derpEu sei que comerciais de TV são matéria do Somir, mas meu enfoque não é na publicidade em si e sim na babaquice desnecessária que rodeia o evento e a minha crise de isolamento por ser repreendida pelos que me cercam ao expressar minha opinião.

Em um comercial de uma marca de lingerie (Hope) Gisele Bundchen ensina às telespectadoras que a forma correta de contar ao marido que estourou o cartão de crédito dele não é vestida, e sim usando uma lingerie e fazendo trejeitos que supostamente deveriam ter algo de sexy.

Daí surgiram diversas polêmicas. Alguns disseram que objetifica a mulher e é ofensivo, outros disseram que é uma brincadeira levada a sério demais e teve até uma coluna da Veja usando um argumento sensacional (como sempre), alegando que uma Ministra critica o comercial e que a explicação para esta crítica pode ser deprreendida pela foto da Ministra em questão, e em seguida expõe a foto dela ao lado de Gislele para contrastar o quão mais feia ela é.

Essa discussão toda nem me preocupa muito. Talvez o comercial nem seja degradante para a mulher, mas é feio. É uma coisa boba e ultrapassada que provavelmente vai queimar mais a marca do que divulgar. O que me surpreende é estar falando de uma marca grande e de uma modelo muito famosa. Porque enquanto apenas Cigano Igor (sim, este é o nome dele e ponto final) e Biafra se humilhavam e jogavam fora nada por uns trocados, eu até conseguia aceitar as justificativas do Somir, mas agora estamos falando de uma das maiores modelos (e pau no cu) da atualidade.

Provavelmente Gisele não tinha como prever a reação do público ao aceitar fazer este comercial. Por algum motivo ela achou que a exposição valia o risco. Fico me perguntando qual seria este motivo. Bem, dinheiro com certeza não é. Será que a fama está aos poucos se esvaindo e neguinha tá surtando e querendo ser centro das atenções para sempre? Olha, por mais consagrada que ela seja, ela náo é mais novidade, não é carne fresca. E como qualquer mulher com um filho pequeno, a maternidade respingou na carreira (eu disse respingou, não disse estragou).

Uma coisa é uma celebridade dar uma declaração impensada, soltar uma frase inconveniente em um momento de raiva ou até umas palavras desconfortáveios no Twitter. Somos todos humanos e todos surtamos e falamos merda vez por outra. Outra coisa muito diferente é aceitar estrelar uma campanha nacional que vai ao ar em horário nobre. Não é algo impulsivo e impensado, algo de momento. É cuidadosamente estudado, por semanas, até mesmo por meses. E mesmo após toda a reflexão, contrariando todo um discurso (que eu sempre soube ser falso) que ela tinha sobre mulheres, neguinha vai e aceita estrelar esta campanha.

De boba não tem nada, se não, jamais teria chegado onde chegou. Tem algum ganho secundário nesse comercial com vibe de piada de Escolinha do Professor Raimundo que a favorece. Não saberia dizer qual é, até porque, isso é matéria para que o Somir analise em na coluna Publiciotários. Em todo caso, para mim o pior desse comercial não é o banho de merda que Gilsele deu no seu nome. Existe algo ainda mais preocupante. Minha inadequação galopante com o consenso geral sobre o que é um papel feio e o que é bacana em uma mulher. Acho que meu prazo de validade expirou.

Vejamos, é um comercial para mulheres. Busca a simpatia das mulheres, a aceitação. Qualquer idiota sabe que a consumidora tem que se identificar com o que está relacionado ao produto. Ninguém vai fazer um comercial exaltando algo que a consumidora não sonhe ter ou ser, caso contrário, encalharia. Empresas grandes como a Hope não trabalham com achismo nem com amadores, devem ter realizado pesquisas consideráveis e concluido que este é o espelho da nossa sociedade.

Muito me preocupa que as mulheres de hoje se identifiquem com Gisele neste comercial. A mulher usa o cartão de crédito do marido, gasta o dinheiro do marido, ultrapassa o limite e quer se prevaler de um jogo de sedução para ser perdoada. Pense no contrário. Pense em um comercial que coloque a mulher como objeto visto do ângulo de um homem. Por exemplo, uma mulher pede o cartão de crédito do marido emprestado e ele diz que só empresta se ela pedir fazendo biquinho e usando calcinha fio dental e sutiã. Estaria todo mundo metendo o pau nesse comercial. Independente do que você pense do comercial da Gisele ou deste comercial imaginário, contra ou a favor, é preciso ter coerência.

E mesmo aquela que não é, pelo visto gostaria de ser. A mulherada gostaria de ter um marido que lhe ceda um cartão de crédito, gostaria de estourar o limite e gostaria de se eximir das consequencias e responsabilidades miando de lingerie. As mesmas que dizem que mulher rata de academia é burra e escrava do corpo. Alguém avisa a elas para afinarem o discurso? Mulher gorda miando de lingerie pequena só vai piorar sua situação. Feministas de ocasião, incoerentes. Na hora de ralar e manter um corpão acham que são feministas contestando a ditadura da beleza mas no fim do dia querem estourar o cartão de crédito do marido e se livrar na bucetada?

Para meu espanto, este é o perfil de mulhere que o setor de marketing da Hope estudou e concluiu ser o das brasileiras: a mulher que faz ou que gostaria de fazer esse tipo de coisa. O comercial é um reflexo do comportamento na vida real. Olha, do fundo do meu coração, eu teria muita vergonha de comprar com o cartão de crédito do meu marido, mais ainda de ultrapassar o limite de crédito e mais ainda de ir comunicar isso a ele miando de calcinha. Não, juro que não é moralismo nem feminismo, é RIDÍCULO mesmo, independente de questões culturais. É grotesco, é A Praça é Nossa. É medíocre, idiota, canastrão e mega-vergonha-alheia.

Daí em entrevista Gisele, que nunca foi uma mente brilhante, deu a pior das desculpas. Disse que quando a chamaram para fazer o comercial ela aceitou porque achou que fosse “uma brincadeira divertida”. Gente, ninguém duvida que o comercial é uma brincadeira, mas querer se safar alegando que “era brincadeirinha” não cola. Vê se alguém faz um comercial ofensivo a algum grupo e fica tudo bem porque diz que é brincadeira? Com algumas coisas não se brinca, não por serem sagradas, mas por ser brega, de mau gosto, por ser uma tentativa infantil e desesperada de chamar a atenção a qualquer preço. Imagina um negro fazendo comercial de desodorante e dizendo “Para mim tem que ser forte mesmo, porque vocês sabem, meu suor tem um cheiro horrível”. As demais pessoas com certeza condenariam, mesmo se ele explicitasse que era uma brincadeira.

Porque a Hope não faz inovações bacanas nas suas lingeries e chama a atenção das consumidoras com inovações bem vindas, como uma calcinha que combata celulite, um sutiã que aumente de tamanho com mecanismo que infla e desinfla ou uma maldita calcinha cor de pele que não seja broxante? Não tem. Então vamos chamar a atenção com Gisele ensinando a se safar de um surto de consumo na bucetada. Olha, meus parabéns pros publicitários que idealizaram esta bosta. Uma palavra para vocês: tutuntsss.

Além de ficar chateada em saber que o perfil médio da consumidora brasileira é o da mulher que acha válido gastar todo o dinheiro do marido e depois tentar compensar na bucetada, também me entristece perceber que isso é visto não apenas como normalidade, mas também como uma coisa espertona a se fazer. É bacanão você usar seu corpo para arrancar do seu marido mais dinheiro do que ele estava disposto a te dar. É o feminismo seletivo, o primo do católico não praticante. Na horas dos direitos, neguinho queima sutiã e bate no peito que quer direitos iguais, mas na hora do aperto todas viram mulezinha histerica que argumenta com a buceta. Odeio mulher que argumenta com a buceta, acho uma vergonha para a classe.

Olha, eu tô chegando a uma conclusão que venho amadurecendo desde que a Maria ganhou o BBB e a Joana Machado é a favorita da Fazenda: eu devo estar ficando velha e ultrapassada, porque na minha cabeça é tudo tão errado e reprovável enquanto que para a maior parte das pessoas é bacaníssima, que o problema deve estar comigo. Vai ver o novo pretinho básico é ganhar as coisas na bucetada. Vai ver que mostrar conteúdo está fora de moda. Alguém viu alguma dessas duas falar da profissão no reality? Se eu fosse a um reality (toc toc toc) ia falar de direito o tempo todo, dos direitos que as pessoas tem e não sabem, tipo um Em Direito Live.

Eu não acho aceitável (independente de qualquer passado) uma pessoa ir a um programa de TV que seu pai, sua mãe e seu avô estão vendo e tirar a calcinha na frente das câmeras e depois ficar se esfregando em um cara que conhece faz vinte dias e implorando para que ele a beije. Mas as pessoas acham bacaníssimo e me chamam de preconceituosa, assim como chamaram MauMau de um bando de coisas piores. “Ela ganhou porque fez tudo que tinha vontade, foi quem ela realmente é”. Olha, eu faço o que eu tenho vontade, mostro quem eu realmente sou e nunca tiraria a calcinha para o Brasil todo ver nem rastejaria na frente de todos aos pés de um Zé Ruela que eu acabei de conhecer. Vão todos à merda.

Eu não acho aceitável uma pessoa resolver as coisas no grito, xingar todo mundo para o Brasil ver, dizer que quer bater, matar, arrebentar, ficar lambendo o mamilo de um e o pescoço de outro, gritar que não vai dar, vai distribuir e ficar gritando que já ganhou muito carro e muito presente de homem na vida porque fez por merecer. Daí neguinho me chama de machista e me manda não julgar. ALOU? A pessoa que topa ir para um reality sabe que está se expondo a julgamento. “O que vocë tem com a vida pessoal dela? É vocë que namora com ela?”, não, mas tenho todo o direito de achar incorreto o que uma pessoa faz EM PÚBLICO. Assim como quem diz esta frase ficaria possesso se fosse SEU PARCEIRO protagonizando essas cenas. No cu dos outros é refresco, né? Mulher pode tudo agora. Só não pode pagar seu próprio cartão de crédito…

Agora esse comercial da Gisele veio para me consagarar como Mulher Obsoleta. Cabeças pensantes, descoladas, formadoras de opinião, estão todas achando lindo. Quando eu falo o que penso me olham como quem olha para um dinossauro ou para uma pessoa burra. Passo por preconceituosa, praticamente. Me sinto como aquelas idosinhas que começam frases críticas dizendo “No meu tempo…”.

Por mais que qualquer mulher já tenha pensado em se prevalecer de sua condição de mulher bonita para obter benefícios pecuniários junto ao marido ou de fato o tenha feito, até onde eu sei, ao menos se sabia que isto era vergonhoso. Agora não, agora é bacana. É aceitável. Joguem o cordão umbilical que eu quero subir de volta. Eu até começaria um longo discurso sobre como eu me sinto deslocada aqui e da minha vontade de voltar para Buenos Aires, mas não duvido nada que lá esteja a mesma merda. A globalização está cagando o mundo todo por igual.

Porra, é isso. Desculpa o desabafo mas eu acho esse comercial uma bosta, não por ser ofensivo à mulher e sim por ser ofensivo ao bom gosto, ao bom senso e ao discurso coerente de que mulher não deve depender de homem e não deve misturar sexo com dinheiro. Meu consolo? Eu sou mulher. Sou apenas um dinossauro ridicularizado pelas amigas moderninhas. Se eu fosse homem e tivesse que encarar esse tipo de mulher já estaria pensando em mudar de time.

Para confirmar que eu sou ultrapassada mesmo e que você já fez sexo várias vezes como forma de compensar dívidas pecuniárias, para dizer que as mulheres de hoje oscilam entre feminismo extremo e machismo extremo em questão de segundos ou ainda para dizer que tá cagando para o comercial e quer saber mais fofocas do Rock in Rio: sally@desfavor.com

QUEM VOCÊ TÁ CHAMANDO DE BARRAQUEIRA?Está tomando forma um novo conceito perigoso: o de que barraco é sinônimo de sinceridade e honestidade. Estou começando a notar um culto ao barraco, um perdão a qualquer bate-boca baixo nível sob a desculpa de que a pessoa que o protagonizou é sincera e fala tudo o que pensa. Pior: a pessoa que protagoniza o barraco está se tornando Intocável, principalmente se for mulher. Quem critica vira machista, escroto e censurador.

Bem, em primeiro lugar, falar tudo aquilo que se pensa não é sinceridade, é sincericídio. Principalmente quando existem outras pessoas presenciando o barraco. Quem barraqueia adora gritar “O problema é meu!”, mas se esquece que um barraco acaba interferindo na vida dos entes queridos que a cercam e muitas vezes até na sua profissão. Não ter maturidade e controle emocional de conter a língua, seja no modo de falar, seja no teor do que é dito, não é motivo para se orgulhar. Vejam bem, não quero aqui execrar quem o faz, todos nós somos seres humanos e em algum momento perdemos o controle, de uma forma ou de outra. Apenas quero dizer que me espanta como estão transformando o barraco em uma coisa boa.

A pessoa que faz um barraco ganha de brinde adjetivos como “muito sincera”, “muito verdadeira” e similares. Bem, eu sou muito sincera e muito verdadeira e não faço barraco. Não entendo de onde vem essa presunção. Para mim, quem faz barraco é muito descontrolado ou muito arrogante de achar que pode gritar com outra pessoa e não se prejudicar com isso, ou pior, que é foda o bastante para não se deixar prejudicar.

Mil desculpas, mas fazer um barraco é uma coisa feia. Acontece? Claro que acontece. Mas quando acontece o digno é sentir vergonha e arrependimento e não bater no peito e gritar “Falo mesmo!”. Barraco é algo vulgar, baixo nível, desnecessário e principalmente improdutivo. Você mostra ao outro o tamanho do desequilíbrio que ele provocou em você, dá provas cabais do quanto ele é importante e do quanto ele conseguiu te afetar. Fazendo barraco se dá poder a quem está discutindo com você. A pessoa percebe que teve o poder de te tirar do sério e, acredite, vai se divertir horrores com isso.

Uma pessoa acostumada a fazer barracos é um inconveniente ambulante. Ela tem o poder de fechar diversas portas não só para ela, como também para aqueles que andam com ela. Ainda assim, tem quem ande com a amiga barraqueira, porque será? Talvez porque ao andar do lado de uma barraqueira você acaba tendo a certeza que sobrará para você o papel de fina naquela dupla (ou trio, ou seja lá o que for). Talvez por comodidade, já que na ocorrência de qualquer imprevisto frustrante ou injusto você não vai precisar mover uma palha, porque a pessoa barraqueira vai quebrar o pau e acabar resolvendo a situação. Talvez porque algumas pessoas precisem de uma carga de violência (não no sentido de porrada) diária, é muito comum pessoas que cresceram em lares conturbados continuarem a procurar violência e conflitos em seus relacionamentos pessoais.

Enfim, existem inúmeros motivos pelos quais alguém escolhe andar com uma pessoa barraqueira, porém, acredito que todos eles orbitem em torno de um fator comum: é conveniente, por uma razão ou por outra. A pessoa barraqueira, coitada, é usada e parasitada sem nem ao menos sentir. Normal, afinal a pessoa barraqueira sempre tem uma falsa auto-estima elevada e se acha super amiga, super sincera, super legal e outros super alguma coisa. Quem se auto-elogia em voz alta com freqüência parece estar tentando se convencer do seu valor. Quem sabe seu valor não faz esse tipo de discurso.

Acredito que a pessoa barraqueira tenha uma baixíssima auto-estima. Só isso explica não ter o poder de se poupar de um barraco vexaminoso. Pois, quando alguém fala algo que de denigre e te desagrada, se você tem certeza de seu valor, não se aborrece até o ponto de perder a dignidade, gritando e xingando. O barraco é muito divertido de assistir, mas depois, não se enganem, todo mundo fala mal da pessoa barraqueira pelas costas. Ela vira motivo de chacota e de piada e tem o adjetivo “barraqueira” colado na testa para sempre. Esta será a referência que a denominará socialmente.

Atentem que eu não falo de casos pontuais, como por exemplo de uma pessoa que acordou em um dia de fúria e acabou brigando. Eu falo das pessoas que já tem um longo histórico de barracos. Por incrível que pareça, estas pessoas estão ganhando o status de Intocáveis, assim como os outros grupos dos quais já falei na postagem originária: negros, judeus, idosos, crianças, deficiente físicos e outros. Criticar uma pessoa barraqueira virou algo socialmente condenado e ato contínuo você provavelmente será acusado de inveja ou de ser apaixonado pela pessoa. Claro, a pessoa barraqueira é “tão maravilhosa” (suposta auto-estima falsamente elevada como mecanismo de defesa para uma real auto-estima baixa) que o único motivo pelo qual alguém pode estar falando mal dela é por inveja ou por ser apaixonado por ela. Chega a ser infantil, né?

Novamente repito para que não restem dúvidas: quer viver fazendo barraco? Beleza, a vida é sua. Não estou aqui dizendo que quem faz barraco tem que ser preso ou apanhar, estou dizendo que acho FEIO. Todos nós podemos protagonizar um barraco um dia. Só que quando acontece com pessoas educadas e seguras, elas sabem refletir e perceber que foi um ato vergonhoso e se policiar para nunca mais (ou nem tão cedo) repetir uma coisa tão feia. Porque as cabeças pensantes sabem que barraco acaba depondo contra o autor.

Claro que existem muitas cabeças não-pensantes (que infelizmente votam e fazem filhos, razão pela qual este país está uma merda) que acham que com um barraco darão uma bela lição em alguém: “Ele tá fudido, ele vai ver só o barraco que eu vou fazer!”. Gente, eu sinto muita pena quando escuto essa frase. Sabe aquela sensação de que a pessoa está muito perdida na vida? Dá vontade de pegar pelo braço e gritar “Minha Filha, seja lá quem for, não é tão importante assim para você se prestar a esse papel!”. Fazer um barraco é se humilhar muito, é fazer um papelão, é pagar de maluca descontrolada sem credibilidade.

Daí sempre tem uma pessoa burra que cai aqui com o mesmo argumento (três anos se passaram e ainda usam o mesmo argumento, haja paciência) dizendo “Ah é, queria ver se fosse com você! Você iria gostar se…” e repete o motivo que a levou a barraquear. Não, nem sei qual é o motivo, mas provavelmente eu não iria gostar. A questão é: existe um mundo de diferença entre não gostar e fazer um escândalo por não gostar. Uma coisa é não gostar, outra coisa é dar uma importância enorme e se ofender. Se tem uma coisa muito importante que eu aprendi ao longo dos anos com o Somir é como a gente se liberta quando para de se ofender com as coisas.

Não tem coisa mais brega do que se ofender. Levar a ferro e fogo, alimentar raiva, sofrer. Sério mesmo? Com isso você só consegue o que a pessoa queria. Ao declarar a pessoa como sua “inimiga” você dá um poder e uma importância enorme para ela. Não é inteligente cultivar esse tipo de sentimento, sem falar que é inútil e não faz bem. É preciso parar, respirar e refletir de onde vem essa necessidade, quase que compulsão, por estar sempre nessa postura bélica, sempre partindo para cima dos outros. De onde vem tanta raiva represada? Seria uma forma de canalizar uma angústia interna? Seria uma válvula de escape? Não importa, seja lá o que for pode e deve ser elaborada, sublimada ou qualquer que seja o termo que se queira usar.

Não consegue? Procure ajuda. Com ajuda profissional você consegue. Terapia, regressão, espiritismo, reza, macumba… não tenho preconceitos. O que quer que ajude a pessoa. Meu ceticismo aponta para a psicanálise como melhor caminho, mas isso é tão pessoal…

Infelizmente a sociedade está começando a recompensar quem faz barraco. Estamos involuindo. Agora é legal colocar o dedo na cara do outro e dizer “umas verdades” (porque a verdade daquela pessoa é sempre A verdade). É legal até a página dois. É legal quando a pessoa barraqueira coloca o dedo na cara de alguém que a gente não gosta, aí a gente delira e se sente de alma lavada, mas… e quando chegar a sua vez? E quando a barraqueira (ou uma barraqueira qualquer) der um show onde você é o alvo? Sério mesmo que as pessoas querem continuar batendo palmas para barraqueiras? Acho um total retrocesso recompensar falta de controle emocional.

Vai ver o mundo está tão entupido de gente falsa e mentirosa que hoje em dia as pessoas só tem certeza da sinceridade de alguém quando o interlocutor está fora de si quebrando um puta barraco, sem o controle emocional necessário para mentir. Será que é isso? Será que as pessoas só conseguem ver sinceridade no descontrole? Se for, é uma pena. Até porque, muita das vezes a pessoa barraqueira nem ao menos está sendo sincera, está dizendo coisas da boca para fora na hora da raiva, com as quais nem ao menos concorda.

Na minha opinião a pessoa que faz um barraco se suja toda de merda, da cabeça aos pés. Acho indigno, acho vergonhoso demais. Eu jamais ficaria ao lado de uma pessoa barraqueira, nem mesmo como amiga. Respinga em quem está próximo, sem contar que não tenho paciência para aturar alguém que, mais cedo ou mais tarde, vai vir de gritaria para cima de mim. Eu me amo muito para fazer isso comigo mesma. “Mas Sally, a pessoa pode ser barraqueira mas ser ótima amiga”. Sim, mas a pessoa também pode ser uma ótima amiga SEM SER barraqueira. Minhas amigas são todas ótimas amigas e jamais fariam um barraco.

Qualidades não compensam o fato da pessoa ser barraqueira. “Ah, mas é uma boa mãe”. Foda-se, existem boas mães que não são barraqueiras. “É uma boa namorada”. Mas pode ser uma boa namorada sem ser barraqueira. Aliás, vai desculpar mas eu DUVIDO e morro duvidando que uma barraqueira seja boa mãe ou boa namorada. As pessoas mais próximas são as que mais sofrem. Qualidade alguma justifica que você se sujeite ao convívio com uma pessoa que gera tanto conflito e briga. Já diria Meredith: Seriously? Conselho certeiro (cedo ou tarde, você vai me dar razão): isso não é vida. Nenhuma possível qualidade justifica viver ao lado de uma pessoa barraqueira. Pule fora assim que puder/conseguir.

O grande problema é que, geralmente, as pessoas que topam um relacionamento com uma pessoa barraqueira também são bem baqueadinhas e precisam desse tipo de coisa para complementar sua neurose ou para se sentir superior. Normalmente são pessoas também com auto-estima baixa, que acham (ainda que inconscientemente) não serem merecedoras de alguém “normal”, uma pessoa fina, educada e civilizada. Então, escolhem alguém “um pouco menos”, para se sentirem mais seguros. Uma pena.

Se essa palhaçada de camuflar barraco de sinceridade e honestidade continuar, não sei o que pode acontecer. Quando não era socialmente aceitável fazer barraco as pessoas barraqueiras já faziam aos montes, imagina agora que, aparentemente, haverão aplausos. Preocupante. Daí para começar a classificar quem não gosta de barraco como “fresco”, “mal amado”, “mal humorado” e similares é um pulo. Imagino que algumas pessoas estejam lendo este texto e pensando que eu sou uma baranga, pelo simples fato de dizer que acho indigno um barraco. E isso aí, sou uma baranga, invejosa e mal amada. Gente burra tenta ofender pensando em si mesma, naquilo que a ofenderia. Com isso não apenas não consegue ofender, como ainda expõe seu ponto fraco, permitindo que seja ofendida de volta com eficiência.

Fazer barraco é sim sinônimo de falta de educação. Se fosse um filho ou uma filha minha fazendo barraco para todo mundo ver eu morreria de vergonha e me sentiria incompetente como mãe. Fazer barraco é sim sinônimo de falta de postura e falta de preparo emocional. É BAIXARIA, indica que a pessoa é BAIXO NÍVEL. E gente baixo nível eu não quero nem para ser meu vizinho (*longo suspiro). Aliás, principalmente para isso. Vocês não sabem o inferno que é ter uma vizinha barraqueria.

É possível colocar limites nas pessoas sem fazer um barraco. É possível ser respeitado sem fazer um barraco. É possível qualquer merda sem barraco, o barraco não serve para nada, a não ser para queimar o filme de quem o faz.

Vamos parar de glorificar coisas erradas? Vamos parar de tirar onda com defeitos? Se você acha bonito dizer “Ontem bebi moooooito! Hahaha Nem me lembro como cheguei em casa” você é idiota. Se você acha bonito dizer “Falei Merrrmo, falei umas verdades na cara dele!”, você é idiota. Se você faz essas coisas, não quer parar ou não consegue parar e não procura ajuda, você é idiota.

GENTE BARRAQUEIRA É SIMPLESMENTE INSUPOSTÁVEL E INCONVIVÍVEL. O resto é romantização idiota.

Para tentar me ofender, para tentar usar o argumento “você gostaria que…” ou ainda para alegar que eu devo ser uma baranga, invejosa, mal amada e apaixonada por você: sally@desfavor.com

Ah, que saudade...Quando vejo pessoas discursando sobre como é bom ser criança e como a infância é a melhor época da vida, fico me perguntando que tipo de pessoa pensa assim. Sinceramente? Eu acho infância uma merda. Não estou falando da minha infância, estou falando do conceito geral de infância. Acho muito melhor ser adulto do que ser criança. E acho doentio quem pensa o contrário.

As pessoas adoram a infância porque nela não existe muita responsabilidade. Concordo parcialmente, porque hoje em dia crianças acabam tendo tantos compromissos quanto adultos: escola, natação, ballet, judô, inglês e sei lá mais o que. Tempo para brincar que é bom, sobra pouco. Mas, mesmo nos meus tempos de infância, onde havia menos obrigações, ser criança não compensava. É que as pessoas tem essa epilepsia mental de só ver um lado das coisas (seja ele o bom ou o ruim) e decretar uma opinião com base em um único lado.

Ok, as responsabilidades são menores. Mas qual é a conseqüência disso? O poder de tomar decisões também é menor. Sua autonomia também é menor. Sua voz vale muito pouco. Você se sujeita às normas impostas pelos adultos. Isso é uma merda completa. Fico assustada de pensar que as pessoas preferem uma época da vida onde obedecem a terceiros em troca de não ter responsabilidades. Abrir mão da liberdade só para não ter responsabilidades? Nem morta.

Fica aquele saudosismo, aquela memória utópica. Será que estas pessoas não lembram a merda que é precisar que outra pessoa te leve nos lugares quando você quer sair, depender da outra pessoa quando quer comprar alguma coisa ou ainda prevalecer a opinião da outra pessoa em caso de discordância? Talvez não. Porque talvez estas pessoas vivam esta mesma realidade hoje em dia, só que com o acréscimo do fator responsabilidade: precisam do cônjuge para ir aos lugares, para comprar coisas e sua voz não vale muito dentro de casa.

Porque é tão ruim ter responsabilidades? Porque ninguém pensa no pacote todo, na liberdade que você ganha quando vira adulto? Liberdade de fazer tudo do seu jeito, no seu tempo. Montar uma casa de acordo com o seu gosto, comer na hora que quer, o que quer e dormir quando tem vontade. Talvez porque as pessoas insistam em sair da casa dos pais para a casa do casal e sempre tenha essa liberdade limitada. Nunca experimentaram a delícia de morar sozinhos e saber que tudo pode ser do seu jeito, sem prestar satisfação a ninguém. Talvez porque mal ficam independentes fazem filho e não sabem o que é poder dormir até a hora que quiser.

Os adultos de hoje são um bando de crianças, que não cortaram o laço do cordão umbilical com os pais, apenas o transferiram ao cônjuge. O homem tem hora para chegar em casa, se não leva esporro da esposa, tal qual levaria da mamãe. A esposa não pode escolher a roupa que vai vestir porque o marido acha inadequado. O marido não pode comprar o brinquedo que quer, porque a esposa acha muito caro aquele carro novo ou aquele computador. A esposa não sai se o marido não a leva para passear e se ressente quando ele não o faz, como se ela dependesse dele para sair (é esposa ou é cachorro, que precisa que alguém leve para passear? Eu hein)

Justamente por manter estas características doentiamente infantilizadas, os adultos se ressentem de ter que cumprir obrigações. Tem obrigações mas não estão usufruindo do lado bom desta moeda, que é ter a liberdade que se ganha junto destas obrigações. Porque? Porque estabelecem um modelo de relacionamento neurótico, controlador e doentio onde o lado bom das obrigações vai sendo progressivamente suprimido. No começo todo mundo é legal, com o tempo começa a paunocuzação. Daí bate aquela saudade da infância, onde também tinha a paunocuzação, mas não tinha tanta responsabilidade.

Me diz como é que alguém pode achar boa uma época da vida onde precisavam limpar a sua bunda? Porque boa parte da infância a gente passa sem ter competência nem mesmo para limpar a bunda. Como pode ter saudades de uma época onde tinha que pedir permissão para mexer em boa parte das coisas da casa e nas comidas da cozinha? A única explicação que me vem à mente é que estas pessoas ainda cruzam com estas restrições na vida adulta, por isso não lhes faria diferença voltar à infância, não perderiam nada, já que não tem liberdade, apenas deixariam de ter responsabilidade.

Tem coisa mais medonha do que ter que pedir autorização para outra pessoa quando quer fazer determinada coisa? Quando eu era criança isso me chateava muito, me sentia ofendida em precisar pedir. Puta falta de confiança, estavam pensando o que? Que eu era débil mental e não tinha discernimento do que fazia? Mas, pelo visto, as pessoas não se incomodam tanto com isso, pois repetem o padrão nos relacionamentos. Pedem autorização para um monte de coisas. Porque existe uma diferença entre conversar sobre uma atitude com seu parceiro para verificar se isto o magoa (e ciente dos sentimentos dele, tomar a decisão que achar melhor) e pedir autorização. “Fulano(a) não deixa que eu faça tal coisa”. Essa frase me faz perder o respeito pelo autor. Eu compreendo algo como “Eu não vou fazer tal coisa porque vai magoar o Fulano e eu não quero magoá-lo” mas o “Fulano não deixa” eu acho caso de internação mesmo.

Eu sinceramente acredito que sentir falta da sua infância é um alerta para você rever sua vida hoje. Não é normal achar que era mais feliz quando criança do que agora. Nada, eu disse NADA, justifica abrir mão da sua liberdade, da sua autonomia e da sua individualidade. O dia que você negociar um deles, está assinando um contrato com a infelicidade.

Outro argumento que me tira do sério é gente dizendo que tinha tudo nas mãos quando era criança: a comida chegava prontinha na mesa, a roupa aparecia lavada, etc. É, pode ser. Mas você não escolhia QUAL comida chegava na mesa. Pelo menos EU não escolhia. Vai ver minha criação foi muito rígida para os padrões brasileiros. Se eu pedisse bife com batata frita todos os dias não era atendida. E algumas vezes tinha que comer o que não queria. Vocês tem alimentos traumáticos na memória? Aquele alimento que detestavam mas tinham que comer “porque faz bem” ou “porque tem criança passando fome no mundo” (naonde que isso é argumento?) ou simplesmente “porque eu sou sua mãe e estou mandando” (obra prima da psicologia infantil)? Eu tenho: espinafre. Eu era obrigada a comer espinafre mesmo detestando. E por causa disso eu torcia contra o Popeye, para mim ele era tipo um garoto propaganda daquela merda de espinafre. Prefiro mil vezes ter obrigações e escolher o que como e o que não como!

Acho que no fundo o que eu quero dizer é que ter responsabilidades não é bom apenas porque te dá liberdade. É bom porque te dá a dignidade de saber se virar sozinho, de se bastar. Mas quantos adultos hoje em dia podem dizer que se vira sozinhos e se bastam? Acredito que poucos. A maioria está acovardada acomodada em um relacionamento nem tão satisfatório cagada nas calças de medo de ficar sozinha. A maioria está fazendo da idade adulta sua segunda infância com normas de relacionamento que se assemelham à relação de pais com filhos, tolhendo a única coisa boa de ser adulto: ter autonomia e liberdade. Não façam isso. Não fiquem dando ordens e proibições a seus parceiros. Não é legal, não é saudável.

E gente que diz que criança é feliz porque tudo é lindo quando você é criança? “criança não tem que lidar com a maldade”. Meus amigos, se a maldade tivesse uma cara, ela seria de criança. Porque não tem raça mais má e filha da puta do que criança (pode me xingar, eu realmente não ligo). Não que seja 100% culpa deles, pois eles não tem discernimento para saber o tamanho do estrago que estão fazendo, mas fazem maldades sim. Principalmente com outras crianças.

Mundo de criança não é cor de rosa. Bullying é recente só no nome, porque maldade organizada no colégio existe desde sempre. E acredito que todos nós em algum momento passamos por isso. Pela sensação de rejeição, de humilhação. Todo mundo já foi vítima de bullying, só que tem uns e outros que por algum motivo acham que foram os únicos e justificam suas cagadas na vida por conta disso. Todos nós já passamos por bullying e foi duro, mas no final das contas superamos.

Eu acho que é pior ser vítima de bullying diariamente na escola quanto ser vítima de um chefe abusivo na vida adulta. Porque um chefe abusivo bem ou mal você pode mandar para a puta que pariu quando encontrar outro emprego. Já a escola… a criança não tem autonomia para trocar de escola quando quer. Sem contar que o adulto é mais articulado para falar, elaborar sentimentos e se defender. Grandesmerda ser criança.

Ainda tem os que argumentam que adultos tem uma série de compromissos chatos aos quais são obrigados a comparecer, enquanto que crianças não precisam passar por isso. O QUE? Criança vai onde o adulto vai, seja legal para ela ou não. Criança é forçada a ir. Criança tem que ir à igreja domingo de manhã (te amo Mãe, te amo Pai), tem que ir em restaurante, tem que ir a festa de família (te amo família em outro país), tem que ir a um monte de compromissos chatos, com o agravante de que não pode decidir a hora que chega, não pode decidir a hora que vai embora e não pode decidir faltar e dar uma desculpa qualquer.

Que necessidade é essa de ter alguém cuidando de você? Chega ao ponto de topar abrir mão da liberdade por causa disso? Não me entendam mal, ser cuidado e paparicado é uma delícia, todo mundo gosta. O problema ocorre quando isso se torna uma necessidade, a ponto da pessoa abrir mão de sua maior prerrogativa como adulto: a auto-determinação.

Resta descobrir porque tantas pessoas procuram relacionamentos onde acabam tendo que abrir mão de sua condição de adulto, para atender às ordens do seu cônjuge. Está cheio de casais assim por todos os lado. Gente que o namorado “não deixa” fazer tal coisa. Gente que leva esporro porque gastou o SEU dinheiro como quis. Gente que é cobrada por coisas que não lhes compete. Porque as pessoas insistem em retornar à condição de criança dependente nos relacionamentos? Seria isso um desejo de voltar à infância ou esse saudosismo da infância é que é determina a manutenção de relacionamentos infantilizados?

Não importa. O que importa é que ter menos responsabilidades na vida adulta fica ridículo, pega mal e é frustrante a longo prazo. Deixar escolhas de vida que deveriam ser suas nas mãos de terceiros custa caro, bem caro, no final das contas. Basta com essa ilusão que o melhor período da vida é a infância e que a gente é mais feliz quando não tem muitas responsabilidades. Só tem medo de responsabilidades quem não tem a capacidade de cumpri-las.

Será que eu sou a única que desde pequena não via a hora de crescer para poder decidir certas coisas sozinha? Só eu me irritava em receber ordens e não poder me determinar de acordo com a minha vontade? Precisar de alguém que faça suas coisas por você É UMA MERDA. Mas o povo acha que é bacana, que é bonito, que é “se dar bem”. “Me dei bem, Fulano faz tudo pra mim”. Não, se deu mal. Se deu malzão, porque agora você é escravo(a) do Fulano, quando ele for embora você está fodido e mal pago, porque além da dor do término ainda vai ter que reaprender a fazer suas coisas.

O que é melhor: ter menos responsabilidades e perder o poder de decisão sobre a sua vida ou ter mais responsabilidades mas poder decidir? Na minha opinião, quem fica com a primeira escolha tem sérios problemas.

Para me chamar de azeda e similares, para dizer que o retorno à infância é inevitável já que acabaremos sem dentes cagando em uma fralda ou ainda para dizer que não está nem aí para o que eu estou escrevendo hoje e só passou aqui para ver o Plantão feito pelo Somir: sally@desfavor.com

Raios!

O desfavor teve acesso a um material de valor histórico inestimável: Cópias de cartas datadas da época do descobrimento do Brasil. Várias delas assinadas por um ilustre desconhecido que assina como Tiago de Somir, aparentemente um dos tripulantes da esquadra de Pedro Álvares Cabral. Mas o que realmente chama a atenção é a transcrição de material criado por uma nativa chamada Sallerê. Todos os textos foram atualizados e/ou traduzidos na medida do possível para a divulgação.

TIAGO DE SOMIR

Vera Cruz, 29 de abril de 1500

Vossa Majestade,

Desta vez te trago uma informação em primeiríssima mão: Não somos o único povo civilizado nesta terra. Mas permita-me situar melhor este relato.

Peço perdão antecipadamente pela quantidade de opiniões expressadas nesta carta. Apesar de incumbido com a tarefa de apenas relatar fatos, acredito piamente que sem este contraponto aos devaneios de Pero e Capitão Cabral, Vossa Majestade possa ser induzida ao erro. Esta terra é amaldiçoada e nada de bom poderá brotar deste solo com a forma irresponsável que os líderes desta excursão tratam a colonização.

Depostos de defesas e mantimentos após o saque perpetrado pelos selvagens locais, fomos obrigados a desembarcar a grande maioria dos homens e começar nossa ocupação em solo veracruzense. Alimentos não são problema, praticamente todos os pés estão carregados de frutos curiosos, mas comestíveis. A caça, embora de pequeno porte, também abunda e mantém nossos homens alimentados. Perdemos apenas metade do vinho, o que mantém a maioria dos homens sob controle. O problema está no sumiço de todo o estoque de ópio.

A maioria dos usuários pertencia ao topo da hierarquia da tripulação, o que está nos causando sérios problemas de comando. O principal é o envio frequente de grupos de busca com o único propósito de recuperar os barris roubados. Curioso como aqueles seres atrasados sabiam exatamente quais eram nossos estoques mais valiosos.

Ainda preso pela manutenção de meu disfarce, não pude desobedecer o Capitão Cabral quando enviado selva adentro num desses grupos de busca. Nenhum havia retornado até o momento, e agora eu entendo os motivos.

Neste exato momento, escrevo esta carta em condições precárias, amarrado por uma corda rudimentar, porém resistente, dentro de uma das cabanas infestadas por insetos que os bestiais nativos julgam moradias. Sim, Majestade, sou refém dos selvagens. Peço para que releve o possível cheiro emanado por esta correspondência, consegui alguns pedaços de papel e uma pena, mas nenhuma tinta…

Mesmo ciente de minhas condições atuais, posso me julgar agraciado pela sorte se comparado com meus companheiros de grupo. Se suas almas estão com Deus, seus corpos ainda precisarão esperar a digestão dos nativos para voltar à terra. Estes animais praticam o canibalismo. Os grupos de busca anteriores tiveram o mesmo destino horrível, a julgar pela pilha de ossos ensanguentados e roupas em farrapos que orna a área comum desta tribo maldita.

Como eu fui poupado? Majestade pode ficar tranquila, não contei nenhum segredo estratégico e não cooperei de forma alguma com os selvagens. Até porque bastam poucos minutos com qualquer um dos beberrões no acampamento principal para saber até a cor das ceroulas de Capitão Cabral. Imagino que a barreira linguística seja a nossa maior proteção no momento.

Voltemos à emboscada: Algumas horas mata adentro, decidimos descansar numa das raras clareiras neste inferno verde. Enquanto os outros esticavam as pernas e discutiam sobre as vergonhas das nativas, senti o chamado da natureza. Nunca fui muito afeito a me aliviar na presença de outros, então decidi me aventurar um pouco mais pela selva em busca de privacidade.

Foi quando encontrei um lugar ideal. Uma árvore excepcionalmente grande que repousava sobre uma pequena nascente, que por sua vez desembocava num poço alguns metros à frente. A disposição de proteção, água corrente e um buraco me pareceu tão perfeita para fazer minhas necessidades que não pude evitar. Obrei lá mesmo. Enquanto estava de cócoras, pude notar alguns desenhos rústicos encravados na madeira de árvores adjacentes. Talvez os nativos também utilizassem este local como cagador, só o tédio explicaria tantos símbolos e representações de animais estranhos no mesmo lugar. Reconheci os seres ao olhar para cima. Animais peludos que se moviam de forma muito lenta pelos galhos. Como eles mal se moviam, não senti nenhuma ameaça.

Ainda ocupado, escutei alguns gritos. Pareciam meus colegas de jornada. Temi pelo pior, mais uma emboscada dos saqueadores. Fiz o que qualquer pessoa corajosa faria, Majestade, pensei em acudi-los. Infelizmente minhas entranhas resolveram desatar algum nó e não pude evitar de ficar mais alguns minutos resolvendo… meus negócios.

Enquanto esperava valorosamente pela chance de lutar pela minha pátria, pude escutar passos cada vez mais próximos e o distinto som da língua selvagem. Como planejava atacar de surpresa, fiquei imóvel, quase que paralisado, aguardando a passagem daqueles nativos. Já podia observá-los passando por mim, quando o senso acurado de olfato de um daqueles animais captou minha presença.

“Futum”, ou algo muito parecido, disse um deles. Os outros começaram a repetir o som e procurar ao seu redor. Quando um deles finalmente me notou, uma das maiores provas de hipocrisia que já vi até hoje. Aquele bando de desavergonhados, com suas lanças balançando livremente, agiu de forma absolutamente horrorizada ao me ver agachado, com as calças arriadas. Eles gritavam, choravam e se debatiam com a cena de um homem fazendo algo tão banal. Apontavam para a árvore, para os desenhos, para o alto. Berravam “Abá Aí, Abá Aí, Abá Aí!”.

Disse para eles que eu “abá” onde eu bem quisesse, e que eles não tinham moral nenhuma para me repreender. As minhas palavras não surtiram muito efeito. Aproveitando o choque deles, resolvi me limpar com aquela conveniente água. Não bastasse continuar me olhando, ainda fizeram mais estardalhaço. Um deles até desmaiou. Foi só quando me aproximei mais um pouco, já devidamente vestido, que um deles me amarrou e me carregou junto com os outros até sua aldeia.

Logo na chegada, já fui tratado de forma diferente. Conversavam aos berros, apontando para mim e imitando a posição característica de uma… obrada. Mais uma vez, repetiam “Abá Aí, Abá Aí…” O líder do grupo, facilmente notado pelo adorno exagerado de penas na cabeça, quase entrou em choque quando informado da história de minha captura. Dois selvagens precisaram segurá-lo para que ele não partisse para cima de mim. Incrível como os selvagens são ciumentos com seus cagadores. Sou mantido isolado ao ar livre durante mais algum tempo. Meus companheiros são despidos, banhados e presos a estacas fincadas no chão.

Os nativos ficam a me encarar por horas. Pude perceber que fui batizado como Futum. Devo ser importante para esse povo atrasado. No cair da noite, presencio um ritual dantesco: Começam a aparecer selvagens de todos os cantos e se aglomerar no centro da aldeia. Todos pintados com cores exageradas, adornados com uma infinidade de restos animais como penas, ossos e peles, e para piorar, sem nenhum senso de modéstia. Com toda a honestidade, Majestade, o hábito da nudez tem lá seus méritos em jovens nativas, mas nada… NADA compensa a visão dos corpos maltratados pelo tempo dos idosos locais chacoalhando suas vergonhas à plena vista.

E o chacoalhar é constante. Sem o menor senso musical, os nativos acreditam fazer música apenas tamborilando pedaços de madeira e gemendo de forma assustadora. Minha maior preocupação era enfrentar a morte sem nunca mais ouvir o doce som de um violino ou de um piano. Alheias ao horror dos sons, algumas jovens praticam uma dança extremamente vulgar, que consiste em simular gestos e posições típicas do momento da cópula. Algumas das rotinas fariam corar até mesmo uma cortesã parisiense.

Os nativos são de um mal gosto impressionante. Meu único alento é que nenhum povo civilizado pode manter tais hábitos durante muito tempo. Ainda não concordo com a colonização, mas reconheço que somos sua única chance.

Após algum tempo daquela pouca vergonha, finalmente o evento principal: O banquete. Como já mencionado, meus ex-companheiros estavam no menu. Assisti horrorizado homens, mulheres, adultos, crianças e idosos deglutindo carne humana como se fosse a mais saborosa iguaria disponível. Acompanhei-nos apenas porque fui obrigado. Repeti para não despertar suspeitas.

Com uma tinta mais digna de Vossa Majestade, continuo meu relato: Acreditei ter conquistado a confiança da tribo, mas foi durante a madrugada que entendi melhor o que ocorrera: Havia sido a bem afortunada vítima de um engano. Enquanto todos pareciam dormir, eu me mantive alerta dentro de minha prisão. Esperava por uma equipe de resgate e acredito que o João me deu um pouco de gases.

As folhas que me serviam como grades começaram a se mexer. Todos pareciam dormir, então presumi que seria uma visita daquela bela nativa que nos dera boas vindas na praia e que dançara de forma tão… sugestiva na cerimônia canibal horas antes. Vossa Majestade, eu percebi como ela me olhava, percebi como dizia “Futum” e sorria na minha direção. Fazia sentido. Fechei meus olhos e me preparei para beijá-la. Tudo em nome de boas relações diplomáticas, é claro.

“Cabrón? Cabrón?”. Para minha surpresa era uma voz masculina. Resolvi não abrir os olhos, não estava em posição de negociar. Um tapa nos meus lábios selou a intenção da visita. Um nativo familiar, o mesmo que liderou o grupo dos saqueadores dias atrás, estava frente a frente comigo. Com um gesto bem característico, mandou-me ficar em silêncio e começou a falar num improvisado, mas definitivamente surpreendente castelhano.

Seu nome era Urinã. Urinã Piá. Embora eu não seja totalmente versado no idioma espanhol, fui capaz de compreender boa parte da história. Urinã disse-me que aprendera a língua com um grupo de homens barbudos feito eu há muito tempo atrás. Pediu desculpas pelo saque, dizendo que eram apenas negócios. Perguntado sobre o motivo de minha captura sem intenções alimentícias, a resposta veio em tom sarcástico. Urinã tentava segurar o riso enquanto dizia que seu povo acreditava que aquela árvore era sagrada, e que os animais que viviam nela tinham uma importante função: Manter uma maldição sob controle.

Enquanto aquela árvore fosse adorada, a natureza se encarregaria de passar o fardo da letargia apenas para aqueles seres estranhos que havia avistado enquanto me aliviava. Evidente que como bom cristão, apenas ri daquela superstição boba. Um animal se sacrificar pelas pessoas? Que conceito estúpido!

Urinã também achava uma bobagem, mas foi direto ao mencionar que para os outros, a coisa era muito séria. Eu teria cometido um crime horrível ao utilizar a árvore e a nascente sagradas como cagador. Com medo de que todo o povo local se tornasse tão lerdo como o “Abá Aí”, o nome do bicho em questão na língua local, tentariam me sacrificar pela manhã. Mas Urinã poderia me salvar por um preço.

Preço que paguei com prazer. Não, Vossa Majestade, não prazer no sentido… De qualquer forma, o selvagem queria saber como fazer mais daquele pó marrom que roubara de nós. Percebendo que ele se referia ao ópio que procurávamos, expliquei que não daria para fazer mais, não aqui em Vera Cruz. Para a sorte dele, estavam usando de forma totalmente errada, bastou uma aula simples para perceber que os dois barris poderiam sustentar um usuário por anos a fio. Os olhos dele brilharam, como se estivesse formulando um plano infalível.

Troquei conhecimento pela liberdade. Urinã me escoltou até a praia do acampamento principal. Ao chegarmos, disse que tinha um presente para meu Capitão. Uma trouxinha com algumas gramas de ópio. Generoso.

Mas não me deixo enganar, esses selvagens jogam apenas pelas próprias regras. Ele me contou sobre a forma que os outros homens barbados, claramente os espanhóis, tratavam os nativos. Sem perdão. Instalavam-se e matavam qualquer um que não aceitasse a escravidão. E até mesmo os que aceitavam. Duvido que sua simpatia dure muito tempo. São eles ou nós, Majestade. Eles ou nós!

E da forma que estamos tratando esta ocupação, começo a entender os motivos deles. Daqui a nove meses já teremos nativos portugueses, se é que me faço claro. Se misturar com esse povo bárbaro não vai dar certo.

Do seu servo,
Tiago de Somir

Lerê, lerê...Ter uma empregada doméstica naqueles moldes tradicionais, vivendo na sua casa com você, é incorreto, desumano e escroto.

Comecei rasgando de propósito. Agora que já tenho a sua atenção (e sua raiva e revolta), vamos desenvolver o tema.

Uma empregada doméstica que resida na sua casa, em um quartinho micro nos fundos que muitas vezes nem janela tem e que te atenda 24h por dia não difere muito de escravidão. Só porque se paga um salário (que não é grandes coisa) e se aboliram as correntes, não quer dizer que seja correto e ético manter outro ser humano nessas condições. Para mim só tem um nome uma porra dessas: barbárie.

Uma pessoa cuja vida e rotina é cuidar dos bens de outras pessoas, quando ela própria não tem quase nada, não pode deixar de sentir ressentimento. Coloque-se no lugar dela. Você em uma casa onde as pessoas vivem com conforto tem que lavar, passar, cozinhar e arrumar para uma famílias, quando a SUA família está sozinha e não tem tanta mordomia. Como pedir que uma pessoa nessas condições não sinta inveja, ressentimento, revolta e outros sentimentos negativos?

“Mas a Fulana que trabalha aqui em casa já é da família, a gente trata ela como se fosse da família”. Vai desculpar mas eu duvido muito. Ela senta na mesa com toda a família para comer ou come na cozinha? Ocupa um quarto no mesmo setor da casa ou dorme em um micro-quarto na cozinha? Se bobear o cachorro da casa é mais bem tratado e dorme no seu quarto com ar condicionado enquanto ela tem que dormir em um quartinho dos fundos passando calor com um ventilador. Tratar com humanidade e educação é OBRIGAÇÃO, e não bondade de quem a trata como se fosse da família. Ela é mesmo da família? Ok, então quando a sua avó vai na sua casa, ela fica nas mesmas condições que a empregada?

Reparem que não falo da diarista que vai, faz seu serviço e vai embora viver a sua vida. Isto é uma prestação de serviços como qualquer outra, com uma jornada de trabalho com hora para começar e acabar que te permite ter uma vida pessoal em paralelo. Falo daquelas pessoas que ficam escravizadas em um cantinho da casa porque esta é a única forma que tem de ganhar dinheiro. Pessoas que passam uma semana longe de seus filhos para poder sustentá-los. Você acha bonito deixar uma pessoa longe dos filhos a maior parte de sua semana em nome do seu conforto? Eu acho abominante.

Sem contar o estranhamento que me causa que as pessoas se sujeitem a coabitar com alguém que bem ou mal é estranho. Uma pessoa com cultura costumes completamente diferentes esbarrando com você na sua casa. Só eu acho isso desconfortável? Pessoas pensam mil vezes antes de ir morar com o namorado ou com uma amiga com a qual vão dividir apartamento porque não sabem se vão se adaptar, mas não tem qualquer problema em enfiar uma pessoa estranha para trabalhar nos serviços domésticos. Talvez porque a empregada fique em condição de subordinação hierárquica trancada na senz… digo, na cozinha e te deva obediência. Fico constrangida só de me imaginar fazendo isso com alguém.

Talvez isso me choque porque no meu país de origem simplesmente não existe nada do tipo. Ninguém aceitaria ficar morando na casa de outra pessoa full time e atendendo-a full time. Talvez uma governanta em uma mansão de alguém muito rico. Mas jamais em um buraquinho na área de serviço de uma família classe média. Ter que servir café da manhã na hora em que o patrão acorda, não importa se são seis da manhã ou onze da manhã. Gente… escravidão foi abolida, ok?

Morro de vergonha desse tipo de coisa. Eu faço meu café da manhã na hora em que acordo e se estou na casa de alguém onde há uma empregada, faço do mesmo jeito, porque fico profundamente constrangida de ter outro ser humano à minha disposição me servindo. Sem contar que me bate um medo tremendo de me acostumar com essa mordomia (a gente se acostuma rápido ao que é cômodo) e depois virar um esforço para mim fazer coisas que julgo serem minhas obrigações pessoais e intransferíveis.

E gente que bota a empregada para lavar suas calcinhas e/ou cuecas? Não tem vergonha não? E gente que termina de comer, levanta e vai assistir televisão e nem tira o prato da mesa e o leva até a pia? Uma coisa é ter alguém que te AJUDE, outra é ter um escravo que faça tudo. E gente que a qualquer hora do dia ou da noite pede para a empregada cozinhar porque está com fome? Não consigo ver esse tipo de coisa, fico muito revoltada.

O mais legal é o auto-perdão com o qual as pessoas encaram esse tipo de exploração. Sim, a palavra é essa: EXPLORAÇÃO. Não é porque você está pagando que passa a ser justo que uma pessoa tenha que ficar morando na sua casa a semana toda te atendendo. Pode ter certeza que se a pessoa tivesse outra opção ela não estaria ali. Quem mantém uma empregada de segunda a sexta (ou até mesmo todos os dias da semana) a está tratando como um animal de estimação que lava e passa. Está privando-a de uma vida pessoal plena e de um convívio com sua família, se aproveitando do seu despreparo para o mercado de trabalho e da sua necessidade econômica. Muita vergonha alheia por quem faz isso e ainda acha que está fazendo um grande favor dando casa e emprego à pessoa.

Graças a esse tipo de aberração vemos famílias onde os filhos da patroa são criados pela empregada, já que a patroa faz filho mas sai de casa de manhã e só volta à noite, enquanto que os filhos da empregada estão sendo criados pela televisão ou pela rua. Muitas vezes o filho mais velho da empregada (nove, dez anos) tem a responsabilidade de cuidar dos seus (muitos) irmãos mais novos. Daí não sabem porque estas crianças em sua maioria acabam mal, metidas em crimes, drogas e outras merdas. Acabam assim porque VOCÊ prendeu a mãe deles na sua casa, não com as tradicionais correntes dos escravos, mas com as novas correntes do século XXI, o DINHEIRO. E você, você mesmo que fez isso, critica quando um dos filhos dela é mostrado tomando um flagrante de prisão por portar drogas na TV, dizendo que “vagabundo tem que prender mesmo” ou que “Não tem que deixar na rua não, tem que prender, vai que vende drogas para o meu filho”.

O que as pessoas não pensam, no seu egoísmo idiota, é que amanhã ou depois o filho desta empregada que mantiveram em cárcere privado em troca de dinheiro pode estar colocando uma arma na cabeça do seu filho. Valeu todo esse conforto de ter alguém preparando suas torradas e seu café de manhã? Se todos os brasileiros pudessem cuidar dos filhos de perto, talvez o país fosse menos merda. Se todos os brasileiros ganhassem o suficiente para não ter que se sujeitar a esse tipo de emprego, talvez o país fosse mais decente.

Daí um dia a empregada faz a limpa na casa e foge. A patroa fica pau da vida, quer até matar. Corre para a delegacia injuriada chamando a empregada de ingrata. Ok, eu não defendo roubo (furto, no caso), mas porra, você achou o que? Que a pessoa vendo os filhos andando com sapato furado porque não tem dinheiro para comprar um par de sapatos novos ia se conformar em ver seus filhos com dez pares de sapatos, entubar tudo isso e continuando a limpar os dez pares de sapatos dos seus filhos? Uma pessoa que passa necessidades, uma pessoa que está endividada, uma pessoa que não pode atender aos pedidos dos filhos, fica em um estado de desilusão e desespero que a faz esquecer facilmente o limite entre o certo e o errado. É certo roubar? NÃO, mas porra, é muito previsível que acabe acontecendo em uma situação como essa. E ainda assim, as pessoas preferem correr o risco em troca de uma escrava pessoal.

Empregada doméstica que resida com os patrões fere a dignidade da pessoa humana e deveria ser considerado ilegal. Quem já tem uma empregada residindo consigo, beleza, não vai jogar a criatura no olho da rua que a lei não está aí para ferrar com as pessoas. Mas, DAQUI PRA FRENTE (Lei do Ventre Livre II), isso não deveria mais ser permitido. Empregada doméstica tem que cumprir jornada de oito horas como qualquer outra profissão e se o patrão quiser alguma coisa fora dessas oito horas ele que levante a bunda da cadeira e faça sozinho. Ou então, que pague três empregadas diferentes para se revezar em turnos de modo a estar sempre sendo atendido. O que não pode é colocar um único ser humano para atender outro ser humano full time, porque mesmo pagando, isto é sim ESCRAVIDÃO. Mesmo que não se façam pedidos full time, só o fato de deixar a pessoa de prontidão full time é cruel.

Muito me admira que as pessoas não apresentem nenhum tipo de estranhamento e continuem achando isso normal. São as mesmas que reclamam horrores dos seus chefes quando estes as obrigam a fazer hora-extra. Dois pesos e duas medidas parece ser a especialidade do brasileiro. Quando enfiam meia trolha no seu rabo dói e é um escândalo, quando você enfia uma trolha inteira no rabo de outra pessoa é frescura se ela gritar.

E quando a empregada vai envelhecendo e continua tendo que executar os serviços domésticos? Mesmo com dificuldade, continua sendo exigido que ela faça trabalhos braçais. Qual opção ela tem, já que passou a vida toda enfurnada naquela casa e não teve outra oportunidade? Nenhuma, a não ser continuar fazendo um trabalho braçal quando o corpo pede descanso. Ou então pior ainda, quando já não pode desempenhar todas as suas funções, periga de ir parar no olho da rua, em uma idade onde dificilmente terá acesso ao mercado de trabalho.

Pessoas que fazem isso com outros seres humanos não se sentem mal? Engraçado, são as mesmas pessoas que morrem de pena de um cachorrinho abandonado na rua e que resgatam gatinhos xexelentos. E se acham super boas pessoas. Uma novidade para vocês: não são. Sujeitar um ser humano a te servir 24h por dia, mesmo pagando, é escravidão, goste você ou não. Infelizmente nosso ordenamento jurídico não evoluiu ao ponto de dar respaldo ao meu argumento, também, pudera, quem faz e aplica as leis é quem adora ter uma escrava servindo 24h por dia.

No final das contas, não sei o que é mais bizarro: não ter o constrangimento e vergonha de fazer isso com outro ser humano ou não sentir estranhamento por ter uma pessoa estranha vivendo debaixo do seu teto, com todas as implicações que isto pode gerar, desde não poder andar pelado dentro de casa até ter esta pessoa educando e cuidando dos seus filhos. Pelo visto o conforto está acima de tudo. Tudo MESMO.

Não sou idiota de achar que uma pessoa nos dias de hoje pode dar conta de ter uma casa limpa e arrumada e trabalhar de forma satisfatória. Um pouco de ajuda não faz mal e não fere a dignidade de ninguém. Como eu já disse, uma diarista com uma jornada de oito horas uma ou duas vezes na semana é bom para ambas as partes. Não estou mandando ninguém aqui ser super-mulher. Apenas seres humanos razoáveis.

O grande problema é que quando não parte da pessoa, espontaneamente, sentir constrangimento por esse tipo de escravização, dificilmente um argumento externo terá resultado. Se a pessoa não tem uma trava que separe o certo do errado, o digno do não digno, o aceitável do inaceitável, não serão estas quatro páginas que vão fazê-la mudar de idéia. Muito mais fácil achar que eu sou maluca/escrota/histérica ou qualquer um dos demais adjetivos que costumam me chamar do que refletir e tentar perceber o absurdo da situação.

Podem continuar se enganando, achando que sua empregada-escrava é feliz nesse esquema, que você faz a ela um favor, que esse modelo de trabalho é perfeitamente normal e que você não fodeu com a vida dela. Mas não venha tentar enganar outras pessoas, porque não cola. Se você mantém uma empregada nessas condições você é uma pessoa horrível que se assemelha a um senhor feudal, a um senhor de escravos que, além de cagar e andar para o outro ser humano, ainda é um inútil por não saber ou não querer fazer tarefas básicas que pessoas com um pingo de vergonha na cara jamais delegariam.

“Mas Sally…”. Não, hoje não tem “Mas Sally”, hoje não tem argumento. Não consigo nem começar a conversar com quem pensa diferente.

Para dizer que é por essas e outras que ficam me chamando de comunista, para tirar tudo do contexto e provar ser analfabeto funcional me criticando porque eu sou contra qualquer tipo de serviço doméstico e para dizer que descolado mesmo é quem usa serviços de Personal Dish Washer: sally@desfavor.com