Crime de geração.

Ter filho é mais do que colocar no mundo. Que os pais têm responsabilidade sobre o comportamento dos filhos, Sally e Somir concordam; sobre quando essa responsabilidade passa a ser legalmente só do filho, a discussão sai de casa. Os impopulares criam suas opiniões.

Tema de hoje: qual deveria ser o critério para que os pais sejam responsabilizados criminalmente pelos atos dos filhos?

SOMIR

Eu acredito que a maioridade legal seja suficiente. Fez 18 (ou se emancipou antes disso), o problema deixa de ser compartilhado pelos pais. Sim, eu sei que até neurologicamente 18 não é adulto, mas leis tem dessas linhas meio arbitrárias. O sistema judiciário mal aguenta uma sociedade com a utilização dessas linhas, imagine só se precisássemos pensar caso a caso?

Por isso, o meu primeiro argumento é praticidade: se a nossa sociedade usa o conceito de adulto, ele precisa ter algumas definições legais. Adultos podem fazer coisas que menores não podem, e como existe todo um sistema ao redor disso, ou temos uma linha ou fica impossível tocar a sociedade. Imagine só ter que definir caso a caso quem pode dirigir ou não?

Adultos precisam ser responsabilizados pelos próprios atos, senão a lógica de funcionamento da nossa sociedade se quebra. Precisamos de um valor em anos para definir adultos. 18 anos é o padrão atual na maior parte do mundo. Se você acha que esse número deveria ser menor ou maior, sinta-se livre para argumentar, o ponto aqui é que precisamos concordar numa linha. Quando ela está definida, tudo fica mais simples de organizar.

Ter elementos mais subjetivos para definir a responsabilidade de adulto é um perigo para qualquer sistema de organização social, já é complicado lidar com casos de pessoas com atrasos de desenvolvimento, seria inviável tratar todo mundo dessa forma. Fez 14, 18 ou 25, vira adulto. 18 é a bola da vez, por isso estou falando 18 como idade em que os crimes são seus e não dos seus pais também.

O direito moderno já parte do princípio de que uma pessoa não pode ser culpada pelos crimes de outras, provavelmente o maior avanço jurídico da história foi separar crimes de pais e filhos. Ninguém mais pode ser obrigado a pagar pelos crimes dos pais, avós, bisavós… ainda bem, porque era um dos conceitos mais injustos possíveis. Ninguém pode nascer culpado!

A única coisa que exigimos atualmente é que os pais tomem conta dos próprios filhos por um tempo razoável. Como a linha de adulto está nos 18, essa regra pode ser conectada logicamente: até os 18, todo crime dos filhos deveria ser compartilhado pelos pais. Não é exatamente assim que funciona hoje em dia, eu estou advogando uma mudança para compartilhar de verdade as penas de pais e filhos. É sua obrigação no pacto social ser responsável por outro ser humano até ele ser adulto, e obrigações tem que vir com consequências.

A ideia é que a responsabilidade de ter um filho seja séria: você está replicando até mesmo sua figura jurídica num filho. Controle essa criança/adolescente ou pague o preço junto com ela. A ideia é que como faz parte do acordo social que adultos com filhos tenham que criar eles para conviver de forma funcional na sociedade, até uma data limite você vai ter que fazer o trabalho direito. Exigimos de quem dirige que conheça as regras e não cause acidentes, então vamos exigir que quem crie um ser humano conheça as regras e não cause acidentes.

Se os pais fossem forçados a tomar conta de verdade de seus filhos até os 18, a chance desse jovem ir para caminhos sem volta diminuiria. O que acontece muito por aí são pais cuidando mais ou menos até a pré-adolescência e depois relaxando para deixar o “mundo” criar o que falta. Não à toa, a idade mental do brasileiro médio parece travar justamente nessa faixa. O combinado é cuidar por 18 anos, mas fazem até uns 11, quando fazem.

Comportamentos criminosos tendem a ser resultado de criação preguiçosa e/ou incompetente. Eu sei que algumas pessoas são realmente sociopatas ou psicopatas, mas ainda há muito o que se discutir se elas nascem desse jeito ou se são empurradas nessa direção por infâncias problemáticas. Eu sou do time que acredita em tendências genéticas (afinal, existem doenças genéticas), mas que o ambiente impacta muito mais no resultado final.

Se ficar provado que o jovem criminoso realmente tinha um problema mental impossível de prever, é para isso que (em tese) existe o sistema judiciário. Mas é muito mais provável que os pais tivessem alguma noção do que acontecia ali. Até os 18 você está junto com seu filho na responsabilização criminal, se tiver um bom motivo para ser desconectado desse crime, faça sua defesa.

Mas tudo tem limite. Mesmo que o jovem ainda esteja morando com os pais, o sistema precisa de regras. Quando ele faz seus 18 anos, temos que considerar a criação finalizada. Pode até ter soltado uma pessoa podre nesse mundo, mas se ninguém pegou até os 18, é culpa compartilhada do Estado também. A única exceção ao conceito de uma pessoa nunca ser responsável pelo crime da outra tem que ter uma linha guia prática e reconhecível por todos.

Idade resolve esse problema. Dá uma ideia clara ao cidadão do que está fazendo ao botar um filho nesse mundo e uma data limite para ele cuidar direito dessa pessoa. Com 18 anos de preocupação dos pais, a chance de o filho ficar do mesmo jeito que fica com o tradicional abandono à própria sorte ao primeiro sinal de puberdade é bem menor, não?

E quem não quiser esse problema que use camisinha. Num mundo ideal teríamos essa regra de responsabilidade totalmente compartilhada até os 18 e acesso universal a todos os métodos contraceptivos, além de aborto. Posso falar de mundo ideal porque pouca gente vai topar essa regra mais agressiva sobre culpabilidade dos pais sobre os crimes dos filhos: um povo que realmente se preocupasse com filhos não criaria brasileiros médios…

Para me chamar de déspota insano, para dizer que quem cria é sempre o mundo, ou mesmo para dizer que deveria ser responsabilidade até a morte: somir@desfavor.com

SALLY

Qual deveria ser o critério para que pais possam ser responsabilizados criminalmente pela atitude dos filhos?

O que está sendo perguntado aqui é: se um filho comete um crime, quando é que seus pais também devem ser responsabilizados por esses crimes? A resposta pode ir de “nunca” a “sempre”, de acordo com a opinião de cada um. E a minha é extremamente impopular.

Eu achava que deveria acontecer quando o filho fosse menor de 18 anos, pois os pais ainda seria responsáveis por ele. Mas, depois de tudo que vi e vivi no Judiciário, eu sei que esse critério simplesmente não adianta no Brasil, um país de marmanjo infantilizado que comete crime com a cumplicidade dos próprios pais, na maior parte das vezes, por omissão.

Então, hoje eu penso que a melhor forma de dar uma trava é outro critério: Morar junto. Quem mora junto tem a oportunidade de ver indícios, informações, comportamentos e outros sinais que indicam crimes e não pode fechar os olhos para isso. Percebam que não estamos falando de algo pequeno como furar um sinal vermelho ou estar devendo ao banco. Estamos falando de crime. Roubar, matar, estuprar, etc.

Enquanto o filho morar com os pais, os pais têm a obrigação de observar sua conduta e mantê-lo sob controle ou reportar às autoridades se sair do controle. Na minha opinião isso funcionaria por dois motivos: 1) marmanjo vai pensar melhor antes de fazer bobagem se souber que a mamãe pode pagar por isso e 2) os pais estarão mais atentos aos filhos e tomarão providências caso ele saia da linha, por medo de serem responsabilizados.

Isso nunca vai acontecer no Brasil, pois a Constituição não permite. É inegociável, simplesmente impossível de implementar. Então, que fique claro que este é apenas um debate de ideias em tese, não uma campanha para que isso seja colocado em prática.

Funcionaria da seguinte forma: se o filho comete um crime os pais respondem pelos mesmos crimes do filho, a menos que voluntariamente reportem estes crimes ao Ministério Público, para que possa ser investigado e se descubra se, de fato, ocorreu. Se o fizerem, os pais saem impunes e só o filho é punido.

Depois que os filhos saem de casa os pais não têm como ficar de olho no que eles fazem, mas, enquanto moram debaixo do mesmo teto é possível ver, no mínimo, indícios de que algo não está certo. E de fato a maior parte dos pais acaba vendo, mas se omite. Se omite por negação, por não querer se dar ao trabalho, por saber que não vai adiantar falar e por diversos outros motivos. Assim, abrigam um criminoso dentro de casa.

“Mas Sally, às vezes não tem como saber”. Ok, por isso o sistema penal brasileiro faz questão de, em qualquer hipótese de qualquer crime avaliar caso a caso e decidir conforme aquela situação em concreto. Se não há como saber, não é justo punir os pais. Mas, acredite, quase sempre é possível saber sim, os pais é que não querem ver ou se envolver.

Um exemplo: o filhão de 19 anos chega em casa bêbado, com o carro batido, marcas de dentes do capô e sangue no para-choque. Não tem como saber que ocorreu algo? Francamente… Nesse caso, de dois um: ou os pais reportam o ocorrido às autoridades ou, caso o filho seja pego, eles responderão juntos pelo mesmo crime.

Não faz o menor sentido responsabilizar os pais só até os 18 anos do filho, pois é justamente após os 18 anos que o jovem faz mais merda: começa a poder dirigir, começa a poder entrar em locais em que se vende bebida alcoólica, começa a ter independência e autonomia para fazer escolhas erradas com mais potencial lesivo. Se você viu, você tem que reportar.

Sei que muita gente vai contestar, mas, lá vai: quem mora junto, se quiser, se tiver interesse, se tiver firmeza, tem condições de saber que o filho está fazendo merda e tem a obrigação de redirecioná-lo ou impedir que ele cause danos a terceiros.

Esse papo de “eu não consigo controlar meu filho” vocês podem engolir e defecar amanhã pela manhã, pois pais tem responsabilidade sim, e ela não termina aos 18 anos do filho. Não consegue controlar? Beleza, vai responder criminalmente lado a lado com ele, pois ao não impedir, você foi o facilitador. Botar um filho que gera danos a terceiros no mundo tem que ter implicações.

Além disso, é um bom termômetro para os pais. Se cria um mecanismo bem bacana para medir a índole do ser humano que você criou. Não seria interessante descobrir se você criou um filhodaputinha egoísta a ponto de fazer merda sabendo que isso iria te comprometer de forma grave?

Provavelmente a maior parte das pessoas não vai querer, pois não tem a certeza de que seus filhos teriam essa consideração por eles. E a maioria de fato não tem. Mas seria um ótimo medidor de que porra de ser humano você colocou no mundo.

As pessoas precisam entender que não está tudo bem em morar com seu filho e nem se inteirar do que está acontecendo, do que ele está fazendo, do que ele está planejando. Morar junto é dar cobertura, é financiar, é colaborar para que aquela pessoa faça o que faz. Sim, existe uma responsabilidade em morar junto. Se você convive com a pessoa e você tinha condições de saber o que ela estava aprontando, você é cúmplice.

É uma via de mão dupla: quem faz merda vai pensar duas vezes antes de fazer (não tem grupo com maior idolatria pela mãe do que bandido) e os pais vão pensar duas vezes antes de fazer vista grossa.

É o desejável? Claro que não, o desejável seria uma sociedade em que isso não fosse necessário, mas infelizmente não é essa a realidade do Brasil, que parece se afundar cada vez mais em impunidade. Um país no buraco demanda medidas drásticas.

Ter filhos é uma opção. Ninguém obriga ninguém a ter filhos. E os pais estão cada vez mais se afastando de suas responsabilidades: são as más influências, é a bebida, é o videogame violento, a culpa é de todo mundo menos dos pais. Hora de responsabilizar. Hora de acabar com o “mas eu trabalho o dia inteiro não tenho como cuidar do que meu filho faz”. Se não tem como cuidar, não tenha filhos. Se teve filhos e não cuida, seja responsabilizado.

É isso, joguem pedras. Não espero que ninguém concorde comigo.

Para dizer que é a favor, mas só para os filhos dos outros, para dizer que prefere a molezinha de botar filho no mundo e não se responsabilizar pela criação deficiente e suas consequências ou ainda para dizer que bandido bom é bandido morando longe: sally@desfavor.com

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Comments (14)

  • Interessante proposta a da Sally. Mas um país que põe o corno pra pagar a conta do Ricardão já faz o suficiente pra reduzir gravidezes irresponsáveis.

  • “Enquanto o filho morar com os pais, os pais têm a obrigação de observar sua conduta e mantê-lo sob controle ou reportar às autoridades se sair do controle. Na minha opinião, isso funcionaria por dois motivos: 1) marmanjo vai pensar melhor antes de fazer bobagem se souber que a mamãe pode pagar por isso e 2) os pais estarão mais atentos aos filhos e tomarão providências caso ele saia da linha, por medo de serem responsabilizados”.

    Sugiro ler o livro “A mother’s reckoning: Living in the aftermath of tragedy”, de Susan Klebold, mãe de Dylan Klebold, que, com o amigo Eric Harris, matou 13 pessoas no massacre de Columbine, nos EUA.

    No livro, a mãe admite não ter visto diversos sinais de delinquência do filho, dentre eles ter pedido uma escopeta de Natal um ano antes do crime. No fim, pagaram indenizações pesadas às vítimas, após terem gastado bastante com advogados em causas cíveis.

    Além disso, a avó do menino pagava seguro para a mãe e o neto, o que ajudou a amortizar parte das indenizações. Lá tem seguros que cobrem danos contra terceiros, estendido para aqueles que morem no mesmo teto do causador do dano, com gatilhos (/turun tss/) para um pagamento maior de indenizações. Nisso, a família de um atirador entrou na justiça para que o ato do filho fosse coberto pelo seguro (o rapaz matou diversos indianos, chineses e coreanos em três cidades diferentes em duas horas). E ganhou (quem curte Direito e manja inglês, pesquise no google o caso Donegal v. Baumhammers).

    Por essas e outras, a extensão da responsabilidade penal para quem more no mesmo teto seria crucial.

  • “O direito moderno já parte do princípio de que uma pessoa não pode ser culpada pelos crimes de outras, provavelmente o maior avanço jurídico da história foi separar crimes de pais e filhos. Ninguém mais pode ser obrigado a pagar pelos crimes dos pais, avós, bisavós… ainda bem, porque era um dos conceitos mais injustos possíveis. Ninguém pode nascer culpado!”

    Em Santa Prisca não é assim!

  • Eu concordo com a Sally, porém, é capaz de pais merdas que sabem que estão criando um filho problemático, burlarem essa lei enxotando de casa seu remelento assim que possível, bem à lá USA: terminou ensino médio, enfia numa universidade ou num McDonald’s e manda embora (se for menina, pode arrumar um marido pra ela).

    Para esses pais o que vale é bater no peito dizendo que cumpriu um papel divino ou biológico, independente da qualidade da prole.

      • Acho que não, Sally. Só iria gerar mais jovens endividados e deprimidos, como já acontece em países onde é cultural os pais jogam os filhos na rua assim que chegam à maioridade. Aluguel de apartamento e comidas básicas como ovo e carne estão um absurdo de tão caros, mesmo dividindo com roomates.

        • Então talvez essa perspectiva assustadora de uma vida insalubre pudesse fazer os marmanjos pensarem duas vezes antes de se encrencar e encrencar seus pais junto: “não vou fazer merda se não vou perder o teto no qual vivo”

      • Sally, eu tenho um filho de 14 anos, e ele desde já ele sabe que aos 25 de um jeito ou de outro ele sai da minha casa. Foi com essa idade que eu comprei junto com a minha esposa ( noiva na época ) a nossa casa e casamos. Eu não admito sustentar um marmanjo maior que essa idade.

  • Somir é mais realista mas a proposta da Sally seria interessante na América latina, países onde a cultura é morar com os pais e só sair quando casar. E olha que no Brasil nem saem mais, fazem puxadinho no quintal dos pais..

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