Trabalhoso.
Ainda com a memória de muitos fresca das últimas festas corporativas, Sally e Somir debatem sobre quão reprovável é uma pessoa ficar bêbada num desses eventos. Os dois concordam que é, mas com graus de punição diferentes. Os impopulares confraternizam (ou não).
Tema de hoje: quem fica bêbado e dá vexame em festa de empresa deve ser demitido?
SOMIR
Não. Meus textos recentes sobre o Carnaval não me pintam como um defensor da embriaguez alheia, e mantenho: não tem nada de bonito em encher a cara, ninguém deveria ter orgulho disso, nem mesmo a sociedade deveria romantizar o que é basicamente abuso de substância entorpecente. Dito isso, é importante sermos realistas: a pessoa não veio trabalhar bêbada, ela consumiu álcool na festa que a empresa deu. E isso faz toda a diferença.
Empresas têm culturas. E não estou falando de papo furado de RH sobre valores corporativos de ética, diversidade ou cuidado com o meio-ambiente, estou falando sobre a cultura verdadeira de um ambiente de trabalho: a soma das personalidades de quem trabalha ali aliada ao grau de tolerância da chefia com comportamentos problemáticos.
Por exemplo: Sally e eu temos prioridades claras sobre saúde (física e mental) além de cuidados com a família e pessoas queridas acima de dinheiro. Quando trabalhamos juntos, levamos essas prioridades como cultura da empresa. Se eu ou ela tivermos qualquer problema nesse sentido, sabemos que o outro vai entender essa prioridade, reduzindo as cobranças e tentando assumir o trabalho quando possível. Se tudo der errado em algum momento e nós dois tivermos que abrir mão de ganhar dinheiro para lidar com uma dessas prioridades, está tudo bem. É a nossa cultura.
Uma empresa que dá uma festa para os funcionários com bebida alcoólica está demonstrando sua cultura: a de que bebida alcóolica não é um problema nas relações profissionais, pelo menos naquele contexto de confraternização. Se você não tolera gente bêbada, sirva suco e refrigerante.
E sim, eu sei que ter bebida disponível não obriga ninguém a se embebedar, mas vamos ficar fazendo esse joguinho besta de “tecnicamente”? As pessoas bebem cerveja porque adoram o gosto amargo? Se o álcool não fosse parte integrante da graça de beber, toda cerveja poderia ser zero, não? O álcool é usado para reduzir inibições desde que o ser humano aprendeu a fermentar grãos.
A regra não-escrita sobre bebida em festas é que as pessoas vão se embebedar o suficiente para se soltar, mas não o suficiente para dar vexame. Essa é uma regra estúpida, porque organismos são diferentes, e muitas vezes o mesmo organismo reage diferente de acordo com o contexto. Alguém que se alimentou mal pode ficar bêbado muito mais rápido, alguém que tem pouco costume (e tolerância) idem. O simples fato de colocar bebida alcoólica numa festa de empresa gira essa roleta de reações fisiológicas.
Aí eu acho muita cara-de-pau da empresa demitir alguém por algo que incentivou a fazer. Sim, ninguém mandou a pessoa a beber até vomitar e dançar Macarena em cima da mesa (não necessariamente nessa ordem), mas quem colocou bebida ali topou correr o risco. Se topou correr o risco, beber é parte da cultura da empresa.
E aí eu sou muito mais radical: se alguém ficar bêbado e dar vexame na confraternização, quem tem que ser punido é o gestor que permitiu isso. Ele escolheu essa cultura empresarial, ele que arque com as consequências. Se o seu evento empresarial é tão ruim ao ponto de precisar de gente bêbada para tolerar, não era para ter um evento empresarial para começo de conversa, não? A pessoa foi forçada a participar daquilo (porque quem dá festa de empresa sempre diz que não é obrigatório mas coloca quem não vai na frente da lista de demissões) e ainda recebeu autorização tácita para se embebedar com a disponibilidade de bebida alcoólica.
Chega dessa ilusão que bebida não é droga. É sim. É legalizada, só isso. Se a gente estivesse discutindo se a empresa deveria demitir funcionário que ficou muito louco depois de cheirar cocaína providenciada pela empresa numa festa, estaríamos discutindo a culpa do funcionário ou de quem tomou a decisão de oferecer cocaína para o funcionário? É de amplo conhecimento o efeito do álcool no ser humano. Não é uma surpresa que pessoas fiquem bêbadas num lugar que oferece bebidas alcoólicas, oras!
Se o seu evento corporativo não se sustenta sem bebida, não realize o evento. Não é difícil, é? Deixa o povo sair mais cedo, dá um vale para o pessoal ir num bar por conta própria, mas não traga bebida alcoólica para dentro do seu ambiente profissional. Festa organizada pela empresa é baseada na cultura da empresa. Se não pode encher a cara durante o trabalho normal, não pode encher a cara em confraternização da firma.
E se por um acaso você achar que ficar bêbado e dar vexame numa festa não é nada demais, direito seu. Se a sua empresa também acha isso, fica mais fácil ficar do meu lado da discussão: oferecer bebida foi uma escolha, a pessoa bêbada foi a consequência. Vida que segue. A cultura da empresa se mantém consistente se não demitir quem aprontou depois de ficar inebriado. Se pode, pode. Se tem regra de onde pode ficar bêbado, ela pode ser seguida de forma contínua.
O que não me faz sentido é demonstrar uma cultura de leniência com embriaguez num ambiente que ainda é corporativo e depois demitir quem acabou bebendo demais numa festa. Ou pode ou não pode. Os gestores têm obrigação de definir isso. Não foi a Fada da Pinga que enfeitiçou o funcionário do nada, foi o resultado direto da decisão de oferecer bebidas alcoólicas na festa da empresa.
A pessoa no cargo superior ganha mais e ganha mais porque tem mais responsabilidades. Se um funcionário comete um erro que não cometeria normalmente com base na decisão de seu gestor, o gestor que fez algo errado. Se o evento só tinha guaraná e o funcionário trouxe uma garrafa de uísque escondido e terminou o evento vomitando para tudo quanto é lado, é claro que eu concordo com a demissão, mas esse nunca é o caso. A bebida sempre é disponibilizada pela empresa, e se isso acontece, o funcionário só pode ser culpabilizado muito depois dos gestores responsáveis por permitir bebida alcoólica no evento terem sido punidos exemplarmente.
Já estou de saco cheio dessa atitude negacionista sobre o álcool: todo mundo sabe o que acontece quando pessoas bebem. Não tem desculpa para ser pego de surpresa a não ser que você tenha uns 12 ou 13 anos de idade. Adultos tem que saber as consequências, e a responsabilidade de quem oferece o ambiente onde o consumo de álcool é permitido precisa ser considerada.
Não quer lidar com gente bêbada? Não mantenha álcool próximo da sua vida. Quando você aceita a cultura da bebedeira, aceita o que vem com ela. Eu não sou abstêmio nem nada, não quero proibir bebida, só estou dizendo que não existe surpresa nessa história. Ou você assume o risco, ou não assume.
E quem deu festa de empresa com bebida assumiu o risco. Não admiro o bêbado da confraternização, mas ele estava só seguindo a cultura da empresa. Não quer mais isso? Mude a cultura da empresa.
Para dizer que é a defesa mais estranha de bêbado que já leu, para dizer que as pessoas exageradas estragam tudo para as comedidas (bem vindo ao mundo real), ou mesmo para dizer que estaria tão bêbado junto que nem lembraria: somir@desfavor.com
SALLY
Um funcionário que bebe e dá vexame em uma festa da empresa deve ser mandado embora?
Sim. Ter postura faz parte dos requisitos essenciais para o que eu considero ser um bom funcionário. E beber e dar vexame não é ter postura.
Imagino que a maior parte discorde de mim hoje, afinal, a situação já foi normalizada no Brasil: é inerente a uma festa da empresa um funcionário bêbado que dá vexame. Todo mundo ri, faz piada, fala mal por trás e não passa disso. Mas, o fato de ser normalizado não quer dizer que não seja grave.
Na casa, entre quatro paredes, a pessoa faz o que quer (desde que não seja proibido por lei). No ambiente profissional não. E qualquer evento da empresa, até mesmo uma festa, é um ambiente profissional. Se a pessoa é animalesca o suficiente a ponto de não manter a postura em um ambiente profissional, a empresa é igualmente animalesca por tolerar isso. E sim, quase todas são, o que não é novidade… quase todas as empresas brasileiras são geridas por idiotas.
Sempre que essa situação se apresentou na minha vida vinha um infeliz com o argumento de “mas se ele for um bom funcionário, não vale a pena demitir”. Deixa eu te contar um segredo que vai te poupar muita dor de cabeça no gerenciamento de pessoas: não é apenas a qualidade técnica que faz de alguém um bom funcionário. Esse é apenas o mais básico dos requisitos.
Um bom funcionário também tem comprometimento, senso de sacrifício, ética, maturidade emocional, pontualidade e postura. Se faltar qualquer um desses, não é um bom funcionário. Acha que eu estou sendo exigente demais? Boa sorte investindo, treinando, capacitando e gerenciando pessoas que não sejam bons funcionários. O tempo é o senhor da razão.
Não se trata de uma opinião pessoal minha. Não como se eu, Sally, achasse que quem bebe e dá vexame em ambiente de trabalho é problema. Estamos falando da forma como o mercado funciona, concorde você ou não com isso. Para que uma empresa se mantenha de pé, financeiramente saudável, produtiva e competitiva, seus funcionários têm que estar no seu melhor rendimento e comportamento.
Percebam que temos dois requisitos na premissa de hoje: 1) se embebedar e 2) dar vexame. Quer beber? Se conhecer seus limites e for uma pessoa digna, vá em frente. Mas se beber e der vexame, está provando que não tem discernimento e, francamente, a última coisa você quer é uma pessoa que não tem discernimento trabalhando com você. Elas custam caro, em algum momento sua falta de discernimento afeta o trabalho.
Se a pergunta feita hoje fosse “você contrataria ou manteria um funcionário que não tem discernimento?” todo mundo responderia que não. Mas como a pergunta veio revestida de uma alegoria que é normalizada no Brasil, custa mais para chegar a essa conclusão.
Existem limites necessários para que as coisas funcionem bem – e não fui eu a inventá-los, eles se mostraram necessários após anos, décadas, séculos de problemas. Existem razões para que normas (escritas ou tácitas) existam. Quem quiser que pague de desconstruidão e tente a sorte sem elas, mas se você não for um Elon Musk com um pai rico que banque isso, já te adianto que as chances de dar errado são enormes.
Se você for muito jovem, pode ser que ainda acredite que a falta de discernimento é compartimentada: a pessoa pode não ter discernimento e dar vexame por bebida em ambiente de trabalho, mas na hora de trabalhar ela vai se comportar de forma adequada. Permita-me lhe poupar tempo: isso não existe. A pessoa que não tem discernimento, vai lhe faltar com o discernimento a qualquer momento, inclusive nos mais cruciais.
“Mas Sally, você é muito exigente, agindo assim nunca vai conseguir trabalhar com ninguém”. Ah, o sem-discernimento que crê que todos são como ele, uma espécie fascinante. Vamos conversar sobre o mercado de trabalho brasileiro? Tem uma tonelada de pessoas desempregadas desesperadas para trabalhar, muitas delas com currículo muito melhor do que o cargo exige.
Então, NÃO, eu não estou sendo muito exigente, quando o mercado é concorrido, o funcionário tem que correr atrás e ser o seu melhor ou se adaptar a aquilo que a empresa quer, se não, tem outros duzentos que toparão fazê-lo. Portanto, não, não é impossível encontrar funcionários que não se embriaguem e protagonizem vexames em ambiente de trabalho. É bem possível – e altamente recomendável.
Não entendo por qual motivo o trabalhador brasileiro se acha esse floquinho de neve especial que merece um desconto, uma vista grossa, uma tolerância para com erros comportamentais. Se eu estivesse no Brasil, faria um esforço ainda maior para entregar todo dia o meu melhor, pois saberia que tem outras mil pessoas querendo a minha vaga, muitas delas dispostas a trabalhar por um salário menor e muitas outras com mais qualificação do que eu.
Hora do choque de realidade: por mais que seja tolerado, é errado se embebedar e dar vexame em ambiente de trabalho. É falta de discernimento e pessoas com discernimento pobre certamente vão dar prejuízo e/ou dor de cabeça para a empresa e para o gestor. É uma péssima escolhe manter esse tipo de funcionário na sua equipe e manda uma mensagem muito errada para todos.
Funcionário não é amigo. Eu certamente relevaria isso em uma amizade, mas quando se está gerindo pessoas, seus sentimentos, achismos e convicções pessoais tem que ser deixados de lado e se deve agir buscando o melhor interesse da empresa. O que é melhor para a empresa: manter um funcionário sem discernimento ou contratar outro até mais qualificado e que se comporte de acordo?
Para dizer que Deus te livre de um dia trabalhar comigo, para dizer que seu chefe bebe e dá vexame portanto ele não tem moral para reclamar ou ainda para dizer que alcoolismo é uma doença (pois que a pessoa se trate então): sally@desfavor.com
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Etiquetas: bebida, comportamento, festas, mercado de trabalho
Anônimo
Tive um chefe que não era lá muito fã de festas na empresa, nem pra confraternizações de final de ano, mas que as tolerava por causa dos seus outros dois sócios, que não viam problemas como esse tipo de coisa, e dos funcionários, que reclamariam se certas datas passassem em branco. Só que esse chefe, apesar de “tolerante”, também era muito rígido e, se alguém passasse da conta com a bebida e fizesse merda numa festa, ia pra rua na hora, sem choro nem vela.
Sally
Ele não era muito rígido, ele era normal. O normal é não tolerar vexames em ambientes da empresa. Mas como o Brasil é um grande puteiro coberto por vegetação por todos os lado, pode tudo.
Maya
Concordo com o Somir.
Inclusive, parar de beber álcool foi uma das melhores coisas que fiz por mim, mesmo que eu bebesse sempre com moderação
Anônimo
Não bebo, álcool engorda. Mas se a empresa não quer ninguém bêbado deveria servir só suco, água e refrigerante nas festas. Pra que open bar de álcool? Já vi servirem até Everclear!
Sally
Jura que essa é a sua solução? Se não quer que fiquem bêbados que não sirva bebida? A possibilidade de pessoas beberem socialmente sem dar vexame não existe? Por alguns não saberem se portar todos tem que ser punidos?
Torpe
Concordo com Somir. Apesar de não beber em eventos profissionais, é ingenuidade achar que esse povinho infantil sabe lidar com bebida, independente do ambiente.
Paula
Eu gosto de algumas bebidas alcoólicas, mas não gosto da sensação de estar bêbada e nem me sinto segura se passar de um ou dois drinques. Quando saio com meus colegas de trabalho, tomo mais cuidado ainda. Acho chato que digam que preciso relaxar e me soltar mais, mas a verdade é que colega/chefe é só isso… colega/chefe. Mesmo se acabar fazendo amizade, confraternização de trabalho não é bem o contexto ideal pra beber demais. Aliás, beber demais nunca é ideal em contexto algum.
Sally
Sim, concordo totalmente. Beber demais, principalmente para nós, mulheres, que somos fisicamente mais fracas, é se colocar em um risco desnecessário. Mas tem gente que adora se foder, se machucar, sofrer abuso, para depois ficar na posição de vítima.
Anônimo
Primeiro que festa de empresa nem é pra ir! Onde trabalho fazem uns churrascos, vai coordenador, vai gerente, juntos com os funcionários, eu acho muito errado. Pra mim trabalho é só no horário comercial e depois não é nem pra ter contato. Até grupo do zap eu saí. Sempre dá merda e depois mancha a imagem na empresa. O povo tem que entender que colega não é amigo.
Sally
Concordo 100%. Festa de empresa deveria ser opcional (na maior parte das vezes tem consequências indiretas não ir).
Anônimo
Também concordo. E se não fosse por esse “detalhe” de que “na maior parte das vezes tem consequências indiretas não ir”, eu jamais me prestaria a tomar parte nesse tipo de coisa. Vou, mas sempre me portando da forma mais discreta possível. E, durante o expediente eu cumpro com minhas obrigações, colaboro pra empresa crescer (porque assim, de alguma forma, minha carreira também cresce junto) e não me nego a ajudar um colega em dificuldades, mas pára por aí. Ou, como disse o Anônimo aí de cima, “o povo tem que entender que colega não é amigo”.
W.O.J.
Ajo da mesma maneira, Anônimo. Se pudesse, eu não iria nunca, porque “eventos” desse tipo geralmente são um pé no saco e não têm absolutamente nada a ver comigo; mas há momentos em que não há como escapar, por causa das tais “consequências indiretas” de que a Sally falou.