Des Contos: O barato sai caro.

SEMANA DOS FRACOS: Na conclusão da semana comemorativa para o Dia dos Fracos aqui na RID, trazemos as últimas cartas enviadas por Somirberg, após o fim da Segunda Guerra Mundial.

AGOSTO DE 1945

Sorte que os aliados ganharam… Imagina só quem seriam as maiores vítimas da Guerra depois daquelas duas bombas? Eu acho bobagem, mas Sallilah jura que sentiu uma tremidinha quando a última detonou. Eu disse que ela estava pegando os tremeliques do ex-Führer. Ela fez pouco, mas anda desinfetando até cadeira antes de sentar.

Mas mexer com a cabeça dela não é alento o suficiente para validar uma estadia muito maior aqui no Suriname. Agora que o nazismo perdeu, todo mundo por aqui no continente anda dizendo que sempre foi contra. Faz me rir. Não duvido que em pouco tempo metade dessas republiquetas acabem controladas por ditadores sanguinários e culpando comunistas por tudo. Bom, pelo menos dessa vez não vai cair nas nossas costas.

A parte natural até que é bem aprazível. Com uma bebida gelada e um nativo abanando, temos alguns momentos bons. Mas o que sobra em raios solares falta em infraestrutura. Mal posso esperar até que os nossos comecem a chegar e injetar o capital necessário para fazer tudo acontecer.

Os locais trabalham duro por qualquer trocado, portanto, não se preocupem com a mão-de-obra. Um empecilho é a distância dessas terras de qualquer civilização mais populosa. Pensei em encomendar alguns nativos do país logo abaixo, o Brasil. Montamos uns campos baratinhos e concentramos os trabalhadores perto de onde eles vão ser necessários.

Mas, perdão, estou avançando a ordem das coisas. Precisamos subornar várias das lideranças locais para adquirir o território inicial, mas assim que estivermos unidos por aqui, é só ir anexando mais terras e declarar um governo central. Vão fazer o quê? Declarar guerra contra os judeus? Este é o momento psicológico perfeito!

Não estou querendo apressar demais as coisas, mas seria de grande valia começar a operação “Diáspora Tropical” nas próximas semanas. Os “mimos” que trouxemos podem sustentar as promessas que fizemos aos locais por algum tempo, mas creio que as coisas podem sair de controle se demorar demais.

Estou mandando junto uma tabela com os custos básicos para cada família judia que vier para cá. Promoção para os primeiros. Eu adoraria não cobrar, mas ficamos de mãos atadas com os custos inerentes a uma operação tão grandiosa.

Aguardo resposta.

SETEMBRO DE 1945

Estou mandando de volta minha contra-proposta.

OUTUBRO DE 1945

Vocês estão querendo arrancar meu couro? Escapei da perseguição nazista para passar fome aqui no Suriname? Vocês não vivenciaram o drama dos guetos, dos campos de concentração ou das execuções em massa! Como ousam me oferecer tão pouco?

Contra-contra-contra-proposta adicionada.

NOVEMBRO DE 1945

O fato de nós termos vivido infiltrados no Partido Nazista com todas as mordomias de assessores de confiança de Hitler não nos torna menos judeus! Meus antepassados estão se revirando nos seus túmulos com uma proposta tão baixa!

Última chance, o valor que estou propondo mal cobre os custos. Pegar ou largar!

DEZEMBRO DE 1945

Bando de judeus! Tomara que suas bundas congelem enquanto eu, Sallilah e Hitler aproveitamos o sol surinamês. As suas ofertas são humilhantes e uma afronta a tudo em que acredito!

Parcelo no máximo em três vezes. Oferta final.

JANEIRO DE 1946

Claro que não nos livramos de Hitler. Ele já está tão fora de si que mal lembramos que ele existe. Contratei duas nativas para cuidar dele. Eu chamo isso de investimento. Estou escrevendo um livro com suas memórias, já salvei o bigode numa caixinha e pretendo vender os direitos de sua execução.

E não adiantou abafar, já fiquei sabendo que a Organização Zionista Mundial está planejando despejar nosso povo na Palestina Britânica. Boa sorte com isso! Já li que estão botando judeus até mesmo em prisões coletivas… Vocês estão negociando sem ter uma alternativa viável.

Volto ao meu preço original.

MAIO DE 1946

Talvez vocês não tenham recebido minha última correspondência. Mas vocês estão com sorte.

Eu e meu grande coração… Motivado apenas pelo meu amor pelo meu povo, decidi oferecer uma oportunidade imperdível. Mandem esses valores para todas as famílias que conseguirem. Não adianta nada ter um Estado Judeu sem judeus. Com um preço desses, só não vem quem não quer. E como eu sei que os britânicos estão cada vez mais irritados com os nossos, todos ganham vindo para cá, certo?

Sem ressentimentos!

JUNHO DE 1946

Correndo o risco de parecer impaciente, preciso de uma resposta para minha última oferta. Os locais estão um pouco agitados com nossa presença. Alguns dizem que somos exploradores e que nossas fábricas de carvão estão poluindo os pulmões de suas crianças. Adolf teve um acesso de lucidez e decidiu fazer sua própria barba, retomando o visual que o fez tão famoso recentemente. Isso pode ter insuflado um pouco os ânimos por aqui.

Não ajudou também quando Sallilah apareceu coberta de joias para saudar alguns locais que reclamavam da falta de mantimentos para a criadagem em nossa colônia. Tenho a impressão que já estão procurando pelos baús com… lembranças… que trouxemos da Europa.

Estamos oferecendo, por tempo limitado, isenção total de custos para famílias que trouxerem homens com treinamento militar. Temos uma certa urgência nisso.

SETEMBRO DE 1947

Espero que vocês estejam contentes por ter abandonado dois heróis de guerra! Escrevo não mais do Suriname, mas da Argentina. Tivemos que fugir num submarino sucateado, carregado de… lembranças… e aquele maldito nazista gagá. Já estou aqui há quase um ano e minhas pernas ainda doem pelo tempo que fui obrigado a ficar espremido entre dois baús extremamente pesados.

Sallilah quase morreu esmagada por um dos caixotes, mas isso não passa nem perto de ser o pior: Tivemos que deixar quase tudo que tínhamos para trás na fuga. Os surinameses finalmente se revoltaram, e sem apoio nenhum, não tivemos outra opção. É incrível como as pessoas tem mania de nos perseguir!

As terras já foram retomadas pelo governo e aqueles animais irracionais devem estar estragando todas as… lembranças… que deixamos. Na noite da revolta, pude testemunhar com meus próprios olhos um dos infantes selvagens rabiscando sobre o original de Mona Lisa, ele havia descoberto o esconderijo! Fiz o que qualquer pessoa razoável faria: Apliquei uma dose do soro do esquecimento que roubei de Menghele. Precisava mantê-lo calado.

Infelizmente, o soro tem um péssimo efeito colateral: Parada cardíaca. E por puro antissemitismo, os outros resolveram que iam nos linchar. Só tivemos tempo de encher o compartimento de carga de um submarino antes das coisas saírem totalmente de controle.

Por sorte, a Argentina não é tão ruim assim. Posso entender porque tantos outros oficiais nazistas fizeram esse caminho. Procuramos outros judeus para nos acomodar, mas acabamos ficando mesmo no apartamento de um oficial disfarçado, afinal, com Adolf a tiracolo, ele jamais teria coragem de nos cobrar.

Embora a troca não pareça mais tão vantajosa. O ex-Führer finalmente ficou sabendo que Eva se casou com Alicateberg logo antes de ambos serem executados. Adolf anda passando horas no banheiro, escutando uma torneira aberta e chorando. Sallilah e eu estamos nos cansando dessa vida.

Não deveria mais sequer dirigir a palavra a qualquer um de vocês, mas faço questão de frisar que agora o sonho de nosso próprio país morreu. E foram vocês que o mataram. Espero que vocês estejam tão miseráveis quanto nós.

MAIO DE 1948

Por quê? Por que colocar nosso povo naquele lugar horrível? Aquilo é um deserto, e todos os vizinhos querem nos matar! Essa é provavelmente a ideia mais estúpida que os judeus já tiveram! Terra prometida é um termo vago… Os judeus estariam muito melhores se tivéssemos nos estabelecido no Surinameberg! Eu não mandei cartões postais mostrando as belezas naturais? Eu não fiz condições muito especiais de pagamento? Estava quase de graça.

Por quê Israel? Eu sei que vocês não querem responder porque estão usando o material que eu escrevi na Alemanha para recontar a história do jeito mais vantajoso para vocês, e eu já aceitei que não vou receber um tostão por isso… Eu só quero saber o motivo. Não faz o menor sentido.

JUNHO DE 1948

Bom, se era de graça, difícil discutir.

E não, não aceitamos sua oferta. Temos gente oferecendo bem mais por Adolf. Assim que recebermos, já decidimos que vamos para a ensolarada, estável e calma Cuba. Compramos um cassino.

Está mais do que na hora de termos algum sossego nessa história.

Para dizer que as verdadeiras vítimas foram os leitores, para dizer que pelo menos todos foram felizes para sempre, ou mesmo para dizer que só gostou porque foi de graça: somir@desfavor.com

Se você encontrou algum erro na postagem, selecione o pedaço e digite Ctrl+Enter para nos avisar.

Etiquetas:

Comments (12)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: