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Colunas

Bloco de uma nota só.

Tentamos achar uma notícia, tentamos mesmo. Mas só tinha Carnaval. O Brasil monotemático é o desfavor da semana.

SALLY

O Desfavor da Semana é não ter uma notícia para usar como Desfavor da Semana. Não, o Brasil não virou um país decente onde não ocorrem mais desfavores semanalmente, o Brasil se tornou um país monotemático onde não se fala em mais nada que não seja carnaval.

O carnaval brasileiro, pelo conjunto da obra, é um tremendo desfavor, mas confesso que não queria falar dele. Foge à proposta da RID falar sobre algo óbvio, que está escancarado. Gostamos de trazer novidades, novos enfoques, novas discussões. Mas esta bosta de carnaval monopolizou a semana toda. E o pior: sem trazer uma única novidade relevante. Sempre mais do mesmo.

Carnaval em Salvador teve muita porrada, muitos crimes e, o clássico, estupro de turista. Francamente, uma mulher que vai a Salvador no carnaval deveria saber que estupro é meio que inerente ao programa. Um lugar imundo, subdesenvolvido e cheio de homens machistas que se comportam como animais (ainda por cima bêbados) não pode culminar em coisa boa. Preconceito? Não. Pós-conceito, infelizmente morei por lá muito tempo. Fica aqui meu aviso: carnaval em Salvador é risco concreto de estupro, não importa onde, não importa como, não importa o cuidado que se tome. É a Índia brasileira.

Carnaval no Rio mesma merda, só que com pessoas um pouco menos feias. Um pouco, só um pouco, porque o mito do carioca bonito é obra de Manoel Carlos. Escola de Samba patrocinada por ditador sanguinário prestando-lhe reverência sendo aclamada pelo público, zilhões de subcelebridades tentando projeção na base da bucetada, muito álcool e drogas. Coroação da criminalidade: assistir a desfile de escola de samba é como ir a uma festa na casa de bandido. E ainda ter que ouvir Neguinho da Beija-Flor dizendo que nós deveríamos AGRADECER à criminalidade por proporcionar uma festa tão bonita. “Agradeçam à contravenção”. A pessoa não se ajuda, não é mesmo? Mais um para minha torcida da volta do câncer.

Carnaval em São Paulo se resume a uma palavra: vergonha. Não sabem fazer carnaval e em vez de se orgulharem disso, baterem no peito e dizerem “aqui somos dignos”, tentam fazer essa porcaria mal parida. Voltem para os escritórios, que vocês tem cérebro e educação. Mas não, falta de água cancela atendimento hospitalar, cancela aulas em escolas, só não cancela esse carnaval coxinha humilhante. Paulista sambando é uma das coisas mais deprimentes que eu já vi.

Carnaval no Nordeste (porque para mim Nordeste é tudo uma coisa só, exceto Salvador, que é bem pior) foi aquela coisa de sempre: muita gente feia e suada na rua e uns poucos abastados e bem cuidados celebrando com luxo e conforto. Gente que ganha merda, gente endividada, gente sem emprego, pulando aos bandos feio símios no cio. Uma semana onde alegria é decreto. Tem gente que acha isso bom, eu acho um tremendo desfavor.

Todo carnaval a mesma coisa: uma polêmica envolvendo uma subcelebridade nua (tapa-sexo caiu, não teve dinheiro para comprar tapa-sexo, etc). Um novo modismo sexual escroto e vulgar (cápsula do amor), Claudia Leitte envergonhando a si mesma e sendo trucidada pela opinião pública. Uma música irritante eleita como hit do carnaval (uma apendicite e um cantor saído direto do hospital para o trio elétrico garantiram o título este ano – exemplo de superação imbecilóide). Famosos traindo em público (beijo Cleo Pires, beijos Maria Casadevall, melhoras para suas testas). Sempre mais do mesmo. Chato, enfadonho, vergonhoso e previsível.

Todo carnaval a mesma coisa também no quesito alienação. Enquanto as pessoas pagodeiam, enchem os cornos e fazem sexo pelas esquinas (mijadas), coisas importantes acontecem e passam em brancas nuvens. Thor Batista, aquele que estava dirigindo comprovadamente acima da velocidade, atropelando e matando um pedestre, foi inocentado. Enquanto o infeliz que atropelou o filho da Cissa Guimarães (que transitava indevidamente em um local proibido para pedestres, diga-se de passagem) foi preso. PT e Petrobrás caindo no esquecimento a ponto de outros países estarem mais avançados na investigação e punição dos corruptos do que o Brasil.

Onde não falta água, sobra por causa de enchentes. Mas tá tudo bem, Tchuco no tchaco, tchaco no tchuco, o estupro auditivo continua mesmo assim. Conta de luz, aquela que a Dilma disse que não ia aumentar, vai aumentar em até 80%. Não tem problema, sou um gordinho gostoso, um gordinho gostoso. Os direitos dos trabalhadores, aqueles que Dilma não ia mexer “nem que a vaca tussa”, foram mutilados violentamente. Quem se importa? Xenhenhem, xenhenhem (ad eternum). Não tem água e quem insistir em querer viver usando água vai pagar multa… Matimba! Matimba! A educação, aquela que seria prioridade do Governo Pátria Educadora, recebeu de cara um corte de 7 bilhões no orçamento. Pra frente, pra frente, frente, nossa vida vai, como manda o figurino. É, Veveta, só se for a sua, a minha tá andando de ré.

Sabe o que é pior? Se você ousar romper o pacto de imbecilidade coletiva e relembrar qualquer dessas coisas, as pessoas se voltam contra. Mal humorada, ranzinza, de mal com a vida, amarga. Não pode. Carnaval é só alegria, mesmo que você não tenha água para lavar a bunda depois de cagar. ALEGRIA, OBRIGATÓRIA. Não ouse lembrar que a realidade é uma merda, se não será atacado. Tem que participar desse pacto de alienação, calado, para não ser detonado pelos símios no cio.

Fosse só uma semana por ano, vá lá. Mas não é. São cada vez mais eventos desse tipo. Mal acabou natal e ano novo já tem carnaval, e já tem ovo de páscoa exposto nas Lojas Americanas. Como diz o Murilo Gun, daqui a pouco vão pendurar ovo de páscoa na árvore de natal. O calendário brasileiro está cheio de factoides, um emendado no outro. Vai ter páscoa, semana santa, dia dos namorados, festa junina etc… O ano todo um motivo para beber, um motivo para focar as atenções em outra coisa que não seja um Governo cagado ou na vida de merda que a pessoa leva: emprego mal remunerado, casamento falido ou qualquer outra coisa que se deseje esquecer. Em vez de fazer por onde melhorar a própria vida, se apegam a esses factoides do calendário para esquecer o que está errado.

Olhar para o problema de frente e gastar energia tentando resolvê-lo nem pensar. Mais fácil pagodear, churrasquear, beber, esquecer, anestesiar. Pior ainda: são os mesmos que reclamam da própria situação e da situação do país. Dá vontade de responder: caso você não tenha percebido, o país só está como está por causa de merdas como você. Só dando porrada, muita porrada. O diálogo com o Brasileiro Médio é inútil.

Para dizer que gosta quando eu me revolto, para criar problema desnecessário pelo uso da palavra “símios” ou ainda para perguntar se algum laboratório de antidepressivos me patrocina: sally@desfavor.com

SOMIR

Foi um carnaval de desfavores como muito bem descreveu a Sally. Estava até parcial de falar da Unidos da Ditadura Africana nesta coluna, mas o assunto foi usado durante a semana. Escolher a notícia do desfavor da semana é uma tarefa mais complexa do que parece: tem que ser recente, relevante para o nosso público, e acima de tudo, tem que permitir uma análise mais complexa. Muitos desfavores acontecem, mas poucos encaixam direito na proposta da coluna.

E como fazemos toda semana, discutimos quais as notícias com mais “cara” de desfavor da semana. Nada. Não se enganem, foi mais uma semana carregada de porcarias, mas faltava aquela com mais conteúdo explorável. Provavelmente deixamos passar algo excelente que alguém aqui vai lembrar nos comentários, mas o excesso carnavalesco foi ruidoso demais.

E ao mesmo tempo, vazio demais. Não tem muita substância essa festança toda. Até mesmo o que de ruim acontece não é nada mais do que repeteco dos anos passados, e facilmente redutível a um povo ignorante e mal educado. As polêmicas de época são rasas, aliás, todo o carnaval é raso. É só mais uma coisa para fazer a essa altura do campeonato.

Talvez durante um tempo fosse uma bem vinda quebra de rotina de uma sociedade castradora e pudica, mas hoje em dia? Carnaval é um feriado para fazer mais do mesmo. Homem vestido de mulher já se encontra em qualquer esquina mal iluminada durante o ano inteiro! Promiscuidade e abuso de álcool? Curioso seria passarmos alguns dias SEM isso.

O brasileiro pula carnaval porque é isso que se espera dele. Uma festa que se nunca primou pelos seus significados complexos, pelo menos já foi um pouco menos robótica e previsível. É a mesma merda ano após ano. Talvez já seja a idade falando, os mais jovens ainda podem se surpreender com o roteiro engessado do carnaval, mas quanto mais se vê dessa ocasião, menos interessante parece ficar.

Mas vê se isso arrefece a participação popular? Claro que não. Ruas lotadas de gente emanando todos os odores possíveis, numa espécie de cio coletivo sancionado por um número no calendário. No carnaval é isso o que se faz, e boa parte da nossa população parece muito feliz em simplesmente seguir o fluxo. E toda as estruturas ao redor dessa sociedade seguem o padrão.

É hora de esvaziar o conteúdo e enfiar goela abaixo de todo mundo mais ou menos a mesma coisa que fizeram no ano anterior. Todos num estado de suspensão mental, esperando os trios elétricos e carros alegóricos passarem antes de tentarem voltar ao normal. Mesmo que seja o pífio normal do brasileiro médio.

Se temos alguma coisa de nova no fronte, é a patrulha do coitadismo, com barangas dando chilique por propagandas aleatórias e gente chata analisando com profundidade desproporcional as fantasias alheias. Até mesmo o aspecto de esculhambação típico do brasileiro vai perdendo o pouco charme que tinha. A hipocrisia e a vitimização vão encontrando seu espaço na avenida. Evolução: nota ZERO.

De qualquer forma, de volta ao tema, ou a falta dele: até mesmo a produção de conteúdo entra na festa da banalidade. Cem notícias sobre fulana perdendo o tapa sexo depois de ter ensaiado a escorregada centenas de vezes antes, uma notinha sobre o que acontece de verdade no país e no mundo.

E as pessoas parecem relativamente satisfeitas com isso. Pudera, já não acompanhavam nada mais complexo do que a última eliminação do BBB antes do carnaval, nenhum motivo para cavar mais fundo durante ele. O que mais me incomoda na data ultimamente é como a banalidade se infiltra e ocupa espaço impunemente. Durante alguns dias, não precisa mais tapar os olhos e ouvidos para escapar da realidade, o mundo faz isso por você.

Não precisa mais ficar dentro do seu feed de notícias do Facebook, protegidos pelo algoritmo de conformidade e repetição. O mundo todo fica do jeito que a pessoa quer: vazio. Vamos falar de celebridades e fluídos corporais até ninguém mais aguentar, e deixar todo o conteúdo salvo para ser publicado novamente daqui a um ano!

Claro, a nossa mídia não prima pela qualidade dos assuntos abordados, mas pelo menos durante o resto do ano sobram algumas migalhas para nós. Durante o carnaval, aparentemente todo mundo tem que saber quem lambeu quem no camarote da marca de cerveja. Prioridades, prioridades.

Provavelmente estamos amargos pela derrota na busca por um conteúdo relevante aqui. Provavelmente estamos falando mais do mesmo que já falamos em anos passados… E esse é justamente o problema.

Tentamos fugir do carnaval, mas ele nos alcançou.

Para dizer que vem aqui justamente para não ler sobre isso, para dizer que ano que vem é só copiar e colar o texto, ou mesmo para dizer que a gente não sabe se divertir: somir@desfavor.com

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