Ladrões de galinha.

Na última quarta-feira, 16, o advogado Cezar Bitencourt recebeu a equipe de VEJA em seu escritório particular, em Brasília. obre a primeira impressão em relação ao militar, Bitencourt foi categórico: “Ele está bem. Sabe da responsabilidade e vai arcar com alguma coisa”. O criminalista detalhou que “alguma coisa” era, na verdade, a confissão relativa à venda de joias recebidas por Bolsonaro ao longo do mandato. Segundo Bitencourt, Cid está disposto a dizer que agiu apenas após receber ordens do ex-presidente, chamado pelo advogado de “mandante” durante a entrevista, e que repassou a ele todo o dinheiro proveniente das transações. LINK


No dia seguinte, o advogado disse que não era bem assim. Bolsonaro vai ser preso? Será que adianta alguma coisa? Desfavor da semana.

SALLY

É tanto desfavor envolvido que fica difícil até de organizar um texto…

Esta semana a mídia em peso anunciou que Mauro Cid faria uma confissão bombástica que incriminaria definitivamente Bolsonaro, o que seria o estopim para sua prisão. No dia seguinte, aparece uma conversa de “veja bem, não é bem assim” e, ao que tudo indica, Mauro Cid mudou de ideia e não vai falar mais.

Quando um sistema jurídico funciona desta forma, é sinal de que ele falhou. Quando uma pessoa que contribuiu para a morte de mais de um milhão de seres humanos precisa da delação de uma ratazana covarde para ser preso por causa de algumas joias, é sinal de que está tudo errado. A justiça brasileira parece depender de zé cu dedo-duro para cumprir seu papel.

Não é como se Bolsonaro tivesse tomado cuidados e por isso seja difícil prendê-lo por todas as atrocidades envolvendo covid-19. Ele fez questão de alardear múltiplos crimes durante a pandemia. Está tudo vastamente documentado. Crimes que perduraram por anos. E, ainda assim, o máximo que se consegue é, quem sabe, tentar prendê-lo por ter se apropriado de umas joias. Não há justiça no Brasil.

E, não se enganem, por mais que seja muito divertido ver a prisão do Bolsonaro, se/quando ela acontecer, nada vai mudar.

O recado é claro: pode não comprar vacina para doença que mata o povo (como o Lula também está fazendo), pode tripudiar de doentes, pode apoiar que se façam experimentos com seres humanos doentes, pode incentivar o uso de remédio inadequado e que ainda por cima causa danos, pode desrespeitar normas de proteção à saúde, pode espalhar mentiras descaradamente, pode mentir sobre sua vacinação, pode perseguir e expor pessoas que fizeram o correto e se vacinaram, pode pisotear na ciência, na vida e na dignidade das pessoas mas… roubar joia não. Aí é grave. Aí pode dar cadeia.

Neste exato momento tem um bando de “patriotas” acampados na porta da casa do Bolsonaro, dispostos a impedir a Polícia Federal de entrar, caso ela compareça ao local para prendê-lo. Depois de tudo que aconteceu.

Não que a gente não queira ver cenas lamentáveis, queremos muito ver patriota dependurado do capô de camburão apanhando, não é esse o ponto. A questão é que, depois de tudo que aconteceu, boa parte do país ainda defende o Bolsonaro e seus amigos.

E o outro lado, que está rindo e fazendo piada, deveria ter vergonha. Eles também tem um ídolo que cometeu crimes gravíssimos, teve a prisão decretada, tentou se esconder atrás do povo, depois de preso continuou idolatrado por imbecil que ia na porta da cadeia gritar “Bom dia, Presidente” e, quando conseguiu negociar, saiu da prisão, foi descondenado e se elegeu novamente.

Então, o papelão que os patriotas estão fazendo, a militância de esquerda já fez. E todo mundo tem vivência para saber que condenação por crime pequeno não mata a carreira política de ninguém, muito pelo contrário, periga até de impulsioná-la. Estão rindo de que, se foi esse o exato caminho que o molusco traçou para estar na presidência agora?

E a mídia? Que vexame, hein? A Veja vai mandar recolher a edição da semana com uma capa mentirosa? O Jornal Nacional vai se desdizer? Alguém vai apurar o que realmente aconteceu? É muito curioso que um preso ameace delatar e, no dia seguinte, diga que não era bem assim. Obviamente ele recebeu algo para ficar calado ou a mídia exagerou na notícia para conseguir audiência. Conseguem ficar, a cada dia que passa, mais e mais desacreditados.

Por sinal, vamos conversar sobre delação? A militância de esquerda sempre berrou que era um absurdo prender com base em delação, que era um absurdo prender em primeira instância, que era um absurdo prender. Os mesmos estão pedindo para que o Bolsonaro seja preso aos berros. Vamos ter coerência?

E, recado para todos: em vez de ficar aplaudindo feito uma foca eufórica que o Bolsonaro vai ser preso por desgostar dele, vamos tentar, ao menos uma vez na vida, não aceitar esmola e correr atrás do que é certo? Punição para todos os médicos que deram Cloroquina (e outras “inas”) a seus pacientes, punição para o CFM que permitiu isso, punição para o Bolsonaro e todos os demais que de alguma forma desencorajaram vacina, publicaram informação falsa, saíram sem máscara ou contribuíram para que o vírus se espalhe tanto. Quando ISSO acontecer, aí vocês podem comemorar. Comemorar antes disso é apenas raivinha do Bolsonaro. E raivinha é coisa de criança.

Outro recado: depois do depoimento do hacker, depois de encontrarem e-mail que deveria ter sido excluído na lixeira, depois de encontrarem fuckin’ recibo que prova crime, depois de encontrarem trocentas provas contundentes de como essa gente é burra, ainda tem brasileiro achando que eles são uma ameaça, que o Brasil esteve perto de um golpe, que a democracia esteve em risco. É muita vontade de viver no medo, não é mesmo? Parece aqueles vídeos de cachorros gigantes que sobem no sofá apavorados com um filhotinho de gato.

Enquanto Bolsonaro não for punido pelo que fez na pandemia, fica implícito que isso pode ser feito novamente, que uma doença letal pode ser tratada à moda caralha, como por sinal, continua sendo tratada. Quando você lê que “SE a variante Éris chegar ao Brasil” você percebe que ninguém aprendeu nada. Como é possível que o vírus mais contagioso que a humanidade já teve contato não chegue? Óbvio que iria chegar e, por sinal, já chegou. Já tem casos confirmados.

A orientação mundial é para voltar a usar máscara, ao menos em algumas situações específicas. Você está vendo alguém pedir que grupos de risco ou pessoas com vacinas incompletas usem máscara no Brasil? Não, né? A culpa disso é do Bolsonaro agora? Nunca foi sobre preocupação com a saúde, sempre foi sobre desenhar um inimigo para antagonizar e se colocar em posição de virtude.

Vocês estão felizes com muito pouco. Não tem nada para comemorar nesse grande esmerdeio grotesco que estamos assistindo. Nem vai ter, se o povo não pressionar por atitudes mais enérgicas. Se você se contenta com o Bolsonaro preso com uma condenação pequena (e provavelmente reversível) por um crime patrimonial, você busca revanchismo não justiça.

Nós não vamos esquecer o que aconteceu na pandemia. Nós não vamos ficar satisfeitos enquanto todos os envolvidos não receberem uma punição exemplar. Nós não vamos celebrar enquanto não forem criados mecanismos para que esse tipo de coisa nunca mais aconteça. Prender o Bolsonaro por pouca coisa mais o favorece do que o prejudica politicamente. Assim como o Lula saiu fortalecido da sua prisão, o mesmo pode acontecer com o Bolsonaro.

“Quer dizer então que vocês acham que não tem que prender o Bolsonaro?”. Não, Pessoa Quer Dizer, não achamos isso. Achamos que tem que prender por todos os crimes cometidos e que, se prender apenas por um (o menos grave, por sinal) ele vai conseguir se safar e ainda tirar vantagem disso, afinal, já vimos isso acontecer antes.

Pensem grande, olhem bem mais para frente. A prisão de Bolsonaro agora, por causa dessas joias, pode te ser agradável por uma raivinha pessoal sua, mas não é algo inteligente a longo prazo. Demandem, pressionem, façam alguma coisa para que ele seja punido por todos os seus crimes.

Para perguntar por qual motivo ainda não teve FAQ sobre a Éris (se sabe muito pouco), para dizer que se os plantões FAQs voltarem você para de ler o Desfavor ou ainda para dizer que era só o Bolsonaro afirmar que as joias eram de um amigo para se safar: sally@desfavor.com

SOMIR

O brasileiro deveria se preocupar um pouco menos com corrupção.

Frase estranha, né? Ainda mais num país infestado de corruptos, que tiram dinheiro de educação, saúde, segurança, ciência… e tudo mais o que o Estado deveria ajudar a fornecer aos cidadãos. E, como é que a gente fica anos e anos batendo em corruptos aqui e vem dizer isso agora? Cadê a coerência?

Como tudo nessa vida, tem um contexto: evidente que corrupção é um problema sério, especialmente na esfera governamental, mas existem algumas sutilezas na questão, a principal delas é que corrupção muda de categoria de acordo com o quanto um país é bem administrado. No Japão, na Noruega, até mesmo no nosso gêmeo rico, os EUA, corrupção é a doença. São pessoas gananciosas pilhando o Estado para subverter sua função.

Em países mais bagunçados como o Brasil (e basicamente o resto dos BRICS), a corrupção é sintoma. Ela é o resultado previsível de um Estado doente por incompetência e desinteresse pelos bens públicos. O corrupto num país funcional é um parasita num organismo saudável; o corrupto numa república das bananas é um câncer tão grande que o corpo nem sabe mais que não faz parte do projeto original.

É claro que temos que combater corrupção. É claro que Bolsonaro já deu todos os indícios que estava na cabeça de um esquema de transformar presentes de governantes árabes em dinheiro para ele e seus comparsas. Mas a gente não perde o foco aqui. Qual é a doença que está causando os sintomas de corrupção?

Porque se não estivermos combatendo-a, continuamos nesse esquema de trocar bandido de esquerda por bandido de direita esperando resultados diferentes, resultados que nunca aparecem. É uma triste realização que nem começamos a lidar com o problema, estamos só tentando limpar algumas feridas visíveis na pele. E o brasileiro está tão acostumado a viver com esse câncer da incompetência e do descaso por aquilo que é público que aprendeu a só se importar com essas feridinhas.

Bolsonaro falhou horrendamente na sua função de líder da nação durante a pandemia, não só quis guiar milhões com suas opiniões malucas copiadas de posts aleatórios de rede social, como ainda trabalhou contra as medidas básicas de proteção à saúde pública como vacinas, isolamento social e máscaras. Tivemos uma CPI inteira esmiuçando suas falhas e expondo os completos malucos que estavam tomando decisões técnicas em nome do governo.

Resultado? Nenhum. Quando o brasileiro médio se viu diante de um escândalo que pode ter matado um milhão ou mais de pessoas, a coisa ficou totalmente no campo político. Não grudou nada de novo na imagem de Bolsonaro, quem gostava continuou gostando, quem não gostava continuou não gostando. O resultado veio numa eleição muito apertada do seu adversário político, um ex-presidiário solto por uma manobra jurídica (e não inocentado, nunca esqueçam disso).

Passa o tempo, o Centrão se acomoda na situação, como sempre faz, e o caminho fica livre para quem queria pegar o Bolsonaro antes, mas não podia pela proteção política que ele tinha no cargo de presidente. Vamos voltar ao caso da pandemia e finalmente puni-lo pelas decisões que contribuíram para a morte de tanta gente?

Não. Isso já foi. O brasileiro relevou. O que ainda gera qualquer reação no povo é mexer com o mito de honestidade de Bolsonaro. Quem tinha mais que dois neurônios sabia que ele era um corrupto genérico há décadas, com rachadinhas e esquemas com milicianos, mas foi alçado à figura de “mito” por causa de sua suposta honestidade infalível. Esse povo já desistiu de competência há tanto tempo que dizer que não vai roubar é um argumento necessário em qualquer campanha política. Como se fosse algo além da obrigação mais básica.

E é nesse se contentar com tão pouco que parece residir o único ponto de pressão real sobre um político: corrupção que o povão entende. Sim, tem isso, se você for acusado de roubar bilhões, ninguém entende, mas se o cidadão médio ficar sabendo que você ganhou um apartamento no Guarujá ou que passou a mão num Rolex… aí a coisa pega!

O problema é que a notícia que rende entre o povão é justamente a mais banal. Desvio de função? Ameaça à saúde pública? Tentar derrubar a democracia? Tudo bem, só não seja pego roubando alguma coisa de baixo valor, porque senão a sua popularidade desaba. O sistema está tão viciado nisso que Lula só foi preso pela parte mais minúscula da sua corrupção e Bolsonaro está sendo ameaçado de ter o mesmo destino por causa de umas joias desviadas.

Eu quero Lula e Bolsonaro presos um do lado do outro, para quem um sacaneie o outro por vários e vários anos. Mas eu não quero que seja só por causa de “roubos de galinha” que geram cliques na imprensa e conversa no ônibus, eu quero que seja pelas falhas grotescas que ambos cometeram na sua função enquanto presidentes. Porque é isso que tem que ser combatido em primeiro lugar. Corrupção tem até na Islândia, minha gente. Corrupção não some, ela só deixa de ser parte integrante do sistema.

Quando o sistema fica saudável, o corrupto volta a ser só um parasita. Mas enquanto o organismo estiver doente e as pessoas só se preocuparem com os menores sintomas disso, o câncer continua crescendo firme e forte. O Centrão continua lá, o fisiologismo não está sendo combatido.

Continuamos na mesma.

Para dizer que somos bolsonaristas, para dizer que somos lulistas, ou mesmo para dizer que somos teimosistas em achar que tem alguma solução para esse país: somir@desfavor.com

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Comments (4)

  • Alguém já teve notícia de algum político fora da lista da corrupção?
    Um político que respeitou o dinheiro público usando esse dinheiro APENAS em prol do povo?
    Nunca tive notícia, me conte quem teve.
    Não eh Bolsonaro nem Lula, desde que o Brasil foi descoberto sai um malandro e outro entra no lugar.
    Não eh só no topo, em todos os níveis da pirâmide onde rola o dinheiro público um grande percentual está destinado ao bolso de quem tem o poder de controlar ao seu bel prazer esse dinheiro.
    Triste, um grande problema sem solução.
    Eh muito dinheiro sem dono.
    Os manés somos todos nós que pagamos por isso.

  • Não adianta. Brasileiro sempre vai se conformar com o “pouco que é melhor do que nada”. A mentalidade de sempre escolher o “menos pior” é a bússola moral permanente do brasileiro.

  • Tudo cirquinho.

    O Bolsonaro deve permanecer inelegível porque os 11 togados do Supremo Tribunal do Pistolão o vêem como um risco, a ponto de fazerem o que podem pra cortar a onda dos eventuais aliados do ex-presidente, mas isso não deve avançar para uma prisão pra se evitar um circo de vitimização similar ao de quando o Lula esteve preso.

    Claro, os urubus da imprensa prostituída que fez as pazes com o grupo lulista para escapar ao fogo cerrado dos think tanks bolsonaristas estão com sangue nos olhos e fazem o que podem pra assegurar a posição de pretensos arautos da virtude, mesmo tendo grande importância na manipulação demagógica ocorrida no decorrer de toda a Nova República.

    Deixaram Bolsonaro concorrer e quase sentindo o gosto da vitória eleitoral por temerem ser colocados em xeque por uma insurreição levantada pelos mais radicais da horda bolsonaristas, assim como fizeram vistas grossas no passado por motivos irmãos para os abusos do Lula fazendo campanha antecipada pra Dilma com ele na posição de presidente e ela ainda na posição de ministra, passando por cima da lei e do partido pra enfiar tal preposta como boi de piranha para assumir a bronca pelas políticas mais controversas da era lulista.

    Estes covardes que vem servindo de apoio ao status quo lulista são um bando de apegados ao poder que tem, do qual fazem uso para efeitos de justiçamento.

    Fogo nos racistas, nos fascistas e em todos aqueles que não compactuam com a farsa dessa democracia de fachada é a expressão máxima da “justiça social” dos tempos contemporâneos por parte dessa gente, que não fica nada a dever a Ku Klux Klan, aos Nazistas e a Inquisição em termos de compromisso com o bem social.

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