Dois de Setembro.

Dois de Setembro, hoje é dia de festa na República Impopular do Desfavor! Eu quase comecei a frase com um número… número, ao invés do escrito. Mas aí eu lembrei que isso era errado, alguma regra de gramática. Ou será superstição? Vai ver começar frase com número dá azar. Você coloca ele ali e frase se escaralha inteira, abriu Machado de Assis, fechou Paulo Coelho. É foda. Do que eu estava falando mesmo? Ah é, hoje é dia do nosso Poeta Eterno, Rogério Skylab. Impopular é comemorar!

Não, não estou imitando ele não. Não consigo, e para o que restou da minha sanidade, nem quero. Deixa o Skylab ser Skylab, ele já comprou essa briga quando nasceu. Eu não. Problema dele, entendem? Simpatizo, porra, simpatizo muito, mas imagina? Não, eu não. Sou da opinião que o mundo está muito melhor quando cada um fica com o seu problema de ser confinado no próprio universo. Sabe gente que quer ser no espaço do outro? Você pode estar, mas nunca ser. Porra, eu estou num outro espaço, aquilo não me pertence, e pior, qual a graça de ser pelo outro?

Não é imitação mesmo. Sou eu sendo eu no meu espaço, nada mais natural. Todo mundo sabe que a Sally é fã dele, vai no show e tudo, mesmo com aquela gente esquisita. Eu nunca fui. Gente esquisita me deixa estranhado, eu me vejo demais nelas, sabe? Se eu por um acaso acabar num show de pagode, Zodraz me livre, eu estou seguro. Tem uma proteção natural de ver aquela gente normal no seu ambiente natural e se sentir um peixe fora d’água. Não tem espelho nenhum ali. Ver gente normal me faz sentir um espectador do Animal Planet, eu escuto o narrador descrevendo seus rituais e fico do outro lado da tela. Só eu gosto de me sentir desumanizado? Parece que você não está pactuando com as coisas grotescas que vê por aí. Eles fazem isso, mas eu não sou assim. Eu sou esquisito, e nesse contexto, ser esquisito me faz feliz.

Nunca fui no show dele. E se aquela gente esquisita for como eu? Já imaginou encontrar alguém que te entende? Digo, entende mesmo… aceitar muita gente aceita, mas entender? Porque eu não sei se vocês são esquisitos assim, mas você se pega muitas vezes falando apaixonadamente sobre o que não deveria fazer sentido para mais ninguém. Você foi tão fundo no tema que já depende de uma realidade paralela como contexto obrigatório. As caras que eu já vi… tem um ponto que se chega onde a linha entre racionalidade e loucura fica borrada demais até para você enxergar. Como é que eu vou saber se passei dela? Quem faz essa cara para você – um misto de confusão e pena – na verdade está te apontando a placa de pare. Não sei se é culpa minha ou dela que tenhamos chegado nesse ponto, mas pelo menos você sabe que ele está lá.

Imagina alguém que te entende? Meu medo é achar essa pessoa e ela saber exatamente do que eu estou falando. Isso é um perigo. A mente é infinita. Se ninguém te parar, como saber se você já não está no campo da insanidade? Aí você entra nesse mundo perdido de ideias descontroladas e não sabe mais qual o caminho de volta. Sabem qual o maior problema do louco? Ele não sabe que é louco. Você acha alguém que te entende, mas pode ser outra pessoa louca! E se calhar de você ser louco, está feita a merda: nenhum dos dois sabem, mas se entendem. Ser louco não é justamente não fazer sentido para mais ninguém? Se alguém te entende, você não acredita mais se disserem que você é louco. Eu penso demais nisso… tomara que nenhum de vocês concorde que é uma preocupação válida. Para o nosso bem.

Eu acho que gente esquisita precisa estar cercada por pessoas normais. Equilíbrio. Aliás, pensando bem… como é a vida de quem nunca foi chamado de esquisito? Quando me chamam disso, eu consigo entender onde estou, mesmo que seja afastado. É meio que um sonar de sanidade: você solta suas ideias no mundo, e se alguém te achar estranho por elas, dá para saber como são os seus arredores. Para a esquerda me acham conservador, para a direita liberal, por exemplo. Eu sei onde estou. Posso estar maluco, mas conheço a configuração do meu ambiente. E quem não tem isso? E quem só escuta ecos perfeitos das próprias ideias? A pessoa não tem como saber se foi ela ou outra pessoa que colocou aquilo no mundo, não tem posição. Não ficam perdidos não? Procurando por alguém que lhes diga que caminho seguir? Talvez isso explique muita coisa.

Mas hoje é dia de falar de Skylab. Um cara esquisito. Vou reforçar que isso aqui é tudo menos imitação. Pode ser uma homenagem, vá lá. O que eu sempre achei mais incrível sobre o que ele produzia e ainda produz é o que eu estou tentando fazer agora mesmo: deixar a ideia ser livre. Bobagem querer ser outra mente, bobagem eu querer escrever o texto que ele escreveria. Qual a graça disso? Tem um mundo inteiro querendo sair pela cabeça de cada um de nós, uma realidade que só nós enxergamos e que nos é única. Quem dá vazão para seu mundo interno enriquece o mundo alheio, mesmo que seja por uma loucura.

Não somos isso? Uma coleção de mundos em choque. Morcegos silvando na escuridão em busca de algum reconhecimento. Porra, pensando bem, isso está parecendo papo de maconheiro… eu devo ter me amaldiçoado só de ter pensado em começar com um número. Mas em minha defesa, foi um número necessário. Só temos um dia por ano aqui para realmente fazer isso. Não escolhemos nossos heróis da RID à toa, cada qual à sua forma geram nossa identidade. O lado de escrever exatamente o que nos dá na telha é o que o dia de hoje se pretende a exaltar.

Não sei se estou me fazendo claro. E de uma certa forma, até prefiro que não esteja, sabe? Sinal de que ainda não me entenderam e eu sei onde está pelo menos um ponto de loucura. Sim, existem vários, tudo depende de quão esquisitos são seus interlocutores. Talvez os primeiros nem sejam pontos de loucura de verdade, devem ser apenas temas mal explorados. Tomara que seja só uma coisa da minha cabeça. O mundo já é muito louco sem gente para validar.

Uma hora passa.

De qualquer forma, parabéns, Rogério Skylab. Essa deveria ser uma homenagem da República Impopular do Desfavor, mas eu me distraí no meio do caminho. Isso foi meio esquisito. Acontece… ano que vem a gente acerta.

Para dizer que não entendeu nada (obrigado), para dizer que foi uma péssima imitação (ainda bem), ou mesmo para dizer que quer um pouco do que eu estou usando: somir@desfavor.com

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Comments (11)

  • Eu amo quando vcs falam sobre o Skylab e o Pilha, eles são meus artistas favoritos.
    Somir, vc é esquisito indo ou não indo ao show <3

  • Valeu, por me lembrar do nascimento de um gênio! Eu não me canso de assistir shows e vídeos do Skylab. Esquisito, eu? Imagina… hahaha Só gente inteligente e bonita nos shows. Skylab é foda! 100% RID

  • Quem nunca foi no show, não sabe o que tá perdendo. Uma vez eu não queria ir e minha mãe me arastou. Nem vi nada de gente esquisita la, geral se acabando de rir.
    Não rem como não rir com as letras dele. Carrocinha de Cachorro Quente é top!

  • Me lembrei de Gibran, e de O Louco:

    “Perguntais-me como me tornei louco. Aconteceu assim:
    Um dia, muito tempo antes de muitos deuses terem nascido, despertei de um sono profundo e notei que todas as minhas máscaras tinham sido roubadas – as sete máscaras que eu havia confeccionado e usado em sete vidas – e corri sem máscara pelas ruas cheias de gente gritando: “Ladrões, ladrões, malditos ladrões!”
    Homens e mulheres riram de mim e alguns correram para casa, com medo de mim.
    E quando cheguei à praça do mercado, um garoto trepado no telhado de uma casa gritou: “É um louco!” Olhei para cima, para vê-lo. O sol beijou pela primeira vez minha face nua.
    Pela primeira vez, o sol beijava minha face nua, e minha alma inflamou-se de amor pelo sol, e não desejei mais minhas máscaras. E, como num transe, gritei: “Benditos, benditos os ladrões que roubaram minhas máscaras!”
    Assim me tornei louco.
    E encontrei tanto liberdade como segurança em minha loucura: a liberdade da solidão e a segurança de não ser compreendido, pois aquele que nos compreende escraviza alguma coisa em nós.”
    Desde que li O Louco, quis deixar de querer ser compreendido.

    • Desfavorecido,

      Que texto lindo, lindo…

      Iluminou meu dia! Pena que eu me arraste pela vida ao lado dos que temem o louco e riem, apertando fortemente as máscaras contra o rosto aprisionado.

      “Fiz de mim o que não soube
      E o que podia fazer de mim não o fiz.
      O dominó que vesti era errado.
      Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
      Quando quis tirar a máscara,
      Estava pegada à cara.
      Quando a tirei e me vi ao espelho,
      Já tinha envelhecido.
      Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
      Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
      Como um cão tolerado pela gerência
      Por ser inofensivo”
      (Álvaro de Campos/Fernando Pessoa)

      • Desfavorecido e Marina: é também por causa de comentários como os de vocês dois que vale – e muito – a pena ler o Desfavor de cabo a rabo. Ah! E salve o Poeta Eterno! Salve Skylab! Salve os Impopulares! Salve Sally e Somir! Salve a República Impopular do Desfavor! Hoje e sempre…

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