A Fada do Bacon.

Em algumas horas, o Congresso vai decidir se colocamos uma estátua do Seu Eliseu na capital. Pode parecer banal demais para os deputados decidirem a colocação de uma peça de decoração pública, mas como sabemos, tudo o que envolve o Seu Eliseu é muito divisivo. Chancelar o pedido de um baixo-assinado de mais de um milhão de pessoas significa também mudar a postura neutra do Estado sobre essa figura histórica. Talvez duzentos anos ainda seja cedo demais para o brasileiro mais famoso de todos os tempos ter uma conclusão positiva ou negativa sobre seu papel no nosso mundo…

Muitos não gostam que chamemos ele de Seu Eliseu, o argumento é que humaniza demais alguém que julgam completamente desumano. Para os detratores da ideia de revisionismo histórico, o nome é e sempre será General Eliseu. E para você, que assim como inúmeras pessoas não sabe muito bem de que lado ficar, vamos fazer o seguinte: eu começo falando sobre o Seu Eliseu e termino falando do General. Porque ele foi as duas coisas.

Seu Eliseu tinha seus quase cinquenta anos de idade quando conheceu a fama. Antes disso, teve uma vida cheia de tragédias: a mulher morreu pouco depois do nascimento do filho único do casal, em complicações do parto, e esse filho Seu Elisou criou sozinho, até o menino virar homem e lhe dar uma bela netinha. Militar de carreira, estava supervisionando um treinamento na selva quando a desgraça bateu a sua porta novamente: o filho se envolveu num acidente de trânsito, morrendo junto com a esposa. A neta de Seu Eliseu sobreviveu, e mais uma vez, havia uma criança para cuidar sozinho. Tarefa que assumiu com a mesma coragem de antes. A menina se chamava Catarina, e Catarina era tudo para Seu Eliseu.

Mimada como se não houvesse amanhã, a menina chegou aos seus nove anos de idade com um peso muito maior do que o saudável para a idade. Seu Eliseu, por aviso do pediatra da menina, decidiu tomar controle da situação. As décadas de disciplina militar ajudaram quando ele foi forçado a negar a dieta terrível que Catarina havia se acostumado. Com o coração doído, foi capaz de alcançar ótimos resultados já no primeiro mês. Orgulhoso, pensou em ir tirando fotos dos avanços da menina, até para ajudá-la a ficar incentivada. A primeira delas ainda mostrava uma garota bem acima do peso, mas Seu Eliseu sabia que já estava vendo um avanço considerável.

Foi então que o mundo começou a mudar. Seu Eliseu manda a foto para Juliana, uma amiga da família que também tinha muito apreço por Catarina. Ele usa uma rede social para enviar a foto, Juliana, empolgada, curte e compartilha a foto. Os dois viam ali uma menina vencendo um grande desafio, mas… ninguém até hoje sabe quem dos contatos de Juliana copiou a foto, mas quando o fez e postou numa comunidade de piadas, conseguiu muito sucesso. Catarina posava feliz com uma roupa rosa de balé no quintal de casa. Um dos participantes da comunidade a apelidou de “Fada do Bacon”. Por algum motivo, aquilo se espalhou como fogo no mato seco pela internet. Em questão de horas, já tinha gente repostando a foto da menina com legendas em mais de doze línguas.

Seu Eliseu só foi perceber o acontecido quando teve que buscar a neta na escola, arrasada pelas piadas das outras crianças. Ele foi se inteirar da fama que Catarina estava fazendo na rede logo em seguida. E é a partir daqui que Seu Eliseu fica famoso. O que eu escrevi até aqui é baseado em livros de pessoas que conheceram o General Eliseu antes disso, o que eu descrevo a partir de agora já começa a ser noticiado na mídia da época.

Precisou acontecer três vezes até chamar a atenção do grande público: Seu Eliseu achou a comunidade de onde a piada com sua neta se originou, e encontrou as primeiras pessoas que repostaram a foto já com a legenda, inclusive o rapaz que supostamente cunhou o apelido de Fada do Bacon. Seu Eliseu fez a mesma coisa nos três casos: achou onde cada um deles morava, bateu na porta, confirmou a identidade com o perfil investigado… e aplicou uma surra exemplar em cada um deles. Seu Eliseu não postou nada, não fez apelo nenhum, recusou todas as entrevistas… ele apenas começou a visitar as pessoas que repostaram a imagem da neta com comentários maldosos e bateu em cada uma delas. Inclusive numa mulher.

E foi quando ele bateu nessa mulher, uma jovem com não mais de 18 anos de idade cujo compartilhamento ele identificara como o ponto de partida do sucesso nacional da piada com sua neta, que a situação ficou insustentável. Seu Eliseu surrou mais três pessoas antes de chegar nessa jovem, e depois de deixá-la com ambos os olhos roxos, foi denunciado e começou a ser procurado pela polícia. Quando a mídia finalmente alcança a história, aquilo sobe mais uma vez de proporção. A internet da época entrou em colapso entre quem concordava com os atos de Seu Eliseu e quem o condenava. Primeiro no Brasil, e depois pelo mundo. Estima-se que os contatos dele no exército o ajudaram a ficar foragido por alguns meses, aplicando seu senso de justiça virtual de forma bem física em mais dezenove pessoas de seis cidades diferentes.

Catarina havia se mudado para outro estado, com a família afastada de sua falecida mulher. Enquanto isso, Seu Eliseu era procurado pelo país todo, aparentemente sendo ajudado por inúmeros admiradores anônimos no caminho. A cruzada daquele homem contra as pessoas que haviam feito sua neta chorar torna-se um dos assuntos mais comentados do mundo por semanas. No Brasil já se preparavam várias leis favoráveis e contrárias aos atos dele. O tema era divisivo, mas pelos relatos de historiadores, o cidadão médio tendia a achar Seu Eliseu mais herói do que bandido.

Mas, se o homem queria proteger a imagem da neta, estava falhando terrivelmente. A imagem da Fada do Bacon estava tomando contornos de lenda urbana. Milhões postavam aquela foto, brincando que poderiam ser os próximos a apanharem. Outros milhões os censuravam, pedindo a proteção da garota. A casa onde Catarina morava agora, com primas de sua falecida mãe, numa cidade minúscula do interior, agora era ponto de encontro de diversos jornalistas, curiosos e até mesmo manifestantes pró e contra as ações do Seu Eliseu. Houve uma série de apelos não só da família como de autoridades para deixarem a menina em paz, mas nada disso dava conta de reduzir o status quase mítico de Catarina, a pobre garota, e Seu Eliseu, o vingador fugitivo.

Um pouco depois do décimo aniversário da menina, a notícia corre o mundo: Catarina havia tentado o suicídio, tentando cortar os pulsos. A tentativa havia sido muito falha, a menina não chegou a correr riscos reais pelos ferimentos, mas quando a imprensa ficou sabendo, não se falou de mais nada. Alguns temiam que isso deixasse Seu Eliseu, onde quer que estivesse, ainda mais furioso.

Mas aí acontece algo muito pior: aparece morto um dos homens que havia apanhado de Seu Eliseu meses antes. Tiro na nuca. Um dia depois, numa cidade quase do outro lado do país, outro. E mais um, mais um… as mais de vinte pessoas que receberam a visita de Seu Eliseu foram assassinadas em menos de uma semana. No mesmo dia que a imprensa noticia mais uma pessoa denunciando Seu Eliseu por uma surra, a penúltima vítima dele, que morava no Nordeste, aparece morta. Começam a desconfiar que Seu Eliseu não trabalhava mais sozinho.

Logo após essas mortes, um grupo hacker causa grande estardalhaço ao postar uma lista de mais de vinte mil pessoas que repostaram a foto, com endereços em muitos desses contatos. Menos de 24 horas depois, quase quarenta dessas pessoas aparecem mortas com sinais inequívocos de violência. Os grupos pró e anti-Eliseu tornam-se ainda mais vocais, polarizando a opinião pública. A polícia admite sua incapacidade de proteger tanta gente ao mesmo tempo e sugere que todos os inscritos na lista comecem a se reunir em delegacias para um plano emergencial de proteção.

Mais um dia, morrem duzentas e noventa e seis pessoas da lista. Surgem as primeiras cartas da Tempestade da Vingança na internet, assinadas pelo agora General Eliseu. Com o suporte de uma imensa facção criminal, o grupo começa a fazer diversos ataques pelas maiores cidades do país. Seis delegacias são atacadas por homens armados e muito bem organizados, matando cinquenta e duas pessoas da lista sob proteção direta da polícia. O governo, que havia feito vistas grossas até a escalada dos assassinatos, toma uma medida drástica: envia contingente militar para as quatro capitais mais assoladas pelos ataques da “Vingança”. Nas primeiras horas os ataques cessam completamente.

Mas já na primeira madrugada do contra-ataque governamental, a situação fica muito mais complexa: General Eliseu aparece num vídeo de internet executando o chefe da facção criminal que lhe deu suporte no começo, e num discurso inflamado, diz que vai corrigir o país de uma vez por todas e que os bandidos tem que pagar pelo o que fazem. A facção criminosa acaba desmantelada em questão de semanas, com boa parte do seu contingente jurando lealdade ao General Eliseu. Parece que as coisas vão se acalmar quando na periferia de São Paulo começa a Batalha do Capão. Quase mil soldados leais a Eliseu enfrentam o exército brasileiro, e vencem. São Paulo vai sendo tomada bairro a bairro no mês seguinte. Boa parte da população aprova o controle do General Eliseu, linha duríssima com o crime e com qualquer dissidente. O interior do estado começa a seguir pelo mesmo caminho, com unidades controlando as maiores cidades, muito por conta de soldados brasileiros mudando para o lado do General Eliseu. Paraná, Minas Gerais e boa parte do Espírito Santo acabam tomados pela Tempestade da Vingança.

O governo brasileiro finalmente pede apoio internacional, admitindo a guerra civil. O Sul aproveita a deixa para declarar independência e jurar lealdade a Eliseu. Brasília fica isolada assim que o Rio de Janeiro abandona a nação, sob controle oficial do crime organizado. As tropas americanas, francesas e inglesas chegam ao país pelo Norte, evitando uma rebelião dos estados locais. Começam os bombardeios em São Paulo. A pressão aumenta cada vez mais até que começam a surgir os primeiros contra ataques aéreos. General Eliseu tinha caças russos e chineses ao seu dispor. Os exércitos vermelhos começam a desembarcar nas margens sul do já desfigurado Brasil.

Dois anos de guerra, vários tratados, muitas ameaças e dificuldades diplomáticas entre aliados do Ocidente e do Oriente destróem boa parte do Brasil. Brasília é reduzida a pó, São Paulo também. O presidente americano recém-eleito decide tirar todas suas tropas de terras brasileiras, seguindo uma linha de não intervenção e sendo consumido pelos custos altíssimos do suporte de guerra num país continental como o Brasil. Reza a lenda que americanos e europeus abandonam a guerra assim que fica comprovada a contaminação dos reservatórios de água. General Eliseu marcha até Brasília, tomando a capital. As perdas para a economia brasileira são incalculáveis, mas finalmente a paz se instala.

E começa uma nova forma de gerenciar o país. General Eliseu morre de uma doença rara menos de cinco anos depois, mas deixa plantada a semente que nos fez nos tornar uma das nações mais ricas do mundo após a reconstrução. Antes de Eliseu, o país tinha uma das piores qualidades de vida do mundo. Hoje em dia, é uma das melhores. Éramos assolados por corrupção, agora a coisa parece muito mais controlada. Millhares de vidas perdidas estarão sempre na conta de General Eliseu, mas muitos reformistas dizem que se não fosse por ele, jamais teríamos chegado onde chegamos.

Catarina? Ela emagreceu. Bom pra ela.

Para dizer que isso foi muito maluco, para dizer que foi a minha maior guinada até hoje, ou mesmo para dizer que é time Eliseu: somir@desfavor.com

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