Ganhando o dia.

Muito se discute a possibilidade de uma semana de trabalho de quatro dias no mundo, dando um dia a mais para as pessoas usufruírem como acharem melhor. Sally e Somir gostam da ideia, mas na hora de escolher o dia livre, não trabalham na mesma equipe. Os impopulares folgam.

Tema de hoje: se a semana de quatro dias for adotada, qual dia você preferia não trabalhar?

SOMIR

Quarta-feira. Eu deveria ser o ditador do mundo (desde que eleito, é claro) porque penso fora da caixa. Todo mundo vai pensar em segunda ou sexta, porque adiciona mais um dia de descanso. Mas eu estou indo além, eu estou sugerindo quarta-feira porque não é só de descanso que as pessoas estão precisando, é de tempo.

Tem tanta gente com burnout e diferentes níveis de estresse no trabalho não porque dois dias de descanso são pouco, mas porque falta tempo de tocar o resto da vida. Historicamente, o ser humano não tinha essa loucura de trabalhar 8 horas seguidas cinco dias por semana, isso foi uma invenção de Henry Ford no começo do século passado.

No passado, e estou dizendo passado bem distante mesmo, o ser humano trabalhava sem horários muito bem definidos, em blocos de uma ou duas horas de esforço e pelo menos meia hora de descanso. No dia que estava tudo tranquilo em casa e na plantação, trabalhavam umas duas horas, no dia da colheita ou quando tinham que resolver problemas na vila, por exemplo, podiam trabalhar o dia todo.

Sem ninguém cagando regra sobre produtividade, as pessoas usavam o dia para fazer várias coisas, inclusive trabalhar. Se você estava perto de casa o tempo todo, podia trabalhar para terceiros e cuidar das suas coisas sem muita dificuldade. É claro que o mundo mudou, as funções mudaram, os deslocamentos mudaram, as expectativas de trabalho mudaram.

Mas o ser humano ainda é o ser humano. Essa coisa de trabalhar para o outro para comprar sua comida é uma invenção nossa, e até que recente. O nosso foco é cuidar da própria vida e eventualmente ajudar os mais próximos. É muito por isso que eu acredito que a quarta-feira seja o dia ideal para ficarmos livre do trabalho externo.

É um dia psicologicamente perfeito para trabalhar na própria vida. Dia de ir ao médico, de faxinar a cozinha, de resolver problema no banco… coisas que você tem que fazer durante a semana sem ter tempo, ou jogar no final de semana perdendo seu descanso. A maioria das pessoas não se incomoda em trabalhar, tanto que o mundo ainda está funcionando.

O grande problema que eu enxergo é falta de tempo para fazer o trabalho que a vida pessoal exige. Se o seu final de semana tem um monte de problemas acumulados da semana, ou você perde tempo de descanso e socialização, ou fica com uma sensação de culpa que vai se acumulando até explodir num transtorno mental. Com a quarta-feira do “trabalho pessoal”, você vai chegar no final da jornada de sexta muito mais livre para usufruir do final de semana.

Se vamos encurtar a semana de trabalho, o que eu realmente acho que merecemos pelo aumento exponencial de eficiência que tivemos em pouco mais de um século, que façamos isso para aumentar a nossa capacidade de cuidar de nós mesmos, porque é isso que está faltando nos nossos horários apertados do mercado de trabalho atual.

O dia livre no meio da semana é um alívio das responsabilidades externas e um tempo para você continuar produtivo, mas para você. Dois dias de trabalho seguidos são excelentes para se manter produtivo, e você vai ter dois desses blocos toda semana. Não seria um dia de balada (não obrigatoriamente) ou de ficar na cama, seria um dia seu, para trabalhar em você. Se o dia vago ficar colado no final de semana, só aumentamos o final de semana… e não estamos vendo como ele não resolve os problemas psicológicos causados pelo trabalho moderno?

Vamos tentar algo diferente, vamos pensar mais em cuidar da vida pessoal e menos em descansar do trabalho, gente que está com o resto da vida funcionando não sofre tanto com esforço. É complicado esperar que toda a humanidade tenha um trabalho que realmente ame, boa parte das pessoas vai apenas cumprir suas obrigações para ter o resto do tempo livre.

Tem gente que gosta do seu trabalho, tem gente que gosta de ter dinheiro para fazer o que quiser depois do trabalho. E podemos viver bem com os dois tipos de pessoas numa sociedade. O dia de folga bem no meio ciclo de trabalho normal dá tempo para ambos os grupos cuidarem de coisas que precisam de manutenção e usufruir do final de semana para coisas mais prazerosas. Sábado e domingo ficam mais gostosos quando você não está com mil coisas atrasadas da semana.

Gente parada não fica com a saúde mental melhor. Não é um dia a mais com “obrigação de relaxar” que vai resolver o problema, é limpar a agenda de obrigações e dar a sensação de estar fazendo algo para a própria vida que vai. O ser humano precisa de mais propósito. Aumentar o final de semana mantém a vida dividida entre construção pessoal e ganhar dinheiro. Colocar esse respiro no meio da semana é um incentivo a colocar energia no que é seu.

Porque precisamos colocar muita energia na vida pessoal, na nossa casa, nas nossas relações e interesses. O ser humano do passado trabalhava uma hora e ficava papeando com os colegas meia hora. A revolução industrial criou uma mentalidade doentia de produção que quase matou o espírito humano e deu base para ideologias como o comunismo. Paramos com aquela insanidade de trabalhar feito robô 18 horas por dia até morrer, mas ainda tem um ranço de “dedicar a vida ao lucro alheio” que não desce bem com a maioria de nós, mesmo que inconscientemente.

Aumentar o final de semana é mais do mesmo, colocar um dia de trabalho pessoal no meio da semana é corrigir mais um pouco da loucura que foi fazer o ser humano deixar de cuidar da sua vida pessoal para trabalhar para os outros. Você vai acabar saindo do final de semana de três dias frustrado por estar com a mentalidade errada. As pessoas não vão entender a função de um dia a mais, não para descansar e descontrair, mas para fazer seu descanso e descontração mais valiosos.

E se você quiser ficar dormindo, bebendo ou sei lá o que na quarta-feira, tudo bem. O dia é livre mesmo. Mas eu realmente acredito que estar no meio da semana vai criar um clima psicológico perfeito para as pessoas trabalharem nelas mesmas.

O que, no final das contas, é o que mais faz falta no mundo moderno.

Para dizer que eu deixei folga uma coisa chata, para dizer que não vai votar em mim para ditador, ou mesmo para dizer que tinha é que tirar um dia de folga dessa gentalha: somir@desfavor.com

SALLY

Se você tivesse uma semana de quatro dias, que dia escolheria para não trabalhar?

Segunda-feira. Pior dia da semana para mim.

Eu sei que muita gente escolheria sexta-feira, por ser o dia da semana que a pessoa está mais cansada, após quatro dias de trabalho, mas para mim é mais difícil retomar depois de um descanso do que continuar trabalhando quando já estou no embalo.

E Somir que me desculpe, mas quarta-feira seria minha última opção: essa abominação criaria duas segundas-feiras na semana, ou seja, dois dias de retorno após descanso. Para mim esse é o pior cenário.

Óbvio que isso não é uma regra, é apenas o que funciona melhor para mim: dois dias não me bastam para me recuperar da minha semana. O retorno, na segunda, ainda é um retorno cansado. Um dia a mais de descanso me faria retornar com muito mais produtividade.

Talvez para quem passe seu final de semana na horizontal ou para quem não tenha nenhuma obrigação a cumprir, dois dias bastem. Via de regra, eu ainda tenho bastante coisa para resolver no final de semana. Se olhar bem de perto, eu devo ter apenas umas 12h de real descanso nesses dois dias.

Quando você mora numa casa (e efetivamente cuida da casa, parte de dentro e parte de fora), você sabe que final de semana é dia de cortar grama, de cuidar das plantas, de lavar roupa, de trocar roupa de cama, de trocar toalha, de fazer tudo aquilo que poderia ter sido feito durante a semana, mas não deu tempo.

Quando você tem um cachorro (e efetivamente cuida dele) sabe que é no final de semana que você acaba tosando, dando banho, passando um tempo de qualidade com ele e, no meu caso, por ter sido abençoada com um cão atópico, também preparando a comida da semana seguinte para ele, pois ele não pode comer ração.

Basicamente, final de semana é o paraquedas reserva, para quando o oficial não abre, ou seja, é o plano B para quando imprevistos durante a semana impedem que você cumpra seu cronograma até o final. Pode ser compra de supermercado, pode ser se exercitar, pode ser pagar uma conta, podem ser obrigações das mais diversas naturezas que ficaram para trás, soterradas pelo urgente da semana.

É muito difícil ser perfeito cinco dias seguidos. É bem difícil que em cinco dias não exista um imprevisto. Então, a regra é que fatalmente alguma atividade não atendida da semana recaia no final de semana.

“Mas Sally, o erro está em você, você está fazendo muita coisa”. Eu aceito essa crítica se a pessoa que criticar estiver com a vida pelo menos nota 9. Está dormindo bem, oito horinhas por noite ou perto disso? Está se exercitando de forma adequada (uma hora por dia três vezes na semana, como mínimo) para ter saúde? Está com seu trabalho em dia, tudo entregue, em um patamar de excelência que te coloca acima da média? Está cultivando relacionamentos significativos, profundos e verdadeiros? Está dando o melhor cuidado a quem você tem que cuidar? Está comendo comida minimamente saudável, ou seja, comida feita em casa com bons ingredientes? Está dedicando uma parte do seu dia (todo dia) a cuidar da sua saúde mental?

Se sim, aceito sua crítica. Se não, desculpa, mas não sou eu que faço muito, é você quem faz pouco.

Dificilmente a vida moderna, no pé em que está, permite que uma pessoa viva de uma forma minimamente decente comprometendo apenas cinco dias da semana. Talvez existam pessoas que conseguem (principalmente aqueles cuja profissão é ser herdeiro). Para mim não dá. E como não dá, como parte das minhas tarefas, obrigações, autocuidado ou trabalho transborda para meu final de semana, eu preciso de um final de semana maior.

O final de semana, ou seja, dois dias de descanso, não existe por acaso. Há estudos que comprovam os benefícios de se relaxara por um período de tempo seguido. É mais benéfico para o corpo passar sábado e domingo sem trabalho que que trabalhar segunda e terça, parar na quarta, trabalhar quinta e sexta e parar no sábado, por exemplo.

O benefício do repouso é “acumulável”, ou seja, quanto mais tempo seguido em repouso você fica, melhor se repõe. Repouso picotado não faz muito pela sua saúde. É como 8 horas por dia, porém de forma picada, acordando uma hora, dormindo na outra. Então, eu adoraria ter uma segunda-feira não trabalhada para estender meu repouso por mais 24h.

Também seria útil para resolver todas as pendências “de rua” e “em horário comercial” logo no primeiro dia da semana, de modo a começar a semana com paz de espírito, com todas as burocracias concluídas. Sim, eu sou dessas que sente paz quando adianta tarefas.

E, como brinde, ainda viria o efeito moral de tornar minha tarde/noite de domingo um belo sábado, sem a preocupação com a semana que vai começar, sem o planejamento de dormir cedo pois no dia seguinte não posso dormir até tarde, sem a sensação de que o final de semana passou e eu ainda preciso de mais descanso.

Podem me chamar de maluca: domingo à noite eu não quero que o final de semana acabe, mas, quando tem feriado na segunda, na segunda à noite eu já sinto falta de voltar para o trabalho. Três dias seriam a medida justa para me fazer sentir falta e querer voltar a trabalhar.

Se não for três dias seguidos eu juro que prefiro ficar com uma semana de cinco dias laborais, um intervalo no meio da semana bagunçaria minha vida mais do que ajudaria.

Para dizer que nunca sentiu vontade de voltar a trabalhar (hora de procurar algo que você realmente ame), para dizer que deveriam ser cinco dias de descanso e dois de trabalho ou ainda para dizer que você escolheria a sexta-feira: sally@desfavor.com

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Comments (20)

  • Sally, pegando sua visão, mesmo que o dia não trabalhado fosse na quarta, não seria compensador para você? Pois aí você poderia resolver as pendências de segunda/terça e adiantar coisas da quinta/sexta neste dia e usar sábado e domingo ou ao menos mais horas do sábado e domingo para efetivamente descansar.

    • Não, pois desregula todo meu sono: acordaria tarde na quarta e teria extrema dificuldade para dormir cedo e acordar cedo na quinta, o que significa que passaria minha quinta-feira morrendo de sono e com baixa produtividade…

      • Eu tive essa experiência péssima justamente nesse feriado do dia 2: foi horrível ter acordado um pouco mais tarde na quinta feira, e ter que acordar mega cedo na sexta de novo. Não recomendo! Quebrou a rotina assim de tal maneira que to sentindo o baque até agora…

  • Eu sou a favor de dois dias de folga fixos e um variável, padrão rodízio. Se for o mesmo dia pra todo mundo, não daria pra ir a médico, banco, etc. Seria uma semana com dois domingos, o dia mais cagado da semana, pois está tudo fechado e o clima é de ressaca.

  • Segunda-feira parece interessante. É um dia que a gente tem que retomar o trabalho de qualquer forma, correto? Acho interessante que ainda funcionaria como um dia pra avisar o corpo e a mente que o fim de semana acabou, mas ainda assim um dia dedicado às nossas tarefas pessoais: cuidar da casa, ir no médico, levar o carro pra revisão, entre outras coisas que não temos tempo, e não tem como resolver remotamente, como banco, por exemplo.

  • Eu já trabalhei por um ano no esquema 4 dias com 4a feira de folga e era perfeito. A maioria dos meus colegas, incluindo eu, resolvia coisas do dia a dia, tipo ir no banco, consertar uma roupa, supermercado, além de relaxar (praia, cinema) e a quebra no meio da semana era muito bom para o psicológico também. 2 dias trabalhando, pausa, 2 dias mais de trabalho e final de semana. Saudades dessa vida.

  • Vocês ai discutindo semana de 4 dias de trabalho enquanto fora da bolha dos hipsters a realidade é de gente que trabalha com apenas uma folga na semana, em esquema 12×36 ou 24×72 ou em muitos casos em condições análogas ao sistema 996 ou até piores.

    E muitos daqueles que levam uma vida workaholic estão precarizados, vivendo na condição de prestadores de serviço autônomos ou na condição de microempresários, sendo que sacrificam muito de seu tempo útil em nome de um ganho melhor no correr do mês.

    • Nós discutimos TUDO.
      TUDO
      Fezes, urina, nazismo, física quântica, o gosto do pimentão.

      O fato de existirem pessoas em condições ruins nos impede de discutir por qual motivo?
      Vai militar na puta que pariu, doente mental!

    • Acho fascinante essa ideia de quem acha que, se Fulano não trabalha mais de CLT, está “precarizado”. Todas as pessoas que eu conheço que saíram do regime CLT pra empreender passaram a ganhar muito mais. A única questão é que a vida fácil e o salário certo acabam ali. Mas dizer que empreendedores estão “precarizados” é uma besteira sem tamanho

  • Essa proposta de três dias (sobretudo os seguidos) teria um complemento ideal se fosse permitido trabalhar em horários alternativos, por exemplo, das 6h-14h ou das 12h-20h (nesse caso ajudava a prolongar o fds por meio período), a fim de ter durante os dias úteis um horário livre do trânsito e da chuva, dependendo da época do ano, para realizar algo para si ou para alguma tarefa extra sem comer tempo do fds).

    Passei quase 10 anos trabalhando nesses dois horários propostos (até quando veio uma chance de ganhar mais no horário convencional), o que me fez indagar da utilidade de fazer praticamente todos, sem distinção de essencialidade do trabalho, serem submetidos a uma mesma jornada na faixa dentre 8h-18h…

    (Só não recomendo turno noturno, porque desde quando fiz isso com meus vinte e poucos anos, minha saúde nunca mais foi a mesma…)

  • Somir é muito otimista e romântico. Até parece que o povo vai usar a quarta pra resolver pendências ou trabalhar em si mesmo… Eu bem que preferiria segunda ou sexta mesmo. 3 dias direto sem fazer nada relacionado ao trabalho, seria meu sonho de princesa!

  • Concordo com o Somir. Quatro dias diretos de trabalho ou 3 dias diretos de feriados é demais, um dia livre no meio da semana é o equilíbrio perfeito.

    Será que esse sistema rende um desfavor explica? Queria entender melhor, porque DUVIDO que vão implementar isso em escolas e creches. E como ficariam serviços essenciais?

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