Cisne negro.
Você já ouviu falar na expressão “Cisne Negro”? Ela define um evento impactante, inesperado e supostamente imprevisível, mas que depois de ocorrido, parece muito óbvio e não conseguimos entender como não percebemos aquilo antes. Enquanto não é percebido é inconcebível e quando se revela, é mais do que óbvio. Dificuldade em visualizar? Calma, trabalhamos com exemplos.
O nome veio da descoberta do… cisne negro. Durante muito tempo, se acreditou que só existiam cisnes brancos. Todo mundo fez as pazes com isso, era uma verdade totalmente aceita, até que um dia, do nada, 18 séculos de certezas depois, apareceu um cisne negro. Eles sempre estiveram lá, mas como não vimos, não prestamos atenção, não quisemos ver ou não conseguimos ver, durante muito tempo a humanidade acreditou que só existiam cisnes brancos. Ninguém nunca se perguntou “será que existem de outras cores?”. Eram brancos e ponto, eram assim que as coisas eram. Precisou um cisne negro se esfregar na cara de um ser humano para que todos tenham um estalo e pensem “Rapaz… tem preto também!”.
Isso acontece com mais frequência do que imaginamos. Algo que está lá o tempo todo, mas não se nos ocorre questionar ou sequer procurar por isso. Aceitamos a realidade como a conhecemos e sacramentamos que é isso aí, pois nos causa conforto achar que sabemos tudo, que dominamos tudo. Passamos séculos achando que só existiam cisnes brancos até que, no século XVIII apareceu um cisne negro e tudo que sabíamos sobre cor de cisnes teve que ser reescrito. Basta um para mudar todo o conceito. Será que nesses 18 séculos nunca nenhum ser humanos se deparou com um cisne negro? Claro que sim, apenas não vimos por sequer cogitar que existissem. E assim, cisnes negros permeiam a história da humanidade: eventos que, depois de ocorridos, fazem todo o sentido, mas antes nem conseguimos cogitar.
O mais recente Cisne Negro foi a eleição do Trump. Ele não tinha o perfil de pessoa que se elege. Ele não era o favorito das pesquisas. Para ser político tinha que seguir uma determinada carreira nesse meio. Para ser político era preciso ser… político, ser diplomata, ter boas relações com o máximo de pessoas possíveis. Política foi, por muito tempo, a arte de fazer aliados. Olha que belo Cisne Negro: ganhou quem vive fazendo inimigos, fala curto e grosso e nunca teve nenhum cargo político.
Enquanto isso, no Brasil, quem tinha muitos aliados está sendo preso. Queridões como Cabral, Cunha e em breve Lula, que davam uma fatia do bolo para cada facção estão descobrindo que nessa nova era, contatos não são tudo. Aliás, muito pelo contrário, quanto mais fatias de bolo você repartiu, mais gente para te delatar. Parece bem óbvio, né? Depois que acontece sempre parece bem óbvio. Isso se chama “previsibilidade retrospectiva”. É o que faz com que você quebre a cabeça tentando achar os erros naquele jogo dos sete erros e, quando alguém aponta onde está, o erro se torna óbvio e você não consegue deixar de vê-lo. É como se a pessoa tirasse um véu da sua frente, que te impedia de ver bem.
A principal causa dessa visão turva é que tendemos a ver o que reforça nossas ideias e fechar os olhos para o que reforça nossa ignorância. Some-se a isso que tentamos explicar tudo à nossa volta, pois a aleatoriedade incomoda demais o ser humano, por motivos já explicados em outro texto recente. Então, se nosso cérebro vê quatro patas, cascos e listras brancas e pretas, nasce uma certeza incontestável de que é uma zebra, pois é isso que vimos reiteradas vezes por uma vida.
Ao ver um pedaço de algo o cérebro já depreende o que é o inteiro com base no banco de dados que tem armazenado, pois isso aumenta nossas chances de sobrevivência evolutivamente: quem identificava o predador antes, corria antes e sobrevivia para contar a história. Mas às vezes não é uma zebra, às vezes é um Ocapi (pode googlar, existe), e daí você leva um susto danado que não levaria se estivesse com a mente suficientemente aberta para pensar “parece uma zebra, mas só vou ter certeza quando olhar o animal inteiro”. As grandes sacadas (voluntárias) da humanidade acontecem quando pessoas extraordinárias (ou extraordinariamente entorpecidas) conseguem romper com esse depreender e ver algo além do óbvio, por um novo ponto de vista. Mas isso é exceção.
Se você parar para pensar, boa parte das descobertas científicas foram cisnes negros. Não que o ser humano não tenha contribuído em nada, obviamente ele sempre teve um papel fundamental, pois se não tivesse conhecimento suficiente, não teria sequer reconhecido o Cisne Negro. Antibióticos foram descobertos ao acaso: Alexander Fleming estava feliz da vida cultivando bactérias quando sua placa de petri acabou acidentalmente contaminada por um fungo e ele percebeu que esse fungo inibia o crescimento das bactérias, graças à substância que produzia, a penicilina. Ele foi esperto o bastante para ter o estalo depois que aconteceu, mas nunca lhe ocorreu testar diversas substâncias em bactérias para ver o que acontecia.
E não estamos falando de falta de informações. Hoje, com a internet, existem informações suficientes para você se convencer do que você quiser. É a forma como lidamos com essas informações, sempre encaixando elas de modo a corroborar para o que queremos ver, para o que nos faz bem ver, para o que nos tranquiliza ver. Tem seu papel, mas nos fecha portas, nos deixa com um ponto cego no retrovisor e, de tempos em tempos, pula na nossa frente um Cisne Negro. E, que fique claro, não é viável nos dias de hoje ter outro estilo de vida. Na rotina atual não dá tempo nem sobra energia para ficar questionando tudo o tempo todo, procurando Cisnes Negros. Não é esta a intenção do texto, seria impossível viver assim. A intenção é apenas te apresentar o Cisne Negro, é bom saber que ele existe e, de vez em quando, tentar pensar fora da caixinha para achar um deles. De vez em quando, se não vira um devaneio improdutivo!
Nem sempre é ruim encontrar um Cisne Negro. Se só você puder vê-lo e souber explorá-lo, você pode ficar muito rico com ele. Foi assim com o Google, foi assim com o Whatsapp, foi assim com a Coca-Cola, foi assim com o Viagra. Não dá para contar a história de todos, mas se você procurar, verá que foram todos Cisnes Negros. Jan Koum, por exemplo, era um imigrante ucraniano vivendo nos EUA, que trabalhava como faxineiro e já dependeu de “foodstamps” (cupons para adquirir comida, dados pelo governo a pessoas muito pobres) para conseguir comer. Por ter conseguido identificar e explorar um Cisne Negro, recentemente Jan Koum vendeu o Whatsapp por 16 bilhões de dólares para o Facebook. Então, levantar o nariz do seu mundinho de tempos em tempos, tirar um dia da semana para refletir e tentar ver além, pode mudar sua vida. Como faz? Não tem fórmula. Mas tem algumas dicas que talvez possam ajudar. Você vai ter que achar seu caminho sozinho, mas eu vou tentar te dar uma bússola.
A primeira premissa que você tem que aceitar é: você é cego. Por um mecanismo automático, você só vê aquilo que está acostumado, aquilo que está a um palmo do seu nariz e muitas vezes vê distorcido, pois seu cérebro amolda o que você está vendo ao que ele já conhece. Sabe quando você lê uma palavra que nunca tinha lido antes e acaba lendo como a palavra mais parecida com aquilo que você conhece? Pois é, esse efeito está sempre conosco. Tendo isso em mente, fica mais fácil evoluir. E não se evoluí de um mês para o outro, é como musculação, aos poucos, gradual, progressivo. Mas, que isso não te desanime de começar, dentro de um ano, você desejará ter começado hoje.
Outra coisa que você sempre tem que ter em mente: uma série de fatores corroborativos não são provas. Ver 200, 300, 400 cisnes brancos não é prova de que não existem Cisnes Negros. Então, pautar suas certezas e seus argumentos apenas no que você conhece ou até onde sua vista alcança não basta para uma certeza absoluta. A humanidade passou 18 séculos errada sobre uma coisa tão básica como um cisne negro, imagine quanto tempo passaremos sobre questões mais complexas.
Mais um ponto para ter em mente: nem sempre a história é linear e progressiva. Cada vez mais ela dá saltos. Por isso os humanos são péssimos para prever o futuro, pensamos sempre em uma escala progressiva gradual, não conseguimos antever os saltos. A comunicação, por exemplo, foi mais ou menos da mesma forma por muito tempo e, com a internet, deu um salto enorme. Hoje todo mundo pode ter acesso a todas as informações que quiser. Há quebras, há rupturas, há grandes saltos. Então, se você focar em prever ou trabalhar em cima de avanços que impliquem em subir apenas mais um degrau, pense novamente, pense maior, pois você está pensando pequeno e não vai muito longe assim.
O passo seguinte é se condicionar a pensar que sempre existe uma alternativa. O ser humano é muito bom em detectar o que está acontecendo, porém também tende a aceitar o que está acontecendo como algo natural e inevitável. Sempre existe uma alternativa. Exercite seu raciocínio para perceber e analisar as alternativas que você tem. Se não as percebe, crie alternativas. Sim, você pode criar alternativas. O mesmo vale para o outro lado. Estamos acostumados a ver um lado só. Por exemplo, somos bombardeados com as estatísticas das mortes de inocentes causadas por armas de fogo, mas, ninguém nunca pensou ou contabilizou a morte ou ferimento de inocentes que foram evitadas por causa das armas de fogo. Olhe as alternativas e olhe o outro lado sempre que lidar com uma questão importante na sua vida. As possibilidades não se exaurem no que você vê, esprema seu cérebro que sai mais!
O excesso de informações também pode ser prejudicial, pois pode cegar, confundir e deixar a pessoa sem saber no que focar. Este assunto é muito interessante e complexo, mereceria um texto só sobre esse efeito, chamado “A Cauda Longa”, mas acho que Somir escreve melhor sobre esse assunto do que eu, então, vou deixar para ele. Com poucas informações você vê listras e pensa em zebras, daí você pode pensar que se tivesse pesquisado mais, saberia do Ocapi e sai lendo de tudo um pouco. Erro. Com informações em excesso você se perde e nem consegue perceber que o determinante para descobrir o animal são as listras. Excesso de hipóteses é quase certeza de erro, o ser humano é ruim em priorizar e escolher. Então, escolha “curadores” de conhecimento, pessoas estudiosas, nas quais você confia, e beba dessas fontes regularmente, ciscando em novos terrenos de tempos em tempos.
Agora, talvez, o conselho mais importante: não tenha medo de falhar, do ridículo ou de ser chamado de louco. Medo já matou mais sonhos do que o fracasso. Pessoas que fizeram coisas realmente inovadoras foram invariavelmente chamadas de loucas quando começaram, na verdade, ser chamado de louco nada mais é do que um sinal de que você está no caminho certo. Só imbuído deste espírito você conseguira tirar os filtros que te impedem de ver um Cisne Negro.
A humanidade tem grandes Cisnes Negros que a acompanham por muitos séculos: existe um Deus ou um poder superior? Existe vida alienígena? Imortalidade é possível? Provavelmente já temos em mãos tudo que precisamos para ver esses Cisnes Negros, mas não conseguimos. Em menor escala, temos a cura do câncer, o teletransporte ou o fim da fome mundial. Alguém duvida que temos todas as peças para montar esse quebra-cabeça? Resta apenas encaixá-las. Mas não precisa ser tão megalomaníaco, lembre-se, uma coisa básica como o whatsapp rendeu 16 bilhões a seu criador.
Os quebra-cabeças estão aí, aos montes pelo mundo. A maioria das pessoas nem sequer os percebe. Uma elite os percebe e não consegue montá-los, mais por desistência ou incredulidade do que por incompetência (spoiler: se você viu o quebra-cabeça, o mais difícil já está feito). Aí temos os gênios, que são mais ousados do que inteligentes, mais persistentes do que estudiosos, mais loucos autoconfiantes do que acadêmicos – vão lá encaixam as peças do quebra-cabeça.
Encaixá-las é para poucos, não abençoados com uma inteligência excepcional e sim criativos, ousados, disruptivos. Estamos na era da criatividade, nem contatos nem inteligência contarão muito. Ambos já foram determinantes, agora, viram cada vez mais coadjuvantes. O pêndulo da história está virando. Aproveitem que vocês estão recebendo esta cola sobre a importância da criatividade antes de que fique massificado e desenvolvam esta habilidade, para sair na frente e de dar bem no futuro. Criativo não se nasce, criatividade de exercita. Invista na sua criatividade, exercite-a, aprimore-a, e em breve pode ser você a descobrir um Cisne Negro que pode mudar sua vida, ou até mesmo a vida do ser humano.
Para perguntar o que eu tomei, para dizer que não importa o que eu tomei, você também quer tomar ou ainda para não deixar de comparecer ao desfavor amanhã para ver e participar da punição do Somir: deixe seu comentário.
Leona
“Criativo não se nasce, criatividade de exercita.”
Mas, Sally, não é você que diz que a pessoa deve ser estimulada desde pequena, que não é a mesma coisa quem é educado tardiamente? Isso não se aplicaria neste caso também? Quem é criado com mais rigidez, proibições não teria mais dificuldade de se desvencilhar disso depois e ver o mundo de outra forma? Por outro lado, quem é criado mais livre mas sem uma base não acaba usando a criatividade para besteiras, coisas erradas? Os avanços não seriam contidos por desmotivação com a mediocridade do entorno?
Sally
Sem dúvidas quem é estimulado desde pequeno tem uma vantagem enorme e provavelmente irá mais longe do que quem começa tardiamente, mas isso não quer dizer que quem começa burro velho não faça nenhum progresso. Todos nós podemos melhorar sempre.
Acho que mediocridade do entorno não só desmotiva, como também ataca quem quer inovar. Vai das mentes criativas não se deixarem abalar ou intimidar por isso.
Adriana
Nunca tinha ouvido falar de Ocapi até ler o seu texto.
Daí à noite estava eu assistindo Animal Planet e qual animal aparece? O próprio!
Adorei!
Sally
Desfavor também é cultura (inútil)
Anônimo
Nossa ! Quando vc vem de coach motivacional vc é a melhor.
Desde outro texto q li que resolvi investi em um novo projeto. Passei para o turno da noite e de dia me dedico a um “projeto secreto”. Se der certo um dia te conto e se ficar rica dou um jeito de te dar um lindo presente .
Imprimindo mais um texto pra ler de tempos em tempos.
Sally
Me contrata?