Existe um mecanismo de negação doentio que acomete o brasileiro com tal intensidade como eu jamais vi em qualquer outro lugar do mundo. É uma espécie de auto-preconceito velado. É um mecanismo de defesa e de negação envolvendo, na maior parte das vezes, sua raça, cor ou condição social. Fico com muita vergonha alheia quando vejo este tipo de demonstração: uma “minoria” discriminando a própria minoria, achando que não pertence a ela. O preconceito vindo do próprio objeto discriminado. Uma espécie de corrente do mal: preconceito, passe adiante, algo como “se me discriminam por se pobre, vou discriminar o Fulano que é ainda mais pobre do que eu!”. Um horror.
Quem nunca viu , por exemplo, uma pessoa de pele negra esculhambando outra pessoa de pele mais negra ainda? “Tinha que ser preto!” ou “Crioulo fdp!”. Ignorando o absurdo que é julgar alguém pela cor da pele, vamos analisar apenas a contradição deste evento. Eu fico olhando e me perguntando se o autor da frase não tem espelho em casa, se não percebe que ele TAMBÉM é negro. Em outros lugares do mundo os negros se unem e se respeitam porque sabem que já basta o preconceito dos “não-negros” contra eles. Aqui não, aqui neguinho (sem trocadilhos, por favor) é tão merda que se você é um pouquinho menos preto que seu colega, já aproveita para dar uma pisadinha nele!
Algumas pessoas parecem sentir tanta vergonha da própria raça que ficam tentando se dissociar dela, contra todas as evidência físicas. É patético e não convence. Querem um exemplo? Neymar, minha mais nova birra, que em uma entrevista disse a seguinte pérola: “Nunca fui vítima de racismo, até porque não sou preto, né?”. Não, não é não. Você é branquinho, Neymar. Nórdico. Escandinavo. Uma bonequinha de porcelana.
Muito feio isso. “Se o branquelo me discrimina, então vou aproveitar e discriminar quem é mais preto do que eu”. Uma babaquice de ficar passando o racismo adiante somada a uma tremenda falta de semancol. Deve ter alguma doença estilo anorexia, só que em vez de se ver gorda, a pessoa se olha no espelho e se vê branca. Só pode! Gente, coisa mais ridícula discriminar os outros pela cor de pele e muito pior quando você TAMBÉM tem essa cor de pele! Além de preconceituoso e babaca, ainda é BURRO! Por acaso é vergonha ser negro?
E aquelas pessoas da raça negra que dizem que odeiam negros? “Odeio preto!”. Fico atônita olhando. Dá vontade de perguntar “Você se odeiaaaaa?”. E quanto mais próximo fisicamente do objeto de crítica, piores ficam os comentários. Como é que um país que exerce massivamente esse tipo de auto-racismo camufado pode querer que respeito e erradicação do racismo? Que porra é essa de negar uma verdade que está, literalmente, estampada na cara? As pessoas acham que falando mal de negros automaticamente se excluem da categoria? Depois ainda dizem que os branquelos oprimem os negros. Não concordo. Muito pelo contrário, as loirinhas branquelas ADORAM, não só não oprimem como ainda costumam é acasalar com os negros. Os próprios negros, pardos, mulatos e cia (vulgo “não-brancos”, expressão horrível) é que oprimem os negros.
No Brasil acontece um estranho fenômeno: o preconceito de classe supera o de cor. Se você fica rico, você fica branco aos olhos da sociedade. Vê se alguém considera Obama negro! E Beyonce? É ruim! Ocorre uma especie de vitiligo social. Com isso, ninguém mais fala mal de negros ricos. Muito triste morar em um país onde se compra o respeito. Parece que só é preto quem é pobre.
No outro dia estava conversando com uma pessoa que trabalha no censo do IBGE. A pessoa me contava que a pesquisa é feita com base apenas na resposta das pessoas, sem qualquer juízo de valor do recenseador, que é obrigado a anotar o que lhe respondem. Quando perguntam a cor de pele e a pessoa diz “branca”, eles são obrigados a anotar, ainda que a pessoa seja azul marinho. Daí foram constatadas algumas discrepâncias: 80% da população é branca, porém mais de 80% pede ingresso na faculdade através de cotas para negros. De onde eu presumo que o complexo de vira-lata que o brasileiro sofre vem de dentro para fora, nasce aqui mesmo, não é consequencia de repressão externa. O brasileiro não se aceita e se auto-discrimina, a menos, é claro, que ele possa obter alguma vantagem com isso, como no caso das cotas. Aí é marrom bombom africano desde criancinha, com o maior orgulho. Que nojinho que me dá esse tipo de coisa.
Mas por incrível que pareça, me aborrece mais quando o fenômeno é de cunho social. Por mais que muitos discordem de mim, eu acho que o preconceito contra pobres não vem dos ricos, e sim dos menos pobres. Não tem raça pior, mais escrota e mais preconceituosa do que classe média baixa, quase pobre. Esses, no geral, são os que enchem a boca para falar que odeiam pobre.
Eu adoro pobre, pobre não me incomoda. Mas a classe média baixa se incomoda profundamente, talvez por se ver refletida ali e precisar desesperadamente desvincular sua imagem daquilo: “eu odeio pobre, consequentemente isso me faz não ser pobre”. Dái você vê aquela GENTALHA que não tem um pingo de cultura meteno o pau em funk, dizendo que odeia funk PORQUE é música de pobre. Filho, você é o que??? Você lê Nietzsche? Você assiste ópera e balé? Você janta em Paris? Cala boquinha e volta para a frente da TV, assistir novela, BBB e Zorra Total, porque você é tão massa quanto aquele funkeiro, só que mais chato e arrogante.
Vejam bem, não estou dizendo que as pessoas não possam desgostar de funk. Podem e DEVEM. O que eu critico é essa desculpa de que desgostam porque “é coisa de pobre”. Para poder dizer que desgosta de algo “porque é coisa de pobre”, Meus Queridos, vai desculpar mas você tem que ser MUITO CHIQUE, MUITO FINO E MUITO SOFISTICADO, se não soa ridículo, soa como mecanismo de defesa bobo para tentar esconder que também é um pobre ou quase pobre. No entanto, o que mais se vê é gente BREGA, SEM BERÇO, CAFONA e SEM CULTURA tirando onda de como odeia coisa de pobre. Dica: odiar coisa de pobre não te faz automaticamente rico, muito pelo contrário, delata que essa aversão é, na verdade, um medo tremendo de ser classificado como pobre.
Dentro dessa categoria de odiar coisa de pobre temos várias derivações. Por exemplo, as pessoas que odeiam tal comida por ser “comida de pobre”. Bota um escargot, um foie gras ou alguma comida “de rico” e vê se essa gentalha come! Come porra nenhuma! Desdenham dobradinha e rabada mas adoram uma feijoada, strogonoff e bife com batatas fristas. Finesse. Crasse. Catiguria. São tão pobres que nem sabem que as comidas que eles gostam também são de pobre!
Tem também aqueles que não usam roupas de grandes magazines ou de determinadas marcas porque seria “roupa de pobre”. Daí os babaquaras vão e compram roupas “de marca” que são o auge do atestado de mau gosto e pobreza, tipo Victor Hugo. Não tem coisa mais de pobre, suburbana e gentalha do que bolsas Victor Hugo. Não é porque custa caro que é de bom gosto. Porque gente fina usa bolsa Fendi ou Channel, sapato Jimmy Choo ou Manolo Blahnik. Mas os infelizes compram uma bolsa Victor Hugo e se acham phynos. Se você quer tirar onda, tem que ser top, não basta ser melhor do que o seu vizinho.
Impressionante como as pessoas não sentem constrangimento em arrotar pouca merda. Acham que estão tirando onda e na verdade estão passando atestado justamente do contrário do que pretendem. Nunca esqueço uma ocasião onde uma nova rica tirava onda de que ia comprar um castelo e uma pessoa lhe deu o seguinte totozinho: “Castelo não se compra, Querida, castelo se herda”. Podia dormir sem essa, né? Eu mesma dei uma patadinha esta semana, quando me escutei que chocolate da Cacau Show é coisa de pobre e que chocolate de “catiguria” é da Kopenhagem. Quase engasguei. Só porque custa vinte pratas mais caro? Vai se foder, quer tirar onda? Então vamos conversar de Pierre Marcolini para cima. Não fode.
Esse equívoco de que o TER significa o SER vem gerando uma massa de superendividados que pretendem status social com bens de consumo. Sem sacanagem, eu trabalho diariamente atendendo pessoas com renda familiar entre zero e cinco salários mínimos e TODOS tem um celular melhor que o meu – porque celular que não tem internet e não é “touch screen” é coisa de pobre. Adianta ter um mega-celular multifuncional se nem tem crédito para ligar? Não me conformo.
E quando chega a parte dos julgamento ético e moral? Ai do pobre que rouba uma galinha ou uma balinha, neguinho mete o pau dizendo que tem que pagar pelo que fez porque não é o valor e sim o ato em si e que tem que ser punido. Os mesmos que tem gato em casa, que é crime de furto de energia elétrica, os mesmos que tem gatonet, igualmente crime, os mesmos que subornam o guarda para não levar multa, enfim, os mesmos que incorrem em crimes tão ou mais graves diariamente, porém se acham no direito de escolher quais leis querem cumprir. Aquele imbecil (porque não tem outro nome para quem faz isso) que sai, bebe, dirige e entra no seu celular para descobrir no twitter onde está sendo feita uma blitz e desviar o caminho se sente no direito de cobrar rigor da justiça e de cobrar um comportamento ético dos demais. Dois pesos e duas medidas. Esse tipo de pessoa é tão ou mais incorreta que o “pobre” ,que ela rapidamente condena em seu discurso.
Além disso, onde está escrito que uma coisa é pior por ser “de pobre”? Eu prefiro mil vezes diversas coisas tidas como “de pobre” do que coisas classificadas como “de rico”. Quando você é bem resolvido não tem medo de transitar em todos os círculos nem de ser rotulado. Você pode gostar de uma coisa “de pobre” sem “ser pobre” ou ainda ser pobre sem ser medíocre.
Pior do que esse “medo de parecer pobre” é a falta de auto-crítica ao não perceber que, no conjunto da obra, a maior parte dos brasileiros se porta como pobre MESMO, e não acho isso demérito. É o que eu sempre digo, ser suburbano é estado de espírito, existem pessoas finas nos bairros mais afastados e existem suburbanos morando em bairros nobres. Achar que é fodão porque é um pouquinho mais fino que seu vizinho é deprimente. Joga qualquer um de nós em Milão e somos todos macaquitos mal vestidos. Se manquem, o mundo vai muito além do seu bairro! Humildade já!
Por favor, SE OLHEM NO ESPELHO ANTES DE FALAR. É muito vergonhoso desdenhar um grupo ao qual você pertence mas finge desesperadamente não pertencer. Ser esbobe, ser arrogante e ser prepotente tem seu charme quando a pessoa efetivamente tem potencial para isso. Quando não tem, é patético, antipático e ridículo.