Hypeconomia.

Um tempo atrás, eu resolvi brincar de especulador de criptomoedas. Já contei como perdi e ganhei dinheiro com isso, mas não o que exatamente me cansou naquela história: em um dado momento, eu já tinha certeza de que estava tentando apenas ser mais esperto que outros espertos e arrancar dinheiro deles. Não tinha nada acontecendo de verdade ali, não no sentido de criação de valor.

Sob um ponto de vista tecnológico, eu mantenho minha visão de que existem funções a serem ocupadas pela tecnologia da blockchain, criptomoedas e até mesmo NFTs no futuro da humanidade. Mas a aplicação prática dessas tecnologias ainda está enterrada sob toneladas de desejos de enriquecimento rápido de especuladores.

E quanto mais eu presto atenção nos caminhos que as pessoas estão seguindo diante de novas tecnologias, especialmente as relacionadas com dados da internet, mais eu percebo esse efeito de esvaziamento de significado atrás do hype com fins lucrativos. Hype é uma palavra que pode ser traduzida como expectativa no português, mas tem um quê de empolgação e até mesmo de ilusão dentro de seu significado original. É uma expectativa que flerta com o exagero.

Na economia do hype, o valor de um serviço ou produto fica em segundo plano, as pessoas estão pensando no que outras pessoas podem enxergar como valor naquilo. Nos tempos de especulação com criptomoedas, eu sabia que a única chance de ter lucros exorbitantes era pegar o lançamento de uma nova moeda e comprar muito antes de quase todo mundo.

Isso rapidamente me fez descobrir um universo paralelo de pessoas que criavam essas moedas de forma compulsiva para aproveitar o hype e simplesmente vender tudo quando outras pessoas comprassem. Eu até aprendi a fazer esse tipo de criptomoeda. Mas na hora do vamos ver, batia uma sensação de desonestidade e eu não conseguia.

Porque eu não conseguia me enganar: era um esquema para tirar dinheiro de gente menos capaz de entender o que estava acontecendo. Durante uma grande “corrida do ouro digital” em 2020, eu vi muita gente perdendo todas as economias investindo em moedas ainda mais estúpidas que a Dogecoin, coisas que não tinham valor nenhum.

Por mais que eu tenha um desdém poderoso pela burrice do ser humano médio, a ideia de dar um golpe desses e pegar alguns otários não descia bem comigo. Eu acho que ainda sei o suficiente sobre programação de Web 3.0 e criptomoedas em geral para fazer isso, mas não… não descia mesmo.

E olha que eu cheguei perto, viu? Comprei domínio, fiz o site de umas duas criptomoedas diferentes, tinha até mesmo mão de obra para sair divulgando por aí. Não quer dizer que eu estava com a chave da riqueza na mão, ainda é muito loteria se você vai conseguir gerar o hype necessário para ganhar dinheiro de verdade. Mas que a estrada estava aberta naquele momento, estava.

Foi nessa época de decidir se eu ia para o mundo do golpe sabendo que era golpe que eu parei de me dedicar tanto ao processo. Eu queria não ter dó de gente imbecil que arrisca o futuro para “ficar rica rápido”, mas todo mundo tem seus limites. Meu sono tranquilo valia mais. Tem muita gente viciada em aposta e desesperada de verdade para ganhar dinheiro nesse mundo da hypeconomia.

Vai parecer uma tangente muito maluca, mas eu já ouvi de algumas pessoas muito inteligentes que o principal problema da política é que gente honesta não tem estômago para participar. Justamente quem poderia mudar o jogo de corrupção e fisiologismo é quem não consegue ficar muito tempo dentro desse mundo.

A minha sensação é que o mundo das criptomoedas está infestado de gente que topou especular sem gerar nenhum valor real, e gente que ficava tentando pensar em usos reais foi sendo jogada para escanteio. Mais ou menos como na política, depois de um tempo se formou um estigma de sujeira tão grande, com tanta gente podre participando, que pessoas minimamente éticas se sentem mal de fazer parte.

E o mundo das criptomoedas é só uma parte da hypeconomia: agora a moda é falar de inteligência artificial, os pesquisadores e nerds raízes estavam trabalhando no ChatGPT e similares há muitos anos. Toda a base dessa tecnologia que alimenta criadores de textos e imagens agora tem uma base sem fins lucrativos de longa data. Gente fazendo por diversão e curiosidade, colaborando sem pedir um centavo em troca.

O meu maior temor em relação à I.A. nesse momento não é perdermos o controle e acabarmos escravizados, isso nem faz sentido se você estiver prestando atenção no que ela realmente faz com a tecnologia atual; meu medo é que essa hypeconomia tome conta do setor como tomou o das criptomoedas. Um monte de gente querendo ficar rica sem trabalhar entrando e trazendo mais investidores sem noção até a coisa pegar uma fama ruim, como pegaram as criptomoedas.

Fama que nada tem a ver com a tecnologia por trás da coisa, nem mesmo no caso dos inúmeros golpes que aparecem quando se pesquisa por Bitcoins e similares: como eu disse no começo deste texto, eu vi de perto que a tecnologia não é o fator determinante no acúmulo de dinheiro. Com um pouco de curiosidade e alguns tutoriais, eu tinha a tecnologia na mão. Mas para transformar conhecimento em dinheiro, precisava aceitar montar esquemas de pirâmide.

A pirâmide não só é uma forma de construção antiga, como é uma forma de gerar dinheiro muito antiga também. Não tem nada de revolucionário em convencer pessoas a investirem em algo com a promessa que outras pessoas vão querer investir depois. Não é uma proposta de valor real, é apenas uma forma de afunilar recursos na mesma direção.

Pessoas ficam ricas e pobres com criptomoedas por causa de pirâmides, não é nem relacionado com a tecnologia na maioria dos casos. Essas mememoedas que surgem todos os dias são prova disso: não oferecem nada prático, apenas uma chance de comprar barato e vender caro. Podia ser um selo ou uma moeda antiga do mesmo jeito.

É isso que me chama mais atenção na hypeconomia: como ela é antiga, analógica, simplória até. Até argumento que ela funciona melhor quanto menos as pessoas entendem o que está acontecendo. Conhecimento técnico e científico em geral provavelmente diminui suas chances de apostar em qualquer uma dessas novas tecnologias revolucionárias de startups e “gênios de garagem” que surgem todos os dias.

Quando o processo é quase que uma dança das cadeiras de dinheiro, com ele trocando de mãos até a música parar e um esperto ficar com tudo, o incentivo para desenvolver novas tecnologias fica em segundo plano: o importante é fazer parecer que a tecnologia vai gerar dinheiro.

Eu detesto chegar nessa conclusão, mas… o capitalismo parece estar eficiente demais em transformar hype em dinheiro. Gente que quer ficar rica é um problema para setores como política e ciência, porque é algo que bate de frente com os objetivos reais das áreas. Não é rejeição à ideia de querer ganhar dinheiro, é a percepção da incompatibilidade: pessoas assim atrapalham quando estão lidando com coisas que em tese não deveriam ter fins lucrativos.

E pessoas que não querem entrar nessa loucura de vender suas criações a qualquer custo talvez percam a vontade até de criar. Porque se sentem pressionadas a dar resultados financeiros superlativos com suas ideias. Muitas das boas ideias políticas e científicas da humanidade não geram riqueza imediata. E uma economia cada vez mais baseada na empolgação com a aplicação financeira de novas ideias e descobertas pode ser um território cada vez mais inóspito para inovação.

O pessoal da área acadêmica pode nos contar como a pressão por publicações é negativa para o esforço científico. A pessoa acaba sentindo que seu grande objetivo é virar notícia popular e garantir investimentos para seus estudos. O que acaba influenciando os caminhos que esses cientistas percorrem. Se for algo que não alimenta a hypeconomia, será que a pessoa vai conseguir dinheiro para continuar o trabalho?

Essa máquina de empolgação causa problemas nos dois sentidos: desmotiva quem quer focar no valor real e no desenvolvimento científico e atrai uma horda de especuladores (de má-fé ou altamente ignorantes) que vai deixando as pessoas cada vez mais cansadas de lidar com a bagunça, mais ou menos como acontece como a política. São problemas que se retroalimentam: quem deveria entrar não quer entrar, e por falta de ver gente decente no meio, menos e menos pessoas que podem agregar valor ao processo se sentem representadas.

Eu posso ter vários defeitos, mas ser golpista não é um deles. Eu tive a tecnologia na mão, mas vendo o que era o mercado na prática, a máquina de hype feita para tirar dinheiro de gente menos capaz de se defender intelectualmente, eu deixei de ver a graça da coisa. Talvez essa reflexão me faça voltar a estudar programação de criptomoedas, mas sem me pressionar a ganhar muito dinheiro como via outras pessoas fazendo, quase sempre dando golpes em incautos.

A hypeconomia é uma máquina de fazer golpistas. Se você estiver pensando em ficar rico(a) com a próxima grande revolução tecnológica, fica o aviso. Se você estiver realmente interessado(a) em pesquisar criptomoedas, inteligência artificial e todo tipo de tecnologia que pode ter funções práticas no futuro e não quer lidar com a ideia de criar uma pirâmide, que este texto sirva para te fazer repensar no estigma, assim como eu estou repensando.

Você pode não entrar no esquema. Mas que fique claro que não entrar no esquema é renunciar ao dinheiro potencial de especulação. Se quer ser rico, ciência e tecnologia não resolvem o problema sozinhas. Hypeconomia é algo totalmente diferente de pesquisa e desenvolvimento. É pirâmide com uma pintura nova.

Para dizer que perdeu tudo comprando moeda de Pepe, para dizer que pirâmides duram mais que tudo, ou mesmo para dizer que eu tenho que virar político: somir@desfavor.com

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Comments (8)

  • PS.: Cheguei a comparar a problemática das Criptomoedas e dos NFTs com a questão da especulação em torno da SOUTH SEA COMPANY há três séculos atrás. Cabe ressaltar que isso inclusive causou a destruição de muitas fortunas na época, sendo que isso implicou na proibição da emissão de ações na Grã Bretanha por mais de um século. Hoje temos a negociação de ações corporativas como um negócio trilionário, mas naquela época, a economia britânica caiu numa bolha similar as relatadas no caso de Criptomoedas e NFTs, o que implicou em sérios problemas de confiança quanto a tais negócios em terreno pantanoso.

  • Já tinha visto os problemas existentes nesse campo logo de cara, sendo que a tendência de piramidização é o maior deles.
    Isso não ocorre apenas no campo da hypeconomy, como também no campo daquilo que chamam de cultura woke.
    A diferença é que na questão da hypeconomy o foco é tão somente financeiro enquanto que no caso da cultura woke o foco é no ganho de poder no campo socioeconômico e consequentemente também no campo político.
    Observe com atenção aquele pessoal que se diz oprimido e que usa da problematização com as discriminações por questões de natureza racial, física, mental ou mesmo sexual no afã de tentar se vender como vítima das circunstâncias.
    Cabe o spoiler aqui que o pessoal que consegue destaque com isso não é exatamente a turma pobrezinha que mal e mal consegue se manter, mas uma turminha numa posição de classe média ou classe média alta em condições relativamente privilegiadas em relação ao conjunto da população, sendo que por parte de tais ativistas não há qualquer tipo de empatia quanto as pessoas que estão na base social e que no geral são tratadas como “gado” pelos mesmos.

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