Comédia em pé.

Você provavelmente já foi a um rodízio de pizza (ou de carne, ou de crepe, ou de qualquer comida da moda). Rodízios são bacanas, te permitem experimentar um pouco de tudo e desenjoar de um sabor alternando-o com outro. Rodízios são muito bacanas inclusive para experimentar comidas/receitas novas e, caso goste, acrescê-las como prato principal na sua vida. Pois é, Comédia em Pé é uma espécie de rodízio de humor que vale a pena ser visto por todos, independente de preferência de estilo.

A formação é flutuante, varia muito de acordo com o show e com a época. Alguns integrantes ao longo dos anos foram mudando, outros atuam algumas vezes como convidados. Vou falar sobre alguns que estavam presentes no dia em que eu fui, mas podem ter certeza que mesmo que a formação varie um pouco, dificilmente você vai sair sem dar boas risadas.

O apresentador oficial é o Claudio Torres Gonzaga. Um estilo de humor baseado no cotidiano, observador e crítico. Não espere caretas, humor físico ou gritos. Ele é contido e enfia o dedo na ferida com muita serenidade. Fala qualquer barbaridade de forma calma e centrada e seu humor não precisa chocar a plateia para chamar a atenção e fazer rir. Isso é um mérito, pois fazer humor sendo seu único recurso o conteúdo é difícil. Caretas e gritos ajudam, principalmente uma plateia brasileira.

Claudio alterna pequenos blocos de humor com os integrantes do grupo e os convidados. O clima de amizade é visível e imagino que o melhor do show aconteça nos bastidores. Mas, ainda assim, na frente das cortinas eles estão livres das amarras que muitos tem na tv e é possível explorar um novo nível se humor.

Fabio Rabin nos presenteou com seu humor de mau humor. Curto muito. Ele é daquelas pessoas que nasceram com graça. Tudo que ele fala fica engraçado. Ele fala barbaridades e todo mundo ri. Tenho para mim que ele deve ter dificuldades na vida quanto quer falar sério, pois eu acharia graça de qualquer coisa que ele me diga. Frases ou piadas que poderiam ser consideradas grosseiras na boca de outra pessoa soam engraçadas na boca dele.

Sem travas, sem limites, sem sequer a preocupação com o dano que sua fala vai causar, ele aparenta estar desabafando com um amigo em uma mesa de bar e não estar trabalhando, fazendo um show de humor. Fabio Rabin se conecta fácil com a plateia por mostrar seu lado humano e falível de forma escancarada. Conquista simpatia com seu humor ranzinza e sem noção. Bem melhor do que aquele “papel” de maconheiro que vestiram nele no Fritada. Bem melhor mesmo. Se você nunca viu uma apresentação do Fábio Rabin, veja. A narração dele de como a vida muda quando se tem filhos é impagável.

Uma grata surpresa foi o Rodrigo Fernandes. Se você não está ligando o nome à pessoa, ele é o dono do blog Jacaré Banguela. Pode ser, inclusive, que você o chame de Jacaré Banguela, mas só até assistir uma apresentação dele. Depois vai passar a chama-lo de Rodrigo Fernandes, pois ele é muito mais do que o Jacaré Banguela. Começa ganhando a simpatia do público se auto-depreciando pela gordura e de fato isso lhe abre portas para fazer piadas e mais piadas com sobrepeso, mas cresce ao longo do espetáculo.

Surpreendentemente seguro e com ótimo timing para piadas ele faz rir tanto pelo conteúdo como pela linguagem corporal, mas nada histérico, leandrohassunizado. É na medida. Boas piadas, boas sacadas, boa presença de palco. Olhando assim ninguém diz que é um blogueiro que faz standup, o que aparenta é ser um humorista de standup que tem um blog. Ele só precisa reciclar a parte do seu repertório onde diz que ninguém o conhece e que não come ninguém, pois está forçado, é visível que não é verdade. Foi-se o tempo em que ele era um nerd no anonimato.

Leo Lins… ahhh Leo Lins. Muito amor pelo Leo Lins. Ele é daquelas pessoas que empurram a linha mais para frente. Tem uma linha ali dividindo o que pode ser dito do que não pode ser dito e ele a cruza e te faz rir, traçando uma nova linha um pouquinho mais longe. E isso é um mérito que eu não vi mais ninguém mostrar nesse espetáculo e pouquíssimas pessoas o fazem no mundo do humor. Leo Lins é uma pessoa que abre portas por onde você e eu vamos poder passar depois.

Melhor do que não ter medo de falar sobre qualquer assunto é o fato dele falar com muita naturalidade sobre tabus. Muita agilidade mental, muita facilidade em linkar referências. Leo Lins consegue sempre pensar além do humor convencional. Se você assiste ao Rodada da Noite no programa The Noite já deve ter percebido que as piadas mais filhas da puta são dele. E sim, isso é um elogio.

Outra bela surpresa foi Larissa Câmara, a única mulher da noite. O standup ainda é território de homens no Brasil e as poucas mulheres que conseguem entrar costumam conseguir fazendo uma caricatura de si mesmas. A “persona” é sempre desvalorizada (auto-imagem de baranga, de vadia ou qualquer referência negativa clichê). Uma pena que ainda não tenham rompido com isso. Não, Larissa não rompeu com isso, fez sua desconstrução se colocando no papel de estranha, baranga, pois para o povo brasileiro o sexy mina o humor. Mas mesmo assim foi uma apresentação muito engraçada.

Larissa brincou com o universo feminino, mas pelo lado de dentro, com algumas piadas que surtiram melhor efeito em mulheres do que em homens. Conseguiu fazer piadas sem se masculinizar ou cair no clichê de ficar reclamando/ridicularizando o sexo masculino. Passeou por diversos assuntos e nenhum deles foi “piada de mulher”. Sensacional o plié que ela faz agradecendo cada piada aplaudida.

Mas grande surpresa da noite ficou por conta de Victor Sarro. Talvez você não tenha ouvido falar nele, já que está subaproveitado na Globo. O lugar dele é na frente das câmeras em um programa próprio e não escrevendo para o Esquenta. Participa de um programa na TV a cabo, mas acreditem, nem de longe traduz o que é Victor Sarro ao vivo. A força, a presença de palco, o domínio de público… poucas vezes vi algo igual.

Mesmo escolhendo temas difíceis, como por exemplo tripudiar de católicos e evangélicos da plateia, ele arrancou muitas risadas de todos os presentes. Ele é tão bom que mesmo quando erra o timing (emendou uma piada rápido demais na outra) consegue bons resultados. Um carisma avassalador, uma segurança fora do comum e um humor criativo, cheio de referências, me fizeram escolhê-lo como melhor da noite. Onde Victor Sarro fizer show, eu vou. E recomendo que vocês também, se tiverem a oportunidade. Talvez eu não fosse se soubesse apenas que trabalha no Esquenta, por isso achei importante vir aqui ressaltar que APESAR disso, ele vale muito à pena.

Faltaram outros nomes que estiveram presentes, e outros que infelizmente não estiveram presentes, como Murilo Gun, Danilo Gentili, Rafinha Bastos e Dani Calabresa. Mas a essência deste texto não são indivíduos e sim a proposta do grupo Comédia em Pé: trazer e popularizar o standup comedy no Brasil, apresentando um espetáculo leve, inteligente e dinâmico, que se renova a cada apresentação, em constante mudança, sempre com piadas atuais. Além de tudo, ainda oxigenam o humor nacional dando oportunidade para novos talentos, alternando apresentações de humoristas consagrados com novatos.

Uma experiência muito bacana, mais do que recomendados.

Para perguntar quanto me pagaram e descobrir que quem pagou fui eu (pelo ingresso) para perguntar se eu vou fazer um standup ou ainda para reclamar que não falamos sobre política hoje: sally@desfavor.com

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Comments (4)

  • Sem palavras para agradecer o carinho, realmente fiquei surpreso com o elogio e precisa ouvir isso pra seguir em frente…. De coração, melhorou muito o meu dia! Obrigado de verdade, não sei como agradecer
    Me mande um e mail que quero te agradecer pessoalmente
    Victorsarro@gmail.com

    • Pode deixar, eu vou entrar em contato com você. Mas quem tem que agradecer sou eu, pois em uma noite que eu estava muito chateada voltei para casa leve e feliz. Isso não tem preço.

  • Excelente sugestão. Fez lembrar um programa inglês chamado “Mock the Week”. Se ganhasse na mega-sena da virada, faria um programa desses adaptado a nossas mazelas.

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