Devendo demais.

+De 3.155 municípios que informaram o quadro de suas finanças ao Tesouro Nacional, 2.442, ou 77,4%, já estão com as contas no vermelho, segundo levantamento feito pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM). E a situação vai piorar até o fim do ano, com a contínua queda da arrecadação, deixando a bomba fiscal para a próxima administração.

Quem nos dera que o problema fosse só a roubalheira. O Brasil é administrado por incompetentes, cidade a cidade. Desfavor da semana.

SALLY

Quase 80% das cidades estão com as contas no vermelho. E, para quem nunca esteve no funcionalismo público por muitos anos, como eu, um esclarecimento: tem que fazer muita merda, mas muita merda mesmo, para deixar as contas no vermelho.

A esperteza, a malandragem, o brazilian way of life está presente em tudo, inclusive no momento de pensar no orçamento (ou seja, em quanto dinheiro será necessário para o ano seguinte). Todo mundo, sem exceção, pede mais, muito mais do que precisa, já contando com propinas, ilegalidades e, é claro, com o que quer embolsar por fora. Então, não tem essa conversinha de verba insuficiente. Todo mundo recebe bem mais que precisa. Mais: muita gente devolve dinheiro por não ter conseguido desenvolver projetos para gastá-lo.

Ainda assim, 80% das cidades estão no vermelho, devendo, antes mesmo do ano acabar. Senhores, lamento informar, isso não é corrupção, é incompetência mesmo. Um corrupto competente administra melhor o dinheiro. A primeira premissa básica de qualquer parasita é nunca matar o hospedeiro. Faz tempo que a gente bate nessa tecla: o principal problema do Brasil não é a corrupção, é a incompetência. Corrupção é uma das consequências nefastas da incompetência (em fiscalizar e punir). O berço dos problemas deste país é incompetência. Ou as pessoas aceitam e começam a lutar contra ou nada vai mudar.

Bater na corrupção é queimar etapas, é tratar o sintoma sem tratar a doença. Não há como pedir um país sem corrupção se antes não houver competência. Apenas quando tudo funcionar com competência é que será humanamente possível combater a corrupção e é até provável que ela acabe sozinha. Não é viável pedir um país sem corrupção, com respeito e ética, enquanto essa grande tsunami de incompetência assolar o país, não há viabilidade de um funcionalismo público sem corrupção.

Não adianta lutar apenas contra a corrupção, isso é enxugar gelo. É preciso combater o problema na raiz e só permitir que ingressem no funcionalismo público pessoas competentes. Isso se faz, em um primeiro momento, abolindo todos os cargos de confiança. A função faz necessária a presença de pessoas de confiança? Beleza, escolhe alguém de confiança, dentro do grupo de pessoas que já foi aprovada em um rigoroso concurso público e já atua no local. Não pode trazer ninguém de fora. Chega de cabide de emprego, se o Poder Público quer deter o monopólio de algumas atividades e prestações de serviço, o mínimo que tem que fazer é assegurar que quem o presta seja impecável.

Dos 3155 municípios, 2442 já estão com as contas no vermelho antes de acabar o ano. Grandes chances de que em dezembro todos estejam. Como é que não ficamos sabendo disso antes? Inércia, pois essas contas são públicas, qualquer pessoa pode ver. Brasileiro conta com a imprensa para se informar, um erro terrível. Mas também tem outro fator: Eleições. Não é uma boa propaganda eleitoral que esta informação vaze. Ninguém quer admitir que foi um péssimo administrador. Arcaram com dívidas em silêncio. Agora que as eleições já acabaram para muitos municípios, começaram a pedir recursos para seus caciques em Brasília. Novamente, incompetência. Se isso fosse fiscalizado de forma decente, não aconteceria.

Como fiscalizar de forma decente? Faz assim: cobra um programa de ações mensais que o município deve executar, de janeiro a dezembro e uma verba plus para emergências. Depois, fiscaliza todo mês os gastos que foram feitos comparando com a execução daquilo que se comprometeram a fazer. Se os gastos forem maiores ou as execuções menores, o Prefeito e todos aqueles que tenham qualquer parcela de responsabilidade, serão processados e punidos. Vai por mim, se fizer isso, todo mundo anda na linha.

Mais: esse plano mensal de execução teria que ser apresentado ainda na campanha, para que o povo saiba exatamente a que cada um está se comprometendo, pois hoje, promessa de político é tudo igual e ninguém dá bola, por estarem desacreditados. Quero ver no papel, o que cada um vai fazer mês a mês, para poder cobrar. Quero ver quem consegue montar um programa anual com execuções mês a mês. Isso nos permite verificar, além das intenções, a competência daquela equipe.

Vai acontecer? Jamais. Cheguei a apresentar um projeto desses para o Rio de Janeiro e considero um milagre que não tenham me matado, apenas foi recusado. Todo mundo fala que é preciso moralizar, que é preciso tomar vergonha na cara e punir, mas quando chega a hora, nenhum, eu disse NENHUM funcionário público, desde o mais poderoso até a tia do cafezinho, quer colocar isso em prática. Claro, cria responsabilidades concretas, obriga a ralar, trabalhar, cumprir prazos. Curioso que todo mundo quer um Brasil melhor mas ninguém quer arcar com o ônus de um Brasil melhor.

Se isso virasse prática, candidato curioso ou incompetente não teria coragem de se candidatar, ou, só se candidataria com uma puta equipe capaz de executar tudo que ele está prometendo com a verba que lhe é destinada. É forçar uma gestão competente pelo medo. Sinceramente, com o grau de descaso e certeza da impunidade, medo ou temor da punição é a única coisa que coloca essas pessoas na linha. Quem sabe que não vai ter condição de cumprir não vai se candidatar ou, antes de se candidatar, vai se capacitar, para não fazer merda e acabar preso.

Nessa mesma linha, deveria existir a obrigatoriedade de que políticos e funcionários públicos no geral só pudessem usar dos serviços públicos: transporte, escola dos filhos, hospitais… Se há uma versão pública do serviço disponível, o político e seus parentes próximos não podem usar a versão particular. Serviços públicos melhorariam rapidamente. Não quer ter essa restrição na vida? Simples, não se candidate ou não faça concurso público. Ninguém te obriga a isso.

Assim, seria feita uma grande peneira na raiz: quem opta pela política e funcionalismo público seriam pessoas idealistas, com vontade e capacidade de realizar projetos e melhoras. As ratazanas correriam para outro lugar, provavelmente para a iniciativa privada, onde o próprio mercado se encarrega deles. Aí sim, com gente capaz e competente fazendo a máquina do Estado funcionar, poderíamos ver alguma melhora.

Mas, em vez de pensar grande e ir na raiz do problema, o brasileiro cismou que um sintoma é a doença. Tome marcha contra a corrupção. Tá combatendo a coisa errada, resolva o problema da raiz e a corrupção acaba sozinha. Aí vem a grande pergunta: será que realmente interessa a um povo que se move de forma corrupta em seu dia a dia que a corrupção acabe? Não, não interessa. Mas, quando o brasileiro faz é jeitinho, é esperteza, é justificável. Mas quando político faz é tudo safado e ladrão. Assim não vamos chegar a lugar algum. Quando você combate algo de mentirinha, parcialmente, não dá certo. Walk the talk, meu povo!

É isso, as cidades estão quebradas. Já vão começar o ano quebradas. Menção honrosa para o Rio de Janeiro, que fez Olimpíadas com os cofres quebrados. E o brasileiro vai continuar mirando monotematicamente no sintoma (corrupção) enquanto a doença (incompetência) mata lentamente. Parabéns aos envolvidos.

Para dizer que quer que a corrupção dos outros acabe, para dizer que não teve tempo de fiscalizar as contas do seu município pois estava postando em redes sociais ou ainda para dizer que não tem jeito, o país quebrou de vez: deixe um comentário que meu e-mail foi desativado

SOMIR

O Estado, a “empresa” que representa todo um povo, é uma excelente e péssima ideia ao mesmo tempo. Digo isso porque fazer a instituição mais poderosa de uma nação ter por objetivo a manutenção de direitos humanos básicos ao invés de lucros realmente ajuda a regular a sociedade humana e tornar nossa convivência mais possível, mas por outro lado, essa coisa meio “hippie” de estar mais preocupado com o ser humano do que com as contas no final do mês acaba sendo uma ferida aberta para infecções como a incompetência e a corrupção.

Até porque em países como o Brasil, o foco na dignidade da vida humana é meramente teórico e vemos todos os conceitos necessários para o funcionamento de um Estado livre e humano de verdade subvertidos em um jogo de poder onde nossos representantes estapeiam-se não por ideais, mas por vantagens pessoais. Teoricamente, o Estado é uma empresa bem ruim: baseia-se em parâmetros subjetivos como felicidade dos seus acionistas (o povo) e aceita o prejuízo financeiro se ele for preponderante para a realização de seus objetivos. Aliás, a coisa é tão estranha que o lucro nos cofres dessa empresa peculiar também significariam algo mal feito. Oras, se o Estado arrecada 10 e não gasta 10 melhorando a qualidade de vida de seu povo, estão fazendo o que com o dinheiro?

Então, já vamos tirar do caminho qualquer ideia que o problema é a ideia de que os municípios brasileiros estão no vermelho e só. Se estivessem nessa situação por um esforço concentrado de criação de infraestrutura e melhora nos serviços oferecidos à população, eu até defenderia o saldo negativo: poderia ser um investimento, um plano de longo prazo. Porque até tem isso: o Estado é uma empresa tão peculiar que não está fora das suas atribuições planejar-se para décadas e décadas no futuro. Mas, claro, tudo isso existe apenas como conjectura, estamos falando do Brasil.

E no Brasil, os municípios estão endividados nessa proporção assustadora por motivos muito menos nobres: a já conhecida e até admitida corrupção encarece todos os processos e faz sobrar muito menos da arrecadação para a realização do trabalho do Estado, mas novamente… se fosse isso, estaríamos lidando com um conceito “malufesco” de rouba, mas faz. E esse não é o pior dos casos. Corruptos competentes são capazes de avançar muito a condição de vida de seus governados, cobrando uma comissão para tal. Triste dizer isso, mas o Brasil já estaria melhor se superfaturassem hospitais de qualidade ao invés de estádios de futebol.

O problema é que não fazem nem o básico para serem chamados só de corruptos. Por essas bandas, é via de regra um combo de corrupção e incapacidade básica de fazer o trabalho para o qual foi contratado. Uma eleição não deixa de ser uma contratação também: cidadão ou cidadã foram colocados em um cargo pela população, cargo que deveria presumir obrigações e resultados. Na prática, cidadão é eleito para ajudar seus amigos, passa no concurso para ter renda estável e é contratado para cargos de confiança para pagar promessas dos candidatos. Não há sequer a vergonha de admitir o fisiologismo. Cada um usa o poder que tem para dilapidar seu tanto da máquina pública, os recursos pagos pelos cidadãos tratados como “dinheiro grátis” por aqueles que tem acesso.

Percebam como estamos num ponto tão terrível que eu escrevo um texto dizendo que já me contentaria se fizéssemos uma transição para agentes públicos apenas corruptos. Nem precisa ser honesto e respeitar o dinheiro público, basta sair de seu cargo deixando o município, estado ou país melhor do que encontrou. Tirando catástrofes significativas, basta que cada um daqueles com poder para tal faça alguma coisa pequena a cada mandato para o país como um todo ir melhorando no longo prazo. Como já disse, o Estado pode se dar a esse luxo de esperar por muitos anos por resultados positivos.

O que irrita é que nem isso. Nem o mínimo necessário é feito. Cada gestão entra com o rabo mais preso que a anterior, mais e mais sufocada pelas contas desastrosas deixadas por seus antecessores com essa mistura maldita de desonestidade e falta de capacidade de realizar projetos (falta material humano de qualidade no Brasil na escala necessária). E aí, administrar uma das células do que o Estado brasileiro passa ser apenas um exercício fútil de arrecadação para pagar por favores e agradar parceiros. Não estou dizendo que todos os funcionários públicos tupiniquins são imbecis mal intencionados, mas há uma concentração tão grande desses tipos nos ranques da instituição que está na cara que as coisas não vão funcionar.

Quando os municípios estão saudáveis, produzindo valor para a sociedade e cumprindo suas missões, os estados podem fazer o mesmo, e por consequência, o governo federal tem mais capacidade de fazer sua parte. O inverso é verdadeiro. Sim, palmas para o brasileiro por eleger e reeleger essa gente para comandar o país, mas também temos que entender que o voto podre na esfera municipal é quem começa essa bola de neve que termina em avalanche de desorganização e falta de honestidade no poder federal. Quando a célula funciona direito, o corpo tem menos problemas.

Se o problema do Brasil fosse apenas Lula, Dilma, Temer, Cunha, Renan e afins, a coisa seria bem menos assustadora. Quem cria esse Brasil desastroso somos todos nós, os que votam mal, que não fiscalizam, que aceitam só a ideia de corrupção sem tratar do elefante da sala: a incompetência. Não adianta ser muito honesto se não souber fazer direito o seu trabalho. E não adianta fazer bem seu trabalho se quem está cuidando do nível administrativo abaixo do seu só te entrega problemas e dívidas! E pra quem acha que eu estou falando só de prefeitos e vereadores, vai muito mais longe: funcionários públicos incompetentes derrubam a capacidade de ação até mesmo desses níveis mais baixos do poder Executivo e Legislativo. A incapacidade de prestar o serviço mínimo para a sociedade é muito mais danosa no quadro geral.

O Estado em tese é uma das melhores coisas que a humanidade criou, mas na prática, é também uma fileira de dominós pronta para desabar se não for forte desde o seu começo. Absurdo que tantas prefeituras estejam nesse estado, principalmente considerando que devem ser décadas e mais décadas de incompetência acumulada cobrando seu preço nos dias atuais. A coisa não só se forma de baixo para cima, como também fica mais e mais complicada com o acúmulo de estupidez na linha temporal.

Fora Dilma, fora Temer, fora todos eles… mas, a notícia escolhida hoje mostra de verdade como é que criamos esses monstros. Uma incompetência de cada vez…

Para dizer que eu sou muito competente para enrolar, para dizer que é anarquista e discorda (eu também já tive 15 anos, bons tempos…), ou mesmo para dizer que promete roubar direito se eleito: somir@desfavor.com

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Comments (12)

  • – Gasta o que tem e o que não tem sem se preocupar com o amanhã
    – O negócio é levar vantagem em tudo, serto?
    – Família e amigos primeiro

    É, realmente o político é reflexo do brasileiro.

  • Os textos de hoje tocam num ponto sobre o qual já conversei várias vezes com muita gente, com uma perspectiva semelhante a de vocês – corrupção é o sintoma e incompetência é a doença – , mas quase ninguém foi sequer capaz de entender do que eu estava falando. Às vezes dava até um desânimo… Será que esta merda aqui ainda tem jeito? Bom, mesmo assim, passei o link deste post pra algumas pessoas. Se só uma “captar a mensagem” e começar a fazer algo a respeito, já terá valido a pena.

  • Innen Wahrheit

    Oi Sally.

    Achei interessante o tal projeto que você mencionou.

    Se for como estou imaginando, tem muito a ver com o tipo de trabalho que gostaria de desenvolver, se um dia tivesse a oportunidade de trabalhar em gestão pública (uma espécie de plano B que já pensei por mais de uma vez em colocar em prática, mas digamos que o caminho a ser percorrido até realizar algo notável não seja lá muito inspirador).

    O que você poderia dizer a respeito? Do ponto de vista de um gestor isento de ideologia, a situação que você expôs é uma demanda não atendida, a espera de alguém “with the right set of skills” para propor soluções – por outro lado, seria um pesadelo para essa gente altamente politizada (e improdutiva) ter alguém assim por perto…

    (fez sentido?)

      • Palpiteiro de Terceira Via

        É notório, pelo menos para mim : por mais que um amontoado de ideias seja modernizador e inteligente, só há de se pensar “nunca vão realmente entender isso”…

  • Sabendo que somos um país de incompetentes e corruptos… Vocês são a favor ainda de um projeto político social democrata no Brasil? Ou caminham para um Estado mínimo ?

    • Danilo, não acho que nem um nem o outro resolvam. Por opinião pessoal, eu acho Estado Mínimo mais decente, mas não resolve o problema.

      • Palpiteiro de Terceira Via

        É do que mais tenho pensado nos últimos tempos : ainda ficaria “uma divisão entre BMs chefes de narrativa, BMs chefinhos de narrativa e BMs ovelhados”…

        DSVS

  • Vocês acabaram de me apresentar um ponto de vista interesante.
    Achava que o problema da corrupçao no Brasil era a ambição dos políticos, pois na Espanha também estão cheios de casos de corrupção (operación Punica, Gurtel, Pokemon,etc) , mas os serviços básicos funcionam e bem, então eu achava que na Espanha roubavam pouco e no Brasil muito.
    Mas acabo de perceber que também pode ser um problema de competência e aí ferrou. Tenho que pensar mais no assunto.

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