Des Contos: Ozon – Parte 7

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Numa sala alongada, paredes metálicas lisas escurecidas pela iluminação deficiente, um homem sorri sentado à mesa. A face esquelética só evidencia seus grandes olhos negros, rugas evidentes em harmonia com os poucos cabelos grisalhos restantes. O sorriso, sereno, dá lugar a um breve suspiro.

HOMEM: Dalila, meu amor… Sou eu, o papai! Estou morrendo de saudades de você, minha pequena. Hoje eu estou aqui com uns amigos…

Ao lado dele, três andróides, também sentados. Dois deles militares, um médico. Sem expressões, como característico deles, parecem deslocados à frente de três pratos com a mesma ração disposta frente ao humano.

HOMEM: Não é tão bom como jantar em casa com você e a mamãe, mas pelo menos eu não estou mais sozinho. Esse aqui é o Doze, esse é o Cicatriz… está vendo a marca na testa dele? E esse aqui com a luz vermelha na testa é o Doutor. O Doutor parece sério, mas é o mais engraçado… não é mesmo, Doutor?

O andróide médico vira apenas a cabeça em direção ao homem.

ANDRÓIDE MÉDICO: Comando não compreendido. Favor repetir.
HOMEM: Hahaha… está desconversando! Esse Doutor… Dalila, papai queria muito estar com você agora. Mas papai está fazendo algo muito importante aqui no trabalho. Tenho que mandar em mais de mil robôs! Se eu não prestar atenção, eles ficam o dia todo paradões, não é mesmo, rapazes?

O homem ri procurando os olhares de seus companheiros. Nenhum dos andróides esboça reação. Ele perde-se num olhar contemplativo por vários segundos, sorriso arrefecido. Como se lembrasse repentinamente do que está fazendo, levanta a cabeça e recupera a expressão alegre.

HOMEM: Pelo Cosmo… Dalila… Dalila meu amor… estou falando com você como se você fosse uma criança. Deve ter o quê? Dezesseis anos? Eu sou um velho gagá… você me perdoa? Sua mãe não me perdoou. Antes mesmo de eu sair, ela não me perdoou. Ela era muito jovem para ficar longe do marido por… vinte anos. Não é culpa dela, não… eu não a culpo. Você deve ter outro pai agora, não é mesmo?

O homem reclina-se, cotovelos sustentando os braços que agora cobrem seu rosto. Um lamento abafado agora é o único som local. Ambos os andróides militares levantam, deixando o recinto. O andróide médico permanece em sua posição. Seu braço esquerdo ergue-se lentamente, tocando levemente o ombro do homem choroso.

HOMEM: Está tudo bem, Doutor… Está tudo bem. Encerrar lumino…

Um estrondo abafado faz os pratos e talheres da mesa vibrarem.

VOZ ROBÓTICA: ATENÇÃO! ATENÇÃO! ATENÇÃO!

Ele descobre o rosto, olhos ainda marejados.

HOMEM: Status?
VOZ ROBÓTICA: Desabamento no setor H-20HU3, poço D. Falha estrutural detectada. Deseja conhecer suas opções?
HOMEM: Sim!
VOZ ROBÓTICA: Primeira opção – Ignorar: Risco de colapso do poço D em 95%. Risco de colapso do poço C em 81%. Risco de colapso do poço B e A em 59%. Segunda opção – Demolição controlada do poço D: Risco de colapso do poço D em 100%. Risco de colapso dos poços C, B e A em 1%.
HOMEM: Não! Se o poço D desaparecer vai acabar com toda a produção da mina! Não vão me pagar! Tem que ter outra opção… Estou indo para lá. Preparar traje. Doutor… você vem comigo.

Ele segue com o passo acelerado até um dos armários pressurizados. O andróide médico o acompanha. Com alguma dificuldade, veste o pesado traje e pega um grande canhão de luz. Os dois seguem pelos corredores locais até um dos elevadores de carga no setor de manutenção.

HOMEM: Doutor, eu não posso falir esta mina. Eu tenho que arriscar… A Dalila precisa do dinheiro. Não é por mim, entende?
ANDRÓIDE MÉDICO: Você precisa de suporte psicológico, senhor?
HOMEM: Não… não, eu estou bem.

Assim que o elevador finalmente chega ao seu destino, no andar inferior da Fábrica, o homem e o andróide são recebidos por um movimento frenético de máquinas mineradoras, seguindo todas em direção aos colossais portões que dão diretamente para a área de mineração.

HOMEM: Sistema geral!
VOZ ROBÓTICA: Aguardando instruções.
HOMEM: Pare a operação de mineração imediatamente!
VOZ ROBÓTICA: Impossível. Operação de mineração já interrompida.
HOMEM: E o que essas coisas todas estão fazendo?
VOZ ROBÓTICA: Pergunta não compreendida.
HOMEM: Pare todas as máquinas de mineração agora!
VOZ ROBÓTICA: Impossível. Todos os equipamentos de mineração já interrompidos.
HOMEM: Doutor, faça um chamado para o Doze e o Cicatriz. Preciso deles para me proteger com essas máquinas sem controle.
ANDRÓIDE MÉDICO: Codinomes compreendidos. Fazendo o chamado.

Passados algo em torno de três minutos, os dois andróides militares chegam pelo mesmo elevador.

HOMEM: Ok! Agora toda a gangue está reunida. Doze e Cicatriz, vão na frente. Eu e o Doutor tomamos conta da retaguarda. Nós vamos para o posto de observação… DH-20.

Os três andróides começam a andar.

HOMEM: Ei… não! Esperem… modo escolta! Isso!

Ao reconhecer a presença do humano, os robôs mineradores começam a desacelerar e mudar seus trajetos para liberar o caminho. Passando pelos grossos portões que separam a Fábrica das entranhas de Ozon-C, o quarteto dirige-se até a distante plataforma elevatória do poço D, o mais distante. Além da completa falta de oxigênio e aquecimento, os interiores da mina estão saturados com a radioatividade do produto principal extraído: Plutônio. Apesar de todas as proteções embutidas em seu traje, o homem começa a respirar com certa dificuldade, seu passo cada vez mais lento.

ANDRÓIDE MÉDICO: Níveis de estresse e radiação acima do permitido, solicitando retorno imediato.
HOMEM: Estou bem, Doutor. Mas ao contrário de vocês, eu não sou de ferro! Haha… Cof… Não é mesmo, Doze?

O andróide militar sequer faz menção de reconhecer o contato.

HOMEM: Já estou vendo a plataforma. Vamos!

Minutos depois, os quatro já estão sobre a plataforma móvel. O humano insere um código no painel de controle do equipamento, que reage iniciando uma descida lenta e instável. O homem busca apoio num dos andróides militares, respiração mais ofegante a cada quilômetro da descida. Depois de quase vinte deles, o destino: o posto de observação do último nível do poço D, disposto quase como que um capricho dos projetistas da mina na raríssima ocasião de uma visita orgânica. Desajeitado e claustrofóbico, o cubículo contava com apenas um painel simples e uma grossa janela de observação.

De lá, ele liga alguns interruptores, iluminando boa parte da imensa área aberta à sua frente. Nem sinal de desabamento. Aliás, tudo parece ocorrer com naturalidade, escavadoras e robôs mineradores trabalhando freneticamente nas paredes da superlativa caverna artificial.

HOMEM: Nunca tinha vindo aqui embaixo, Doutor. Aquelas máquinas gigantes parecem formiguinhas, não? Correndo de um lado para o outro, formando filas… Cof… Era alarme falso! O Sistema Geral está cada vez mais estranho de uns tempos pra cá. Primeiro aquele tal de poço E, depois mandando robôs militares escavarem… Acho que ela está precisando de um remedinho para a cabeça, não?
ANDRÓIDE MÉDICO: Níveis de radiação elevados. Ação protetora D1 requerida em 10 minutos.
HOMEM: Trabalho, trabalho… é só nisso que você pensa, Doutor. Estou ótimo… Cof cof…

Ele encosta o capacete do traje na janela à sua frente. Alguns momentos depois, recua a cabeça, aparentemente impressionado.

HOMEM: Olha! Um dos andróides militares! Cicatriz e Doze?
ANDRÓIDES MILITARES: Sim, senhor?
HOMEM: Se não são vocês…

O homem vai se retirando do posto de observação, desviando de seus colegas robóticos rumo à uma escotilha próxima à saída da plataforma. De lá, desce por uma longa escada vertical até o chão do poço D. Os andróides acompanham. Algumas centenas de metros à sua frente, mais andróides militares começam a sair de um túnel lateral previamente impossível de notar. Uma débil iluminação – ora azulada, ora esverdeada – pulsa de seu interior.

Com uma corrida rápida que logo o deixa esbaforido, ele chega até a boca do túnel. Nenhum dos autômatos ao seu redor esboça reação. Nem os que pareciam trabalhar retirando pedras de dentro do túnel, nem os que vieram consigo dos níveis superiores.

HOMEM: Soldado! Status!

O andróide estranho para o qual se dirigira não responde. O humano repete a ordem seguidas vezes com vários dos outros trabalhadores locais, todas com resultado igual. Resignado, resolve entrar ele mesmo no túnel. Nem mesmo os protestos de Doutor sobre sua saúde parecem enfraquecer seu ímpeto.

O túnel segue por alguns metros apenas com a rocha escura comum ao subsolo ozone, iluminada apenas pelos pulsos coloridos sem fonte aparente. Mas logo após ele é surpreendido com algo que não parece uma formação natural: numa imensa expansão do túnel algo parecido com uma parede metálica negra visivelmente curvada, como se fosse a parte visível de uma ainda mais imensa esfera.

De tempos em tempos o metal negro troca de coloração, banhando em luzes azuladas e esverdeadas toda a galeria. A galeria está apinhada de andróides militares, trabalhando feito arqueólogos num delicado processo de exposição da esfera.

HOMEM: Dalila? Cof… DALILA?

Cicatriz e Doze continuam impassíveis. Doutor parece focado no humano.

HOMEM: Desculpa… desculpa… não! NÃO! Não vai embora…

Ele segue até a esfera. Com um rápido movimento, retira a luva de seu traje e a toca. O andróide médico começa a tocar sua sirene enquanto corre pelo chão acidentado. Antes mesmo do rápido robô alcançar o homem, ele já está caído no chão. Aparentemente imóvel.

A imagem começa a ficar escura. O som é substituído por estática. Alguns pulsos de luz azulada misturam-se com os flashes dos rifles de pulso disparados nos minutos seguintes. Então, escuridão por quase uma hora. Só aí que a luz vermelha intermitente vem seguida do agudo som da sirene do andróide médico. As luzes começam a retornar, mostrando o autômato segurando o homem nos braços, ambos subindo pela plataforma móvel que os rebaixara anteriormente.

O andróide médico faz todo o caminho até o setor MB-1. Ele retira o traje de um corpo já inerte e o coloca no que parece ser um freezer vertical. Logo após, volta-se para uma das paredes da área, próximo a outros andróides médicos desativados, e finalmente posiciona-se de forma parecida. As luzes de seus olhos se apagam.

Nada acontece por semanas. A imagem estática do freezer fechado e os andróides estáticos na parede só é invadida por sinais de pouca bateria.

Eventualmente, a imagem some.

Heitor retira seu visor luminográfico e olha espantado para o Piloto.

Continua na Parte 8.

Para dizer que não acredita que esperou por isso, para reclamar que não entendeu porra nenhuma, ou mesmo para perguntar o que é uma luminografia: somir@desfavor.com

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