ter certeza que deveria ter frequentado mais a igreja.

“O senhor vai ser cuidado por profissionais capacitados. Esperamos que o senhor retorne logo para Terra 2 – Classes Sociais. Obrigado e tenha um bom dia.”

Antes mesmo de Ismael conseguir retrucar, uma sensação familiar. Primeiro o frio, depois a dormência. Tudo fica escuro.

Como quem acorda de um pesadelo, Ismael tenta se movimentar assim que recobra a consciência. Uma bela mulher com o mesmo uniforme branco e desenho do planeta Terra o segura pelos braços.

“Calma, calma… Está tudo bem. Você está segura.” – Sua voz é doce e reconfortante. Ismael se controla e dedica algum tempo a observar o ambiente ao seu redor. De um filme de ficção científica para outro. Reclinado numa cadeira com inúmeros fios colados ao seu corpo, Ismael nota que… não é mais Ismael. Seu corpo conta com duas protuberâncias na região do peito que nunca pode ver em primeira pessoa antes.

“Por que eu sou uma mulher? Eu não morri, né? Estou tendo aquelas alucinações…”

“Verbeni, sua memória original foi sobrescrita pela memória da vida virtual que levou nos últimos anos. Nós temos uma versão de backup aqui e vamos restaurá-la em alguns minutos. E adivinha quem vai ganhar cem mil pontos para gastar no Terra 2?”

Ismael, ou… Verbeni, nem se dá mais ao trabalho de tentar entender a situação. A gigantesca janela do lado oposto do grande salão mostra o espaço, com milhares de estrelas e um planeta parecido com as imagens que sempre viu de Saturno. Duas luas são plenamente visíveis.

“Estamos em Saturno?”

“O nome desse planeta é Calais 12. Eu adoro a vista desta sala…”

“Em que ano estamos?”

“2006 do Novo Ciclo… Mas não se preocupe com isso, você vai entender tudo assim que recuperar sua memória.” – Ela sorri e recosta nosso(a) protagonista novamente em sua cadeira: “Agora é só espe…”

“Lavin, problemas…” – Um homem que passara despercebido até agora se aproxima da mulher e começa a cochichar algo em sua ouvido. Ela parece preocupada: “Agora você vai dormir um pouquinho, viu?”

Frio. Dormência. Escuridão.

“CHEGA!” – Ismael/Verbeni começa a se revoltar antes mesmo de saber onde estava dessa vez.

“Seja bem vindo de volta, Araz Olufamini.” – Um ser que parece um misto de alienígena e ciborgue faz as honras da casa.

“Agora meu nome é Araz? Eu sou homem ou mu… Meu Deus do céu… O que sou eu?”

“Você, assim como eu, é o ápice da tecnologia de uma espécie há muito extinta. Você, assim como eu, é uma das últimas testemunhas deste universo fantástico. Você, assim como eu, vai ter a responsabilidade de cuidar desta instalação.” – A voz, metálica e sem emoção, parece apenas acentuar o clima futurístico emanando de tudo ao seu redor.

“O que é este lugar? Eu juro que não fiz nada de errado na minha vida… Isso é uma provação divina?”

“Não. Eu preciso te situar para que sua consciência seja capaz de se restaurar. Está vendo aquela estrela?” – O ser aponta para algo parecido com uma projeção saída do chão. Um pequeno ponto de luz central vai aumentando até enquadrar uma espécie de nave espacial posicionada em sua órbita.

“Sim… É o Sol?”

“Não. Essa é LI5382-BETA23492, a última estrela ativa e fonte de energia do universo. A entropia está a ponto de completar seu trabalho. Acredito que mesmo a memória primitiva que você adquiriu numa das camadas de realidade virtual é capaz de compreender conceitos como esse, não?”

“Quer dizer que quando ela apagar… acabou… tudo?”

“Sim. Tentamos reverter o esfriamento do universo, sem sucesso. Como não havia mais possibilidade de vida em qualquer lugar além desta nave, decidimos criar uma realidade alternativa para que houvesse algum sentido em nossas existências. Melhor viver nossos últimos milhões de anos sonhando.”

“E por que eu estava sonhando com uma vida cheia de problemas?”

“Recomeço. É importante que esqueçamos de nossa existência aqui. Nós iniciamos a nossa simulação com seres humanos primitivos, mas depois de milhões de anos…”

“Eles aprendem a criar suas próprias realidades virtuais…”

“Exato. Mas um de nós deve ficar aqui para gerenciar o sistema original e receber os próximos guardiões. Esta foi minha incumbência nos últimos mil anos. Agora será a sua. Pronto! Sua mente original vai ser restaurada em 3 segundos.”

“-3[[32-0”

“..a98’22@”

FIM. (wat)

Para dizer que não acredita que eu não tenha visto Inception ainda (sério), para dizer que o texto é chato e blá blá blá, ou mesmo para traçar meu perfil psicológico e dizer que é melhor esvaziar as escolas próximas: somir@desfavor.com

PÔ!

wat: A LEC é a Liga de Extermínio dos Crentes, entidade milenar sem fins positivos que já perseguia os cristãos antes mesmo deles serem denominados cristãos.

Transilvânia, Romênia. Mais precisamente a sala de música de um famoso Conde que quer manter seu anonimato:

TODOS: Vai Hitler, vai Hitler, vai Hitler!
SOMIR: Vem cá, ele só faz o passo do robô?
GANDHI: Esperava o quê de um ciborgue, o moonwalking?
SOMIR: Aquilo é vapor saindo da bunda dele?
GANDHI: Deve ser o radiador… HITLER! Pára! Ferveu!

Ciborgue Hitler interrompe sua dança para cuidar do problema. As palmas se transformam num silêncio incômodo para todos os presentes na sala.

SOMIR: *cochichando* Por que não fazem um upgrade nele? Ele está parecendo o Fusca velho do meu tio-avô.
J. MENGHELE: Adivinha quem projetou o ciborgue?
SOMIR: Meu tio-avô?
J. MENGHELE: Tínhamos fornos especiais para pessoas inteligentes como você.
SOMIR: Não seja um nazista de piadas.
J. MENGHELE: Bom, o pessoal que projetou o Fusca era muito esperto, mas… há uma grande distância entre carros e ciborgues. Eles entregaram um protótipo que parecia um robô, mas na verdade não passava de um carro rearranjado.
SOMIR: E como é que ele está vivendo até hoje dentro desse treco?
J. MENGHELE: Hitler vendeu sua alma em troca dessa porcaria funcionar de verdade. E você sabe como o chefe adora explorar as minúcias dos contratos que assina.
SOMIR: O ciborgue dos anos 40 funciona por mágica, mas Hitler está preso para sempre nesse treco.
J. MENGHELE: E eu tenho quase certeza que o radiador não ficava na bunda no modelo original.
SOMIR: Bom, ele nunca foi famoso por tomar boas decisões.
J. MENGHELE: Pior que ele ainda acha que eu sei como cuidar dele. Desde o fim da Terceira Guerra Mundial que eu tento explicar que um mecânico saberia melhor o que fazer…
SOMIR: Segunda.
J. MENGHELE: Hã?
SOMIR: Segunda Guerra Mundial. Você disse Terceira.
J. MENGHELE: … Não ensinam mais nada para os novatos?
SOMIR: Peraí… tem mais uma Guerra Mundial da qual eu não ouvi falar?

Uma nuvem de vapor prenuncia a aproximação do ex-ditador da Alemanha Nazista, atual ferro-velho.

C. HITLER: DOKTORRRR! RADIADORRRR! TRASEIRRRRA!!!
J. MENGHELE: Argh… Gob, explica para o rapaz sobre a verdadeira Segunda Grande Guerra. Mas que diabos, Adolf, não abre o porta-malas aqui!

Hitler e Menghele vão se afastando de Somir, agora ansiosamente esperando pelas palavras de Goebbels.

J. GOEBBELS: O estraga-prazeres *apontando para cima* estava atacado logo após a Primeira Guerra Mundial. Aquilo tinha sido feio demais e a humanidade parecia que ia se matar a qualquer momento.
SOMIR: Pareceria falta de cuidado dele.
J. GOEBBELS: Exato. Zeus estava ganhando muito apoio político por causa dos rumos desastrosos da ditadura de Javé.
SOMIR: Hã?
J. GOEBBELS: Política, política… fica para um outro dia. O que interessa agora é que ele foi preguiçoso e tentou resolver tudo do mesmo jeito que resolvera milênios antes.
SOMIR: Mandando o zumbi?
J. GOEBBELS: E novamente, no epicentro da confusão. Só que dessa vez não dava mais para fazer todo o processo de pegar uma virgem, esperar nascer, ser criado…
SOMIR: Jesus veio “pronto”?
J. GOEBBELS: Veja bem, essa coisa de se chamar Jesus e ter aquele corpo foi só para se misturar na multidão. Era normal na época. Agora, para colocar seu filho no mundo para evitar uma Segunda Guerra, ele tinha que estar no país que se tornou uma bomba relógio depois do fim da Primeira.
SOMIR: Ele “encarnou” num alemão?
J. GOEBBELS: Austríaco.
SOMIR:
J. GOEBBELS: O Führer ainda não era Führer. Era só um soldado pobre que queria um futuro melhor para o seu povo.
SOMIR:
J. GOEBBELS: Haha! Todo mundo fica com essa cara quando contamos a história. Sério que nunca passou pela sua cabeça? Eu sou o melhor propagandista de todos, mas nem eu conseguiria fazer um genocida parecer tão carismático para seu povo.
SOMIR: Olha, eu nem tenho muito respeito pelo… “estraga prazeres”, mas eu não acredito que ele tenha permitido que seu filho virasse… Hitler!
J. GOEBBELS: Foi uma decisão apressada. Saber desde pequeno que é filho de deus é uma coisa, ter o poder de cativar tanta gente do dia para a noite é outra completamente diferente.
SOMIR: Hitler não “registrou” seu propósito da forma correta?
J. GOEBBELS: E ainda por cima herdou uma raiva incontrolável de um grupo de pessoas.
SOMIR: Grupo de pessoas que curiosamente matou sua encarnação anterior?
J. GOEBBELS: Eu também não sou muito fã de vitimização, mas convenhamos que não era para tanto com os judeus.
SOMIR: Mas… por que o pai não controlou o filho?
J. GOEBBELS: Porque foi burro. A partir do momento em que usou um humano normal como base, ficou preso nas complicações técnicas do livre-arbítrio.
SOMIR: Bom, mas mesmo com essa força, perdeu a guerra.
J. GOEBBELS: Perdeu a Terceira. A verdadeira Segunda foi um passeio. Os cristãos do mundo todo eram atraídos como mariposas a uma lâmpada. Os que não eram, se convertiam. A cada dia mais e mais soldados adversários mudavam de time. Sem contar que tanques andando sobre a água realmente facilitam as estratégias militares. Poucos anos depois não tinha mais nenhum judeu vivo para contar a história.
SOMIR: Os nazistas venceram a Segunda Grande Guerra?
J. GOEBBELS: Graças a deus! Hahahahaha!
SOMIR: Mas o que aconteceu então para tudo estar diferente hoje em dia?
J. GOEBBELS: Política, política. Hitler ficou ganancioso e resolveu ser o deus único do mundo que estava aos seus pés. Alguém… alguém não gostou disso.
SOMIR: Mas e as complicações técnicas do livre-arbítrio?
J. GOEBBELS: Só valem se quem está sofrendo é uma pessoa normal. Se atrapalham os planos do Grande Carente dos Céus, essas coisas podem ser relativizadas.
SOMIR: Típico.
J. GOEBBELS: E para matar dois coelhos com uma cajadada só, bastou voltar sorrateiramente no tempo e reduzir severamente a capacidade intelectual de Hitler antes da “iluminação”. Assim ele desenvolveu apenas o carisma, mas tomou decisões absolutamente cretinas durante a guerra que ficou registrada na nossa história.
SOMIR: Perder a guerra eu entendo, mas… qual o outro “coelho”?
J. GOEBBELS: A sede de poder de seu bom filho levantou várias suspeitas no Ditador Divino. E nós trabalhamos para alguém conhecido por fazer vários servicinhos sujos, pelo preço certo.
SOMIR: Então a LEC está nessa?
J. GOEBBELS: Manter Hitler-Jesus vivendo eternamente neste plano com a inteligência de um babuíno e o corpo de um Fusca é garantia de estabilidade no poder cósmico vigente.
SOMIR: Política, política.
J. GOEBBELS: Precisamente.

Para dizer que não quer o que eu estou usando porque deve ser forte demais, para dizer que o seu detector de blasfêmias acabou de pifar, ou mesmo para apontar inconsistências na história de Ciborgue Hitler (sério?): somir@desfavor.com

PÔ!

wat: A LEC é a Liga de Extermínio dos Crentes, entidade milenar sem fins positivos que já perseguia os cristãos antes mesmo deles serem denominados cristãos.

23 de Dezembro de 2010: Localização confidencial.

J. ASSANGE: Transilvânia, Romênia.
SOMIR: O quê?
J. ASSANGE: Nada… nada.
SOMIR: Cacete, parece que está todo mundo aqui. Nunca imaginei que a LEC daria uma festa de Natal…
C. DRÁCULA: Mas esta não é uma festa de natal, reles mortal.
SOMIR: Ah é? E por que o Kurt Cobain está vestido de Papai Noel?
C. DRÁCULA: Aposto que nem ele sabe. Mas o que importa é que não estamos comemorando o Natal! Tudo começou alguns meses após a morte daquele hippie… *colocando a mão no ouvido* Espera… Sim? De novo? Ok, estou indo…
SOMIR: Problemas?
C. DRÁCULA: O Harry Potter está destruindo a sala de troféus aqui do castelo.
SOMIR: Você quer dizer o ator Daniel Redcliffe, que interpreta o Harry Potter no cinema…
C. DRÁCULA: Não. *virando morcego*
SOMIR: … Assange, você sabe a his… Assange? *suspiro*

Alguns minutos depois, na sala de jantar:

SOMIR: Dois mil… trezentos… aqui! Meu lugar! Licença…
H. P. LOVECRAFT: Toda.
SOMIR: Você?
H. P. LOVECRAFT: *coff coff*
SOMIR: Ei, você viu quem está aqui? *virando para o outro lado*
F. KAFKA: Não deixa ele tossir em você.
H. P. LOVECRAFT: Ano passado eu peguei uma virose daquelas aqui.
F. KAFKA: Se você está insinuando alguma coisa…
H. P. LOVECRAFT: Eu estou muito pálido?
F. KAFKA: Corado feito uma noviça desnuda em praça pública.
H. P. LOVECRAFT: Impossível, estava péssimo pela manhã.
F. KAFKA: Não tanto quanto eu… Foi um suplício sair da cama.
H. P. LOVECRAFT: Pelo menos você conseguiu sair sozinho, eu tive que…
SOMIR: Os dois parecem estar em estado deplorável.
F. KAFKA: Você só diz isso para nos lisonjear.
SOMIR: Eu vivo para agradar. Mas já que eu tenho essa oportunidade única, algum de vocês poderia me contar a história dessa comemoração?
H. P. LOVECRAFT: Você acha que quer saber a história, mas arrepender-se-á por toda a eternidade se desvendar os profanos segredos…
F. KAFKA: Ahem!
H. P. LOVECRAFT: Sou uma criatura de hábitos. Estávamos falando sobre a comemoração do Regresso, certo?
SOMIR: Regresso?
F. KAFKA: Durante algumas semanas, a LEC esteve prestes a ser desfeita. Nosso líder foi levado aos tribunais celestes para um julgamento definitivo sobre seu direito de existência.
SOMIR: Já sei! O julgamento foi uma grande insanidade!
F. KAFKA: Sim, e logo depois ele virou uma barata gigante.
SOMIR: Sério?
F. KAFKA: Não. Eu me recuso a ser um veículo para clichês de quem só leu dois dos meus livros. Posso continuar?
SOMIR: Claro…
F. KAFKA: Mandar o filho para ser crucificado foi a maior cartada Dele. Grande demais para dar errado, se é que você me entende. Aquela história de livre-arbítrio começou a… azedar… depois que Ele percebeu que meses depois do grande sacrifício rigorosamente nada tinha mudado.
H. P. LOVECRAFT: A LEC tinha acabado de cooptar um dos seguidores do JC para iniciar a Igreja Católica. Estava sendo um massacre! Franz, você tem algum remédio para dor aí?
F. KAFKA: Cthulhu espera?
H. P. LOVECRAFT: Me passa uns comprimidos, os meus acabaram.
SOMIR: E o julgamento?
F. KAFKA: Pois bem… Se o Criador não conseguia convencer a humanidade com uma tragédia sensacionalista, estava na hora de fazer as coisas saírem de seu jeito na marra. Satã foi preso e levado imediatamente para responder por seus crimes.
SOMIR: E como foi esse julgamento?
H. P. LOVECRAFT: Ninguém sabe.
SOMIR: Hã?
H. P. LOVECRAFT: Termo de confidencialidade. Mas não é o julgamento que importa, afinal, está claro que Satã pode continuar existindo. Interessante mesmo foi o que aconteceu no mundo durante o curto período onde a LEC ficou sem líder.
F. KAFKA: Veja só quem se juntou a nós!
SOMIR: Um gato preto? Que clichê…
GATO PRETO: Quando eu escrevi, não era! Franz, a Mary bebeu todas e está atacando aquela tal de Meyers com uma espada enferrujada! Você tem que ver isso!
F. KAFKA: Novato, a história vai ter que ficar para depois! Isso eu não perco por nada!

Kafka e o gato preto saem apressados da mesa.

SOMIR: O gato era… o…
H. P. LOVECRAFT: Ele mesmo. Longa história… Ah, o Franz esqueceu os remédios. *levantando*

Somir pula uma cadeira e aborda o homem de toga branca que agora está diretamente ao seu lado:

SOMIR: Nero?
NERO: Você eu não conheço.
SOMIR: Sou novo aqui. Somir. Só te reconheci por causa da toga… E do olhar maníaco em direção ao candelabro.
NERO: Nunca entendi por que as pessoas pararam de usar togas. As jóias de um homem não foram feitas para a reclusão! *pegando nas próprias*
SOMIR: Mudando de assunto… Você deve saber muito sobre a história do Regresso, não?
NERO: Fui um dos primeiros a ouvi-la.
SOMIR: E o que aconteceu depois que o patrão foi levado a julgamento?
NERO: Ah, a semana esquecida! A LEC parecia destinada ao fim, então os membros daquele tempo decidiram queimar todo o combustível para um final apoteótico!
SOMIR: Atacando os cristãos?
NERO: Melhor! Juntou-se toda a riqueza de todos os membros e foi feita a maior orgia em praça pública da história. Roma, Egito, Pérsia… As pessoas bebiam, comiam e faziam sexo por todos os lugares. A idéia era mostrar para todos o que jamais poderia ser feito de novo se o Criador abolisse o livre-arbítrio e eliminasse o capeta!
SOMIR: E por que não tem um mísero relato disso?
NERO: Porque funcionou. As pessoas queriam a salvação DEPOIS de cometer os pecados. A notícia que uma Era sem o demônio viria pela frente acabou com a motivação do povo para adorar Vossa Carência. O que parecia apenas uma provocação final da LEC se tornou a nossa maior vitória.
SOMIR: Mas Ele não poderia resolver tudo num passe de mágica?
NERO: Alguém… *olhando para cima* … é incapaz de admitir erros. Enquanto era presumível que Ele estaria apenas fazendo a vontade de suas crias, tudo bem acabar com nosso líder. Mas a partir do momento em que nem essa desculpa ele tinha… foi por água a história de que tudo fazia parte dos Seus infalíveis planos desde o começo.
SOMIR: Aposto que Ele nunca admitiu o erro.
NERO: Você venceria a aposta. Além de apagar dos registros aquela semana de orgias que culminou no retorno triunfal de Satã para o plano terreno, ainda manteve o teor do julgamento como segredo inquebrável por milênios.
SOMIR: Satã voltou dia 25 de Dezembro?
NERO: Precisamente! E você não ouviu o melhor: Como a Igreja Católica era nossa, forçamos a comemoração do nascimento de Cristo a cair nesse exato dia.
SOMIR: Hahahaha!
NERO: Trocaria meu império para ver como fica a cara do Criador quando os cristãos comemoram a data.
SOMIR: Meu espírito natalino acabou de renascer!

Um homem deixa um calhamaço de papéis ao lado de Somir.

SOMIR: Assange?
J. ASSANGE: Esconde isso! Acho que vão perceber a qualquer…

Um alarme altíssimo começa a ecoar por todo o castelo.

J. ASSANGE: … momento! *correndo*
ALTO-FALANTE: Atenção, a biblioteca da LEC acaba de ser invadida. Até segunda ordem, ninguém está autorizado a deixar o recinto.
SOMIR: *olhando uma das páginas*

PROCESSO 00002 – CC01/PA14
– CONFIDENCIAL –
CRIME: EXISTÊNCIA.
RÉU: LÚCIFER, O PRIMEIRO.
– TRANSCRIÇÃO DO DEPOIMENTO 082 –

ACUSAÇÃO: Eu, Juiz dos Juízes e Rei dos Reis, o Criador de tudo, permitirei seu retorno ao plano terreno sob as seguintes condições…
RÉU: Você não está em posição de exigir condições.
ACUSAÇÃO: Insolente! Você sabe que eu posso destruir tudo o que existe apenas com um pensamento?
RÉU: Sim, mas não vai e ambos sabemos disso. Qual vai ser o acordo desta vez?

Os papéis se desfazem diante dos olhos de Somir.

NERO: O que estava escrito?
SOMIR: O óbvio.
NERO: Hã?
SOMIR: Passa o patê de golfinho?

Para me desejar um feliz Regresso: somir@desfavor.com