Flertando com o desastre: Homem branco.

Recentemente Sally me mandou o link de uma notícia que era um desfavor, mas acabou não ganhando a disputa semanal pela imortalidade desfavorável. (Jeito enrolado de dizer que outra notícia virou Desfavor da Semana…)

Resumindo: Criou-se um desconforto para o Microsoft após alguns internautas perceberem um erro (ridículo) na montagem de uma foto promocional no website polonês da empresa. Na foto original, um homem negro sentava-se à mesa com um uma mulher branca e um homem asiático. Na alteração polonesa, o homem negro deu lugar para um rosto mais… caucasiano. O problema foi que esqueceram que as mãos tem esse péssimo hábito de imitar a cor do rosto de uma pessoa.

Virou piada, virou motivo de indignação, virou denúncia de racismo! (Proibir o direito do modelo negro de aparecer numa foto cujos direitos foram cedidos para modificação à vontade do usuário?)

Nos últimos tempos: Descobriram o elo-perdido, fotografaram um átomo, criaram uma modificação genética sem precedentes numa bactéria, conseguiram fazer a melhor vacina contra a Aids até hoje… Mas ninguém vê essas notícias sobre assuntos muito mais interessantes pipocando pelos blogs, vê? Só em alguns especializados e olhe lá. O povo quer bobagem, preconceito e drama fútil. Bobagens como essas ganham muito mais mídia do que o necessário.

O quê? Você acha que tem preconceito racial num caso como esse da modificação da foto para trocar a etnia do “modelo”?

Pois bem, o que os defensores do politicamente correto chamam de preconceito, a publicidade e o marketing chamam de SABER PARA QUEM DIABOS VOCÊ ESTÁ VENDENDO O SEU PRODUTO. Ficou claro? Não se preocupem, assim como a Microsoft, eu vou clarear a idéia. (Péssima, admito…)

Hoje em dia toda foto publicitária é formada pelos “Power Rangers”: Um branco, um negro, um oriental, uma mulher… O importante é demonstrar que não se esqueceu nenhum grupo étnico ou gênero na imagem da sua empresa. Isso até pode ter sua lógica demográfica nos EUA ou no Brasil, verdadeiros festivais de miscigenação racial, mas… na Polônia? 98% da população é de descendência polonesa! Isso quer dizer que a variação de cores entre as pessoas daquele país vai de branco demais até muito branco.

Se você tirar uma foto aleatória por lá, quase certeza que só saem pessoas brancas na imagem. Uma foto demonstrando um grupo de executivos poloneses tende a ter variação racial? A realidade não importa, a empresa acusada acabou tendo que pedir desculpas públicas por criar um Michael Jackson polonês.

Imagine só defender algo lógico e óbvio como ligar a propaganda de um produto com as pessoas que vão comprá-lo… Mas isso parece óbvio demais. Até mesmo muito light para um Flertando com o Desastre escrito por mim.

Vamos voltar para nossa pátria miscigenada. Pela composição da população brasileira, deveriam ter negros e mulatos em praticamente todas as imagens publicitárias disponíveis, não? Mas nós sabemos que só recentemente começaram a aparecer os primeiros garotos propagandas com a pele mais escura… Será que estamos vencendo o preconceito?

Eu não apostaria nisso. Para quem não sabe, a publicidade basicamente te diz que você não é bom o bastante enquanto não adquirir um produto ou serviço. E é por isso que funciona faz tempo. Esqueçam a idéia de que estão te vendendo alguma vantagem, isso não vende nem aqui nem na China. Uma boa propaganda te vende a idéia de que você é um otário que não está aproveitando a vida direito, e ela te mostra uma solução para o seu problema.

Sim, caros desfavores, publicidade é vender soluções para problemas que você não sabia que tinha. Se não acreditam em mim, comecem a prestar mais atenção nas milhares de mensagens do tipo que te bombardeiam a cada dia. A Coca-cola te vende uma sede que você não tem, a Glade te vende a idéia de que seu filho quer cagar na casa do Pedrinho porque o seu banheiro fede, a Visa te vende um cartão de crédito para pagar suas dívidas! A lista vai longe, já que é o padrão.

Sendo fórmula de sucesso comprovada, a tática de vender problemas depende de um fator muito humano: Ninguém quer se destacar ficando para trás do bando. Uma pessoa satisfeita com a vida gasta muito pouco, uma pessoa insegura compra tudo o que vê pela frente. Gezuiz! Conseguiram empurrar um sabão especial para “higiene íntima” para cima das mulheres… A publicidade entra na casa delas, diz que a buceta delas fede até se elas tomarem banhos regulares, e ainda consegue vender um produto! Conseguem vender pílulas para o crescimento do pênis para homens estúpidos que acham que seus órgãos medianos são minúsculos… Esse desfavor de mentalidade é mais presente nas fêmeas de nossa espécie, mas homens não ficam muito atrás. (Carrão, né? Sei…)

Faça uma pessoa se sentir desgarrada do bando e ela COMPRA o que for necessário para voltar para a zona de segurança. Deve ser ranço dos tempos onde vivíamos nas cavernas. Sair do grupo significava a morte.

E como fazemos para que uma pessoa normal se sinta desconfortável com a vida que leva?

Mostrando pessoas com as quais ela se identifica numa situação melhor. Esse é o motivo de toda aquela história de pesquisa de público-alvo. Se a empresa não souber de quem vai tirar a auto-estima, não vai conseguir lucrar nada.

Imaginemos então, que aqui mesmo no Brasil, uma empresa de software precise vender um de seus produtos, um programa de finanças para pessoas de todo o país. A empresa precisa de uma foto para seu banner de internet. Ela vai ter mais retorno com os “Power Rangers” ou com pessoas mais ou menos do mesmo grupo étnico?

Para isso, pesquisamos. Vou mostrar um exemplo ABSURDAMENTE simplificado, mas é para passar a idéia geral. Sabemos que o preço do software restringe a compra para pessoas que tem uma renda de pelo menos R$ 2.000,00 por mês. Sabemos que por pesquisas anteriores, homens ganham mais que mulheres e representam 90% dos compradores destes produtos. Sabemos também, por uma pesquisa do IBGE, que a média de renda de pessoas brancas bate com esse valor. A média das pessoas negras e pardas passa longe desse total. O público-alvo do produto é composto de homens brancos, pela média.

Solução simples: Coloque apenas homens brancos na foto. Homens brancos muito bem vestidos e com toda aquela aura de sucesso que ajuda a vender um software de finanças pessoais. O problema que o cliente não sabia que tinha era a organização de seu dinheiro. Se ele quer ser bem sucedido como os homens brancos da propaganda, ele vai ter que gastar e adquirir esse novo produto. A identificação com pessoas parecidas encurta o tempo necessário para uma pessoa cair nessa armadilha.

Problema novo: Os concorrentes estão usando as fotos miscigenadas para não serem chamados de preconceituosos.

Já que todo mundo entrou nessa, não dá para evitar. É bom chamar alguma pessoa “diferente” para compor a cena. (Olha o preconceito aí gente!) Essa pessoa diferente poderia ser de qualquer outra cor ou etnia, mas tem que ser “diferente” mesmo. (Olha o preconceito ficando pior!) Um homem negro é contraste o suficiente. (A campanha é para vender sucesso, e o elemento de contraste é um homem negro! Não está na cara?)

A foto final é produzida. Agora temos inclusão social?

A pesquisa continua dizendo que negros e pardos ganham METADE do que ganham os brancos. É claro que é uma sacanagem essa desproporcionalidade, mas qual a função prática dessa inclusão arbitrária?

Empresas existem por um motivo, e apenas um motivo: Lucro. Toda essa história de sustentabilidade e responsabilidade social são formas de ganhar mais dinheiro. Valorizando a marca e ganhando cortes no pagamento de impostos. A entidade empresa só serve para gastar pouco para ganhar muito. É uma palhaçada jogar para cima das empresas o fardo de equilibrar um jogo social desequilibrado por séculos de exploração que a própria sociedade incentivava.

Sinto informar, mas: Negros e pardos aparecem tão pouco em propagandas de produtos de alto custo e em manifestações fictícias da alta sociedade pela simples falta de números expressivos. As coisas já foram BEM piores, mas ainda falta muito para termos algo minimamente justo pelos tantos anos de exploração institucionalizada.

Se o dinheiro está nas mãos dos homens brancos, quem está atrás de dinheiro vai falar com eles. A sociedade tem que mudar, não uma representação fantasiosa da mesma cujo objetivo é enganar as pessoas.

A publicidade NÃO está aí para corrigir isso. Se deixar na mão deles, vamos ter uma versão absurda da realidade representada e nenhuma solução apresentada. É assim que funciona. É assim que se vende e lucra.

Não me engana que eu não gosto. Fotos “Power Rangers” são o preconceito em pessoa(s) dependendo do segmento de mercado que pretendem representar. Eu acho repulsivo usar a imagem de uma pessoa negra para “equilibrar” uma cena onde só aparecem pessoas que deveriam causa inveja em quem a observa.

“Investir em educação e geração de empregos dá muito trabalho. Vamos culpar quem está ganhando dinheiro, vamos culpar os homens brancos de fotos publicitárias. É mais fácil.”

Para dizer que eu só falei isso por ser um homem branco, para dizer que o verdadeiro crime é a montagem horrível (e eu concordo), ou mesmo para reclamar que prefere bobagem, preconceito e drama fútil: somir@desfavor.com

Se você encontrou algum erro na postagem, selecione o pedaço e digite Ctrl+Enter para nos avisar.

Comments (15)

  • Linda,
    escute os ensinamentos de chaves, rs
    é sério!!!!
    ''as pessoas se deixam levar pelas aparências'', pq será que um grande número de pessoas comparam macacos a negros?? Eu acho um disparate, os macacos não tem cotas raciais, ação afirmativa, movimento negro, politicamente correto e ETECÉTERA que os defendam… to errado??
    pegue um macaco e passe máquina zero na sua pelagem, o que parecerá???rs
    Chegamos a um ponto de protecionismo ao POOOBRE COITADO, ''INJUSTIÇADO'' NEGRO tão absurdo que este tipo de discussão torna-se cada vez mais corriqueira.
    Veja os nipodescendentes, EXTREMAMENTE DISCRIMINADOS em nosso país, é pinto pequeno pra lá, escárnio, japa, japonês, japinha, pikashu nosso LIIIINDOOO E EDUCADÍSSIMOO POLVOO é tão inteligente, mas tão inteligente que não ''entende'' que RACISMO não é exclusividade de PRETO.
    E olha que os ''japas'' brasileiros vieram bem debaixo, de outra raça e conquistaram respeito de pessoas como eu, posição social elevada e educação, pq os coiiitaaados dos negros não???????

  • O fato de precisar ter um crioulo nas fotos mostra preconceito institucionalizado. Daqui a pouco país que não tem negros vai ser chamado de racista e vai ter que importar pretos

  • Letícia, eu publiquei sim para dizer uma coisa: A graça do "elo perdido" não é provar a evolução, já estava provada faz tempo. A diversão de usar esse termo é JUSTAMENTE enfiar a trolha nos criacionistas e tipinhos do gênero dizendo que NEM ISSO mais eles tem.

    Pessoalmente, eu acho divertido.
    Mas entendi o seu ponto.

  • Manda essa Leticia ir ler outro blog sobre os elos perdidos que ela faz tanta questão, é muito dificil acompanhar esses seus textos Somir, principalmente os da coluna Desfavor explica, eu sinceramente não comecei a ler o blog por causa desses textos, agora vejo com bons olhos e nem te acho tão do mal assim.

    Sobre o tema, eu sempre sou a primeira a achar que esse tipo de coisa é preconceito, a primeira impressão que passa é isso, eu realmente não entendo nada de propaganda e até a pouco não sabia sua real finalidade, mas agora consegui entender seu ponto de vista.

  • Eu realmente entendo o que vc disse, e acho tb que fica impraticável usar somente termos corretos.

    É que eu tenho ranso deste termo, por ser muito usado pelos criacionistas pra deturpar a evolução, e a imprensa -pra piorar a situação- aderiu a ele de uma forma massiva, popularizando o termo.

    Anyway, chatice pura.

    (nem publica pra não bagunçar os comentários)

  • Letícia, embora suas intenções sejam nobres, não é praticável abolir (ou explicar detalhadamente) "simplificações científicas" num texto para o público geral.

    Até porque eu devo usar várias sem saber que estou usando.

    Talvez pela minha abordagem entusiasmada em prol da ciência, eu não vejo o absurdo da expressão da mesma forma que você. É um atalho para o interesse de muita gente, e eu acho isso muito útil.

    Uma batalha de cada vez…
    Já é um avanço incrível que não fiquem mais reclamando que textos sobre esses assuntos são chatos.

    Não se acanhe de apontar e explicar nos comentários quando sentir que uma dessas simplificações forem feitas. É sempre muito bem-vindo. Muitas vezes não cabe no que eu escrevo, hoje não caberia, por exemplo.

  • Eu gosto de “Power Rangers” principalmente na música as Spice Girls, Pussycat Dolls. Tem coisa mais gostosa?
    :D

  • Somir, eu tenho certeza que vc sabe que é absurdamente errado se falar em 'elo perdido'.
    Este termo passa uma idéia completamente errada sobre a evolução, coisa que as pessoas já não entendem direito.

    É eu sei que é chatice pura, mas eu li o texto todo com a palavra 'elo perdido' ecoando na minha cabeça.

  • Paulo César Nascimento

    Melhor post do Somir até hoje. O Desfavor fica menos desfavor (troll) quando a Sally fala de Direito ou quando o Somir fala de publicidade, mas compensa. Abs

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: