Falta política.

Estamos próximos de uma das piores decisões de todos os tempos: escolher Lula ou Bolsonaro para ser o próximo presidente do Brasil. Sally e Somir compartilham o desânimo com a política tupiniquim, mas discordam sobre o que está fazendo falta. Os impopulares votam.

Tema de hoje: qual político já falecido faz falta nos dias de hoje?

SOMIR

Leonel Brizola. Não, não fecha o Desfavor! Espera… tem um motivo. Faz muito tempo que eu reclamo aqui da falta de rumo da esquerda brasileira, uma monocultura lulista que gera colheitas cada vez piores com o passar dos anos. Brizola com certeza não era unanimidade, os leitores mais velhos vão conhecer vários podres do populista gaúcho, mas uma coisa ninguém pode negar: ele faz parte da história da esquerda desse país.

Uma história mais trabalhista, mais esquerda… raiz. Lula tem o histórico de líder sindical, mas desde sua eleição à presidência em 2002, preferiu trabalhar sua imagem no sentido de pai dos pobres e/ou salvador da pátria, o que desembocou na imagem atual que temos do maior expoente da esquerda disponível no país.

Brizola tem aquela história de criança pobre que trabalhou e trabalhou até chegar numa posição de poder, esquerda sem caviar. Líder estudantil que foi para a política e sempre manteve posições muito fortes baseadas em suas convicções. Muitas vezes fortes até demais, porque passou a vida toda brigando até com a sombra, o que muitos historiadores dizem que foi o motivo pelo qual ele nunca ter se tornado presidente.

Não é nem que o ser humano Brizola faça essa falta toda, mas a figura que ele representava faz sim. Era o tempo que o PT não era a única opção viável para quem estivesse à esquerda do espectro político. Muito da polarização que vemos hoje em dia é resultado do fracasso da criação de expoentes tanto na direita quanto na esquerda brasileiras. Bolsonaro apareceu na hora certa para cooptar um movimento e Lula já estava lá ocupando todo o espaço desde sua eleição.

Falta mais gente na direita, falta mais gente na esquerda. Gente que tenha uma linha própria. Talvez a coisa mais próxima de Brizola hoje em dia seja o Ciro Gomes, alguém puto com todo mundo, mas para o azar do cearense, sem o carisma do finado político gaúcho. Sim, Brizola sabia falar com o povão, sabia ter graça no que falava. O apelido “sapo barbudo” tão comum ao Lula foi criado por Brizola.

Quando a política se polariza dessa forma, um só candidato tem que ser a cara de todos os tipos de movimentos que se somaram nele: Bolsonaro tem que ser o candidato da arma, do evangélico, do liberalismo econômico, do conservadorismo… Lula tem que ser trabalhista, socialista, lacrador, iluminista… o que obviamente não funciona, pois ambos os candidatos não têm como serem a única face de tantas posições políticas e sociais ao mesmo tempo.

Fica essa coisa capenga e cheia de contradições que vemos em seus discursos. Eles são obrigados a agradar tanta gente ao mesmo tempo que vão ficando sem conteúdo. Numa direita mais bem dividida, o povo da regulação da genitália alheia e o povo das privatizações poderiam votar em candidatos diferentes; numa esquerda mais bem dividida, o povo da regulação da genitália alheia e o povo dos direitos trabalhistas poderiam votar em candidatos diferentes.

E algo me diz que toda essa palhaçada de liberou geral e reprimiu geral que ficam discutindo no campo da sexualidade ficaria em segundo plano: deixa a parcela do povo que só se importa com cu votar nos seus candidatos malucos e o resto do povo decide se quer economia mais à esquerda ou mais à direita.

Um Brizola forçaria o PT a fazer escolhas difíceis e não tentar carregar todas as linhas ideológicas ao mesmo tempo. O que talvez (não é certeza, mas uma expectativa) conseguisse empurrar a discussão sobre presidência dessa chatíssima e desnecessária pauta de costumes. Lembra quando esquerda era sobre melhorar as condições de vida do trabalhador? Lembra quando a conversa não era sobre quem ia estuprar os cofres públicos (os dois vão) enquanto apresentam propostas para resolver problemas de rede social?

Eu lembro. Não tornou o Brasil num país de primeiro mundo, mas pelo menos estávamos tentando escolher um caminho. Agora é basicamente correr atrás do próprio rabo no sentido horário ou anti-horário. Sobrecarga de propostas e movimentos concentrados em apenas duas figuras. A gente ensina para as crianças que é impossível agradar todo mundo, mas exige isso dos governantes!

Com uma alternativa carismática ao Lula, Brizola faria com que a conversa acertasse um tom mais propositivo para ser a opção unificada da esquerda, todo mundo já sabendo que teria que ceder um pouco para derrubar o Bolsonaro. Isso faz muita falta: o cidadão ter que ceder algo em troca de definir o presidente. As eleições de 2022 estão nos mostrando que o brasileiro médio esqueceu que isso existe, que acredita de coração que a única escolha é ter tudo o que quer ou ser totalmente destruído pelo adversário.

Menos, menos… com pelo menos um dos lados tendo uma opção, talvez as coisas ficassem mais organizadas. O bolsonarismo não teria apenas um alvo, tendo que dividir os tiros contra dois ou mais candidatos. E até na cabeça da direita, teria uma situação de calcular quem é o inimigo mais perigoso, o que forçaria pensamento estratégico. É muito fácil pensar só em derrubar o Lula, mas se tivesse alguém realmente poderoso para disputar com ele, todo mundo seria obrigado a discutir propostas.

Não cola ficar com papo de demônio pra cá e canibal pra lá se a disputa não é mais totalmente polarizada. E sim, eu até gostaria de ter uma opção na direita também, mas a direita sofre com carisma, não é à toa que o Bolsonaro se solidificou como o novo deus de metade da população brasileira. A direita não é carismática naturalmente, mas quando acerta, acerta muito! Eu queria que o Novo não fosse um partido menos carismático que o Dória cuspindo numa criança paralítica, mas essa é a realidade atual. A esquerda tem mais potencial para eliminar a polarização pelo seu lado. Brizola ou similares fazem falta. Muita falta.

Eu sou fã da escolha da Sally também, mas acho que a régua da maluquice subiu tanto que talvez nem chamasse mais atenção nos dias de hoje.

Quem diria que Brizola faria falta no Brasil, não?

Para dizer que seus pais ou avós te avisaram sobre o Brizola para o bem, para dizer que seus pais ou avós te avisaram sobre o Brizola para o mal, ou mesmo para dizer que a polarização é o que o brasileiro quer e não tem como escapar: somir@desfavor.com

SALLY

Qual político já falecido faz falta nos dias de hoje?

Luiz Carlos Alborghetti – e não por seus dotes políticos e sim pelo que ele representava.

Na minha opinião, nenhum político brasileiro faz falta, pois mesmo os bem-intencionados, não tiveram competência ou relevância para marcar seu nome na história como alguém que faz falta. Sim, é isso mesmo, eu estou dizendo que o Brasil nunca teve um político bom o suficiente para fazer falta.

Alborghetti faz falta pelo que ele representava: o questionamento grosseiro, a abordagem sem um pingo de educação, a grosseria desmedida, a falta de civilidade, de urbanidade e de modos. Isso tem um papel social: ter alguém muito puto da vida berrando impropérios que outras pessoas não têm a coragem de dizer cumpre uma função.

Principalmente nos tempos atuais, onde você dá um peido fora da agenda da militância (de esquerda ou de direita) e é massacrado no grito. É fundamental ter alguém que grite mais alto, que não se deixe intimidar e que leve, na marra, na porrada, na raça, um outro ponto de vista para as pessoas. Tendo foro privilegiado então, melhor ainda.

E não se trata de concordar ou discordar com algum “lado”, se trata de um mecanismo de freios e contrapesos. Na mãe natureza, se uma espécie fica sem predador, ela começa a proliferar de forma desmedida, saindo do controle acaba gerando um desequilíbrio generalizado e perigoso.

A solução? Introduzir predadores, para manter aquela população sob controle. Alborga é o predador natural dessa gentinha nojenta, essa beautiful people, que ataca pessoa com câncer que está com turbante berrando que é apropriação cultural. Gente que quer calar os outros no grito, na intimidação. Vai lá, tenta gritar e intimidar o Alborghetti…

Os projetos políticos dele não eram um primor, mas a coragem, a capacidade de comunicação e a característica “inintimidante” (inventei agora: aquele a quem ninguém pode intimidar) seriam um farol em meio a essa escuridão que promete se estabelecer no país.

Tem gente tentando fazer frente a isso, mas ninguém com um grau de “foda-se” como tinha Charles Dal. Ninguém que, transpirado, envolto em uma toalha, com pedaço de pau na mão bata na mesa berrando o mais alto que consegue. Alborghetti era imbatível naquilo que se propôs a fazer: ser um maluco do caralho que vai se fazer ouvir doa a quem doer.

Falta a loucura dele em quem está tentando se posicionar fora da agenda da militância, tanto é que a maioria acaba sendo calada, acaba tendo a reputação moída, ficando com a fama de escroto ou acaba recuando por receio. Alborghetti não recuaria, não por princípios, honra ou comprometimento e sim por problemas mentais. Dalborga era um acidente de trem, era um ser humano sem nenhum freio, sem nenhum medo, sem nenhum receio.

Máquina de moer reputação? Seria moída por ele de volta. Ameaça de processo? Ele limparia a bunda com a notificação em cadeia nacional. Ele faz falta, sabe? Eu queria saber o que ele teria a dizer sobre linguagem neutra, por exemplo. Já posso visualizar ele berrando, babando, soltando perdigotos na câmera, imitando de forma muito pejorativa quem fala em linguagem neutra. Também queria ver essa militância corajosa na hora de agredir uma idosa com câncer tendo que peitar Charles Dal. Ahhh queria. Queria muito.

E de forma alguma eu concordava com ele no conteúdo. Acho que a maioria das coisas que ele falava eram abomináveis, mas, sempre fiquei muito feliz de ver que era possível dizê-las: se o Alborghetti pode falar o que pensa, qualquer um pode falar o que pensa, já que ele era o teto do politicamente incorreto. Concordando com ele ou não, ele mantinha aberta a liberdade de expressão para todos nós.

“Ain mas eu achava ele um escroto”. Tá bom, sagrado direito seu. Bastaria não assistir ao programa dele. Eu mesma não sei se assistiria, mas me deixaria tranquila saber que tem alguém podendo falar aquelas barbaridades, sinal de que eu também poderia falar as minhas. Sinal de que o tempo pelo qual se cala alguém na base do cancelamento, processo e intimidação chegou ao fim.

Sim, políticos tem uma função muito além da criação de leis. Políticos inspiram, políticos funcionam como resistência, políticos levantam multidões. No Brasil? Dificilmente, esse bando de tiozão com cabelo pintado de preto boneca, com cara de gentinha, com olhar bovino… essas porras não servem para nada mesmo. Mas Alborga servia: era o predador natural de uma espécie que hoje está fora de controle, um problema que ninguém tem coragem de resolver. A culpa de tudo, o papel de grandes vilões, está na militância de direita, enquanto isso, a de esquerda segue barbarizando e posando de virtuosa.

E não é apenas sobre a figura dele e o que ele faria, é sobre a inspiração: querem te calar? Querem te obrigar a um comportamento? Comporte-se como um maluco do caralho, não se deixe intimidar, se é para berrar, vamos berrar de volta. Não se deixe calar. Existe a opção de não se deixar calar. Dá para ser um maluco do caralho e ainda ter um programa de televisão, ser votado e ocupar um cargo público. Que mensagens lindas…

Além disso, ainda tem um plus: Daborga era de verdade. Podia ser aquela bosta ali, um doido varrido, mas era de verdade. Você via que ele falava o que realmente pensava, inclusive acredito que nem era uma opção, havia uma total incapacidade de filtro. Mas o fato é que ele era de verdade, isso faz falta também. Quantos políticos a gente pode dizer que são verdadeiros em suas falas?

Alborghetti é um contraponto a todos os excessos que estão sendo cometidos atualmente (e provavelmente só serão acentuados nos próximos anos). Ele seria o predador natural dessa gentalha projac, do politicamente correto que, quando você vai ver, valem a mesma merda da militância de direito: tomam processo por racismo (oi Sonza) ou assédio (oi Melhem). Alborga faz falta para gritar isso em cadeia nacional.

Para dizer que eu tenho titica de sabiá amarelo na cabeça, para dizer que o que faz falta é equilíbrio emocional ou ainda para dizer que também sente falta do Alborga: sally@desfavor.com

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Comments (10)

  • Vou de Brizola desta vez (embora eu concorde com tudo o que foi dito sobre o Alborghetti). Acho que o único setor da Esquerda que eu ainda respeito é a Esquerda “chão-de-fábrica”, que se preocupa com a vida do trabalhador. Já dessa “Esquerda Projac” quase nada se aproveita (inclusive ate o próprio Brizola poderia ser cancelado hoje por não aderir ao identitarismo esquizofrênico dessa galera).

    • 20 anos na política, foi Vereador em Londrina e Deputado Estadual no Paraná, neste ultimo cargo, foram 4 mantados consecutivos!

  • Hosmar Weber Júnior

    “Principalmente nos tempos atuais, onde você dá um peido fora da agenda da militância (de esquerda ou de direita) e é massacrado no grito. É fundamental ter alguém que grite mais alto, que não se deixe intimidar e que leve, na marra, na porrada, na raça, um outro ponto de vista para as pessoas.”

    Caralho tu me descreveu aí, jamais pensei que fosse me identificar com o dalborga, até ontem eu só usava os memes em áudio dele para perturbar meus amigos haha

  • Hosmar Weber Júnior

    Brizola faz falta pra caralho, tem uma lista aí de brasileiros que mereciam ter sido presidentes e ele com certeza encabeça essa lista na minha opinião, quando eu tinha seis anos fiz minha pré escola em um ciep aqui no RS construído por ele, e era uma coisa incrível, hoje não se vê nada parecido no ensino público, Ciro fez algo parecido no Ceará mas como educar criança não dá voto, mas criar universidades sim, lula sabe disso e hoje as universidades são currais eleitorais do Lula, não que universidade não seja importante mas é preciso educar as crianças primeiro, o PT cagou para o ensino básico, eu praticamente vivo dentro de uma federal e fui muito pressionado no primeiro turno para deixar de votar no Ciro para votar no Lula, (aquele papo furado de voto útil), mas eu firmei o pé e mantive minha convicção, político como ele e como brizola jamais chegarão a presidência do Bostil

  • Porra, agora vocês me pegaram. É perguntar pra uma criança faminta se ela quer comer cachorro quente ou um pedaço de bolo.

    Mas tá, vou de Brizola, pois é difícil encontrar esquerdista hoje em dia com o mínimo de coerência e cuja presença realmente se destoaria no horizonte. Quanto ao Alborga, há vários projetos metidos a ele (desde Mouê Coura até Mando Noura) só no Youtube, até já tá chato.

    • Hosmar Weber Júnior

      Hoje nem o PT é de esquerda mais, e nenhum dos seus puxadinhos, alguns até são mas se perdem em pautas identitarias, coisa que não dá voto em um país conservador como o Bostil

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