Bons profissionais costumam ser assediados por outras empresas. Nada mais natural do que ficar tentado, mas Sally e Somir discutem a ética envolvida antes de tomar uma decisão. Os impopulares empregam suas opiniões.

Tema de hoje: Informar seu chefe que outra empresa está tentando te contratar?

SOMIR

Sim. O mercado de trabalho não é lugar para sentimentalismo. Presume-se que todos estejam lucrando com as relações comerciais envolvidas, portanto é hora de pensar em termos práticos ao invés de se prender à convenções sociais ‘sem fins lucrativos’.

Claro que o conceito de bom funcionário varia bastante de acordo com o ramo de atuação: em algumas áreas é fácil achar um substituto, em outras é praticamente impossível. Normalmente os trabalhos mais intelectuais se encaixam nessa categoria de difícil reposição de funcionários. E são muitas as variáveis envolvidas: experiência, confiabilidade, especialização, custos de manutenção… existem muitos motivos pelos quais alguns mercados tem que se concentrar muito mais na manutenção dos seus funcionários. E é evidente que estamos falando deles na discussão de hoje.

Se você está num mercado onde existe assédio de empresas concorrentes pelo seu trabalho, provavelmente você é valioso para seus empregadores atuais. E é aqui que é bom exercitar o pensamento prático: dificilmente é surpresa para seu chefe que alguém tente te recrutar. De uma forma ou de outra, é mais ou menos isso que ele espera que aconteça.

Mas, negócios são negócios: uma empresa vai tentar tirar o máximo possível de você pelo menor custo (geral) possível sempre que puder. Até porque quem não foca nisso tende a não durar muito no mercado. Exploração está no cerne de todo nosso mercado de trabalho, mesmo com o fim da escravidão institucionalizada e os direitos trabalhistas, ainda é uma questão de transformar sua mão-de-obra em algo injustamente lucrativo. Num mundo ideal, todo trabalhador seria sócio da empresa para qual trabalha. Na vida real, você provavelmente está sendo explorado.

E não estou necessariamente vilanizando seus chefes: é assim que o mundo funciona e é assim que todo mundo aprendeu. Quem não explora tende a ser soterrado pelos concorrentes que o fazem. Dito isso: quase sempre existe espaço para negociação sobre seus ganhos no trabalho. Quem conhece os números sabe disso.

O que eu sugiro aqui é que você tente usar o sistema ao seu favor quando tiver as cartas certas na mão. Sim, seus chefes vão ficar putos se você vier fazendo leilão com uma proposta de outra empresa nas mãos, mas como sempre, existem formas mais inteligentes de lidar com a situação. Comunicar seu empregador atual que seus serviços são mais bem quistos em outro lugar é uma medida de honestidade e um chance prática de permitir ao seu chefe uma tentativa de te oferecer um melhor negócio.

Empresa com bons funcionários em cargos de alta visibilidade para os concorrentes se borra de medo de perdê-los. É difícil achar alguém novo e bem pior treiná-lo para pelo menos apresentar resultados parecidos. A não ser que você tenha raiva da empresa para qual trabalha, vai estar fazendo algo excelente ao avisar que tem concorrente fungando no cangote dos seus empregadores.

Seu chefe (se não for um imbecil) vai preferir ouvir isso enquanto ainda há tempo para calcular seu valor. Às vezes acontece de um funcionário estar mal remunerado e/ou reconhecido por pura inércia corporativa: não custa lembrá-los que você está lá e é importante de vez em quando. A estrutura da empresa acaba se acostumando a ter você lá e não consegue prever suas necessidades. E como eu já disse, boas as chances de ter uma margem de manobra para te compensar melhor.

Importante: explique direito o que te faz gostar da outra proposta que recebeu. E em termos práticos. Baboseiras como ‘querer novos ares e novas experiências’ são o ‘não é você, sou eu’ dos relacionamentos profissionais. Diz o que quer e deixa seu chefe fazer as contas.

Avisar antes de se decidir é melhor porque dá o tempo necessário para todo o malabarismo contábil que pode ser necessário para te fazer uma contraproposta aceitável. Avisar que está saindo pode deixar a empresa sem tempo hábil para lutar por você. E convenhamos que se você sequer considera a hipótese de avisar a empresa da outra proposta, é porque ainda acha interessante continuar nela. É uma questão de dar uma chance para ter uma chance.

E mais: mesmo que a empresa não consiga te dar o que você pediu, pelo menos você tem ao seu favor o fato de ter tentado enquanto ainda dava tempo e dificilmente vai ter sua caveira feita pelo ex-empregador como é comum nos casos de saída intempestiva. O seu próximo empregador também vai gostar de saber que você foi ético e honesto no caso, dando a ele um mínimo de previsibilidade sobre a sua forma de agir. Jogar limpo tem suas benesses sim.

Funcionários contentes com seu trabalho e remuneração ainda sim podem se interessar em ir trabalhar na concorrência. Em algumas profissões a guerra é violenta e oferecem de tudo um pouco para seduzir prospectos interessantes. Mesmo assim não é questão de desistir do trabalho atual: e se a outra empresa prometeu algo que a atual pode fazer mas nem tinha pensado ainda? Acontece. Acontece muito.

É uma decisão racional: você escolhe o melhor para você baseado no que acha valioso. Nem sempre é só salário. Repito: se você não der nem tempo para seu empregador atual se adaptar aos seus desejos, não vai ouvir a melhor proposta que pode ouvir. Essa coisa intempestiva de tratar trabalho feito relacionamento amoroso só queima pontes e te faz ganhar menos. Seja frio e abra o jogo: ninguém gosta de negociar com ‘jogadores’ que ficam escondendo sua mão até ser tarde demais. Não gostaria de trabalhar com um fornecedor assim, porque gostaria de ter um funcionário assim?

A empresa também tem que confiar no funcionário. Alguém que faz jogo limpo e a ajuda a se prevenir de uma perda dolorosa de um profissional experiente ou especializado tende a ser bem visto num ambiente focado em bons negócios. É muito difícil achar gente boa para trabalhar!

Só mudo meu conselho se seu chefe for alguém especialmente incompetente que está no cargo por sorte ou contatos apenas. Amadores trabalham baseados em emoções e afundam sua empresa rapidamente. Mas nesse caso, você provavelmente quer sair dessa barca furada o mais rápido possível, não? Temos que considerar no tema de hoje que existe a possibilidade real de você se manter aonde está, e se uma empresa consegue te fazer pensar assim, alguma coisa direito está fazendo. E empresas que funcionam sabem ser pragmáticas quando precisam: funcionário que joga limpo e faz o trabalho direito vale MUITO mais.

Está valendo mais do que estão te pagando? Seja honesto. Só isso.

Para dizer que todo chefe é especialmente incompetente, para dizer que isso só funciona quando o seu chefe é o dono da empresa, ou mesmo para dizer que emoções são coisas lindas de Deus e tem espaço em qualquer lugar da sociedade: somir@desfavor.com

SALLY

Informar a seu chefe que tem outra empresa tentando te contratar? Não. Além de parecer uma autopromoção barata, ainda soa como chantagem.

Ao receber uma proposta de outra empresa cabe a você pensar se compensa ou não. Ponderar prós e contras, definir prioridades. É uma decisão sua, só sua. A empresa ou estabelecimento para o qual você trabalha deverá ser comunicada apenas caso sua decisão seja sair, ocasião na qual ela poderá fazer uma contra-proposta para não te perder. Mas se você não pretende aceitar, não há motivo para comunicar a seu empregador. Comunicar para que? Só se for para se promover. E quem precisa disso para se promover? Quem não tem méritos para ser admirado pelo seu trabalho.

Avisar que está recebendo propostas de outra empresa é a mesma coisa que ameaçar largar o marido que não te trata bem: “Olha que eu vou embora, hein? Olha que eu vou te trocar por outro, tem gente me querendo!”. Quem vai embora o faz em silêncio, cão que ladra não morde. Ninguém convence o marido ou a esposa a mudar ou melhorar alguma coisa contando que tem uma pessoa dando em cima de você. Muito pelo contrário, é ofensivo que sequer se chegue a cogitar a reciprocidade.

Se uma pessoa está verdadeiramente satisfeita com seu emprego e seu salário, nem cogita outras propostas. Se não está feliz com seu emprego ou seu salário, deve conversar com o empregador e tentar reverter o quadro por seus méritos. Tentar reverter o quadro alardeando que outras empresas estão sondando desmerece seu valor. É precisar do olhar do outro para reconhecer seu valor, coisa de gente insegura. Pessoas seguras não precisam dessa carta na hora da argumentação.

Uma pessoa segura decide sozinha e, sendo o caso de trocar de emprego, apenas comunica à empresa. Se a empresa realmente te quiser, ela cobre a oferta ou faz outra proposta. Ninguém precisa pedir demissão esmurrando a mesa do chefe e gritando palavrões, dá para fazer se boa: “Olha, eu gosto muito de trabalhar aqui, mas recebi uma proposta mais vantajosa da empresa tal e por esse e esse motivo decidi que é melhor para mim”. Pronto. Passou o recado. Se a empresa quiser, ela te segura, se não te deixa ir. O que não pode é já começar a alardear ainda na fase de negociação. Infantil, e ainda periga de jogarem areia na sua proposta. Proposta eu recebo caladinha e não conto nem para minha sombra.

Caso a empresa te deixe ir, não vai ser tão humilhante para você caso comunique apenas na saída, afinal, você está saindo para algo melhor. Mas já pensou se você conta que está sendo assediado por outras empresas e sua empresa caga na sua cabeça? Com que cara você continua trabalhando em um lugar que fez isso? Desprestígio total. Fora o blefe, que fica feio demais. Dali para frente o empregador vai se sentir até mais seguro, pois soube que outros tentaram te contratar e não deu certo, você ficou. Não há razão para dar aumento/promoção/bônus para uma pessoa que recusa outras oportunidades melhores, ela não vai a lugar algum mesmo!

Não vejo jeito de um comunicado desse não soar como ameaça ou chantagem. O que uma pessoa pretende comunicando isso? Sabe o que parece? “Olha, já que você não me promoveu por meus méritos, tem gente me querendo e se você não me promover eu vou te deixar na mão”. Sim, um ultimato feio e vulgar. Eu demitiria facilmente uma pessoa que venha com esse papinho de estar recebendo propostas de outra empresa. É mesmo? Está recebendo propostas? Vai lá, fica à vontade.

Burrice despertar esse clima de chantagem, pressão e insegurança no seu empregador. Quem é bom é reconhecido por seu trabalho, meio terrorista isso de conseguir as coisas por medo de deixar a empresa. Não seria o caso de se perguntar se VOCÊ quer ficar em uma empresa onde só te reconhecem quando te perdem? Porque se funciona assim, sua próxima promoção provavelmente também vai ser arrancada a fórceps. Será que uma empresa na qual você precisa fazer isso é mesmo uma empresa na qual queira trabalhar?

Fora o fato de que receber propostas de outras empresas não chega a intimidar ninguém. Primeiro que é o tipo de coisa que pode ser facilmente inventada e segundo que até uma negociação de fato se concretizar pode demorar muito tempo e nem sempre dá frutos. Então, dizer que está sendo sondado por outras empresas é como ameaçar alguém de morte dizendo que vai sair para comprar uma arma para, em um futuro próximo, matar a pessoa. Ou fala quando efetivamente já tem uma proposta aceita ou cala a boca se não vai passar vergonha.

Bons profissionais costumam ser sondados por outras empresas, não é nenhuma novidade para precisar de um comunicado ao chefe. Da mesma forma que mulheres bonitas recebem cantadas todos os dias e nem por isso precisam dizer a seu marido que um estranho as cantou na rua. Não há ganho nenhum em falar isso, a não ser deixar a pessoa insegura, ciente de que pode te perder. E, cá entre nós, meio escroto ficar com alguém (marido ou empregador) que precisa ter a ciência de que tem outros te querendo para te valorizar.

Chantagem e pressão não costumam trazer bons frutos – se trouxerem, desconfiem da pessoa com a qual isso está funcionado, ela tem probleminhas de cabeça. Podem até te ajudar a alcançar um objetivo imediatista, mas a longo prazo desprestigiarão você junto à empresa.Se quer uma promoção, um aumento ou algum tipo de reconhecimento, faça a empresa ver seu talento e não a concorrência.

Para dizer que sendo certinha assim vou ser engolida pelo mercado de trabalho, para dizer que certas pessoas só funcionam na pressão ou ainda para dizer que está desempregado por tanto tempo que nem lembra como agiria: sally@desfavor.com

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Comments (12)

  • Faço das palavras da Sally, minha opiniao:

    “…e ainda periga de jogarem areia na sua proposta. Proposta eu recebo caladinha e não conto nem para minha sombra.”

    Enquanto o segredo é guardado em silencio, ele é apenas seu. Quando você fala ja nao é mais. Ja aconteceu isto comigo umas duas vezes, e em ambas, eles nunca souberam o verdadeiro motivo de minha saída à francesa.

  • Estou com a Sally; quem quiser sair que o faça em silêncio. Penso em sair do meu emprego, mas só comunicarei a atual empresa quando a outra proposta estiver 100% encaminhada.

    Não é uma área que permite negociação de salários, então essa questão de “quem dá mais?” não vale para mim. O que mais me motiva em sair é a busca por melhores condições de trabalho, mesmo que receba menos.

    Uma parte de mim deseja ficar pois adoro minha atual chefe. Ela é a melhor gerente que alguém poderia desejar. Os colegas de trabalho também são ótimos. O que mata é a área em que atuo (varejo farmacêutico) e a carga horária exaustiva.

    • Lembra aquela carta aberta que a Sally fez pra gente enviar pra chefia? Pois eu enviei pro meu! Foi muito bom lavar a alma.

    • Hj tenho um sim. Hj eu não falaria porque o que me faria mudar de empresa seria um cargo melhor ou atividades melhores, não ficaria por um salário maior.

      Já tive chefes tão bons e tão legais que abri essas informações logo no primeiro contato, até porque eram pessoas mais experientes que eu gostava de ouvir feedbacks e conselhos… Uma vez, inclusive, um deles me disse que era melhor para a minha carreira que eu aceitasse a proposta, que onde eu estava não teria como crescer. Eu fui e a empresa antiga foi vendida, minha área acabou ficando em um lugar horrível. Ele já sabia e sem me falar, me ajudou pra caramba.

      E sobre leilão de salário, da mesma forma que pode soar meio anti ético, tem lugares que tem bugdet diferente para quem tem proposta de fora… Dependendo do caso vale a pena sim…

  • Quando mudei de emprego, não abri a boca um dia sequer na antiga empresa para mencionar a proposta que havia recebido. Apenas falei que estava de saída no ato que pedi formalmente a demissão, agradeci a oportunidade e etc. Tchau. Já um ex-colega meu resolveu divulgar, como se estivesse falando “a empresa tal está me fazendo uma proposta de tantos reais a mais, e aí, vai me segurar?”…é realmente como se ele estivesse usando a proposta para pressionar a gerência a reconhece-lo. Resultado: o chefe sequer fez contraproposta, deixou o cara ir e deu! Adiantou alardear “alôôô, vão me roubar da sua empresaaaaa!!”?

  • Eu não falo nada, ninguém tem nada que ficar sabendo as propostas que recebo. Se eu decidir sair e me perguntarem aí eu falo o motivo, se fizer uma proposta melhor eu analiso, mas podendo evitar eu evito.

  • Nunca passei por essa situação. Entretanto, tenho certeza de que agiria como a Sally. Não apenas por achar mais honesto, sem chantagens do tipo: “Olha que eu vo-ou!”, “A outra me acha mais especia-al!”, “Olha o que você pode perde-er” e sem clima de leilão estilo: “Quem dá mais?”, mas, acima de tudo, por ser mais seguro. Que garantias temos de que o chefe vai agir de forma profissional e racional e não vai ficar magoadinho??? Nenhuma. Talvez, pelo contexto em que eu esteja, percebo muito mais passionalidade do que racionalidade nas pessoas ao meu redor, inclusive entre aquelas que possuem negócios de sucesso, bons cargos e respeitabilidade no mercado.

    Além disso, propostas mais vantajosas podem funcionar como “canto da sereia”, uma vez que não temos conhecimento profundo das dificuldades de trabalhar na outra empresa. Ademais, temos que lidar com o risco de, no meio da negociação, a concorrente mudar de ideia. E se o chefe atual disser: “Vai mesmo.” e a outra empresa desistir de nos contratar??? Acontece. Muito. Chefes são pessoas. Não são cães leais, previsíveis e confiáveis.

    E, ainda que o chefe atual cubra a proposta anterior, será que a confiança dele em nós não será abalada. Será que não vai pensar mais vezes antes de dar uma promoção?
    Acho que devemos decidir sozinhos e comunicar aos superiores apenas quando a decisão de sair for definitiva.

    Um colega meu, engenheiro civil, recebeu a proposta de trabalhar em uma Construtora concorrente ganhando um pouco mais, mas sendo o engenheiro responsável por chefiar a equipe que faria uma obra de construção de um grande supermercado. Ele se sentiu especial, valorizado e tentou negociar um cargo melhor na empresa atual, mas os chefes dele não gostaram, acharam que ele estava sendo imaturo ao tentar se valorizar pela valorização da proposta da concorrente. Ainda mais porque a concorrente era bem menor.

    Meu colega se sentiu desvalorizado e pediu demissão. Foi para a outra Construtora e, um ano depois, tentou voltar para a antiga. O problema é que o supermercado não deu certo. O projeto não saiu do papel. Meu colega acabou tendo que trabalhar durante meses em pequenas reformas. Um ano depois, ele tentou voltar ao antigo emprego. Os chefes anteriores não o aceitaram de volta.

    Sim, quem não corre riscos não consegue nada na vida.
    Sim, quem tem coragem tem tudo.
    Sim, poderia ter dado certo.
    Mas acredito que se ele tivesse apenas saído e dito: “Olha, eu gosto muito de trabalhar aqui, mas recebi uma proposta mais vantajosa da empresa tal e por esse e esse motivo decidi que é melhor para mim”, sem ficar negociando e dizendo que era “mais especial do que vocês imaginam” teria sido mais fácil, inclusive, para voltar depois.

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